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sábado, 30 de outubro de 2021

A GNOSE PARA O CONTEXTO MAÇÔNICO EM SUA EXEGESE PARA O SIMBOLISMO DA ESTRELA FLAMEJANTE


 

A letra G é um dos símbolos mais usuais do arcabouço doutrinário maçônico. Objeto de estudo e doutrina relevante ao grau de Companheiro Maçom, a letra G emana cinco fundamentos maçônicos e, por estar correlacionado à Estrela Flamejante presente no Ocidente do Templo, revela que o iniciado definitivo, em sua Elevação, reconheceu a presença espiritual como parte de sua evolução espiritual maçônica.

As definições colocadas à letra G são cinco, legitimadas pelo Ritual do Grau de Companheiro Maçom do R.E.A.A. publicado pelo GOB (2009): Geometria, Geração, Gravidade, Gênio e Gnose. Sendo que este último inquire Verdades Eternas (2009:107). Nesta definição, está fundamentada a ideia de Revelação tradicionalmente alusiva às Verdades antediluvianas, um dos assuntos prediletos da Maçonaria autêntica e universal, por estar sujeita às doutrinas do Livro da Lei ou Bíblia Sagrada. Para que se conceba a noção de Verdades Eternas, é inalienável que se admita que normas ou princípios foram estabelecidos por vontade não sujeita ao tempo.

Não estaria exegeticamente coerente entender o conceito de Gnose dissociado desta prerrogativa admitida pelo Ritual maçônico. A má intenção em desqualificar o uso adequado do termo por uma relativista intepretação de que fosse simples conhecimento é uma atitude simplória que peca por reducionismo e rasa capacidade discursiva.

Não raramente, porém, a intepretação ao conceito depende da maturidade filosófica do exegeta. O interprete que não estiver comprometido com a finalidade tipicamente maçônica descontextualizará o uso natural do termo por um abstracionismo reducionista que esteriliza, inclusive, o motivo da existência do termo ritualístico. Esta limitação pode estar presente em autores que pauperizam o Rito e a Maçonaria, tentando esvaziar o sentido religioso e Teísta da Sublime Ordem. Por isso, o debate deste tema é parte do escopo deste artigo. Ressalta-se que o conceito de Gnose não é tipicamente maçônico, como não será outros conceitos que fazem parte do modus operandi ritualístico, porém se faz de bom alvitre analisarmos a utilização do termo em meios maçônicos.

A DOUTRINA DO G-GNOSE PARA O GRAU DE COMPANHEIRO MAÇOM

Não será parte do programa deste artigo fazer uma discussão historiográfica da aceitação deste quinto elemento para o que se convencionou delimitar as interpretações do G como dístico da Estrela Flamejante. O que temos e faremos será analisar os fundamentos mais apropriados ao entendimento desta conceituação do símbolo, respeitando a substância mística a qual entendemos ser a razão de ser da finalidade da inquirição das Verdades Eternas.

Historicamente, o conceito de Gnose é associado a espiritualidade. De acordo com Genaro Bove, no Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico, Gnose é o conhecimento adquirido através dos mistérios divinos por parte dos iniciados nas diversas tradições filosóficas do mundo antigo. Seria, com isso, um direito oferecido ao iniciado em determinada filosofia de Mistério para acessar uma Revelação extraterrena e inacessível por meios de simplórios  estudos ou de senso comum. Para Bove, nisto consistia o gnosticismo, com suas devidas exceções, típico do século I e II d.C, que tinha como finalidade ajudar o homem em solucionar seus problemas existenciais através de práticas esotéricas de purificação, geração e regeneração. Resumidamente, a doutrina gnóstica entendia o mundo como habitação e domínio de deuses inferiores, por isso preferiam os gnósticos estar no pleroma ou mundo de fulgurante beleza, renúncia do mundo material. Sincreticamente, o gnosticismo dialogará com o cristianismo primitivo e defenderá a ideia de que toda a criação é dualista, perfazendo Luz e Trevas, espírito e matéria. O deus do Antigo Testamento, seria na doutrina gnóstica, um Demiurgo, caracterizado por sua iniciativa de conceber matéria, não sendo este o Pai do todo, pela natureza deste ser inefável e jamais alcançada por nenhuma criatura. Para que houvesse a salvação dos homens inseridos neste mundo, houve o salvador, iniciado pelo Primeiro Mistério, para enviar gnoses e Mistérios recebidos pelos Eleitos. O gnosticismo, de acordo com Luigi Padovesi, enfatizava que o mundo material era mau, pois o Demiurgo e seus anjos eram naturalmente degradantes. A escola iniciática gnóstica defendia a divisão da humanidade em três classes: bélicos ou materiais, os psíquicos e os gnósticos ou espirituais. Os gnósticos acreditavam possuir, com efeito, um elemento divino que daria ao Eleito um lugar no pleroma pela descoberta de sua identidade divina (2003:324-325). A ideia de espiritualidade é indissociável do termo gnose, em toda sua tradição relacionada a simbolismos.

Estaria totalmente fora de sintonia se qualquer exegeta aceitasse o uso do termo, mas o esvaziasse de sua essência transcendental e preferisse resumi-lo a sua etimologia que seria simples conhecimento. Seria falta de ciência hermenêutica para qualquer autor que relacionasse as Escolas de Mistérios à Maçonaria mas não admitisse o uso adequado do conceito de Gnose, que é o de Revelação por intermédio espiritualista. Ancorados no que preconiza o instrucional do GOB para o Companheiro Maçom do R.E.A.A. façamos uma rápida análise discursiva em algumas publicações maçônicas.

Para Allec Mellor, defensor de uma opinião cética sobre o uso do termo, no Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons, admite ser o termo palco de debates. Alude que Platão o entendia como conhecimento, mas neoplatônicos e gnósticos deram-no complexidade e maniqueísmo (dualidade bem e mal). Mellor não defende que este termo seja utilizado em Maçonaria, pois rejeita sua relação com a letra G (1989:122). Talvez, a temeridade de Mellor esteja na costumaz acusação de que a Maçonaria seja um elemento de continuidade da seita gnóstica. Negando também a relação entre gnose e G, José Castellani, no Cartilha do Companheiro, diz que a única interpretação possível para esta letra é a de Geometria, baseado no documento canônico maçônico Master Key, de John Browne (1800), que descreve o Ritual no qual o Companheiro conhece a letra G como sendo Geometria ou quinta ciência (2004:38). Não seria escândalo Castellani aceitar o uso do termo como sendo uma evolução da mística na ritualística maçônica, pois este autor constrói a historiografia da Maçonaria associando-a às Escolas de Mistérios em seus diversos livros (Cf. Origens do Misticismo na Maçonaria (1982); As Origens Históricas da Mística Maçônica (2005); Rito Escocês Antigo e Aceito História Doutrina e Filosofia (2006), os quais admite e defende outras práticas que não estão descritas em documentos antigos maçônicos, a exemplo de outras ideias esotéricas.

De acordo com Nicola Aslan, no Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia, gnósis seria conhecimento e intuição, tipo esotérico das grandes verdades religiosas. Esta definição em Aslan não resume o termo a simples conhecimento, semanticamente. Na verdade, gnósis seria o significado para Logos, termo utilizado no Evangelho de João, que em latim seria traduzido por verbum, que seria o pronunciável para o que se refere a inteligência, espírito, revelação divina, etc. Citando Paul Naudon, o Logos ou gnósis simboliza o Fogo-Princípio manifestação da Causa Primeira, a emanação incriada e causa iniciada e nosso Universo. Para os alquimistas, principalmente no século XVII, a Gnose era a finalização da Pedra Filosofal, o conhecimento perfeito, representado pela letra G ou gama grego, esta simbolizando conhecimento supremo. Comentando o gnosticismo, Aslan destaca que as várias seitas gnósticas condenavam todo materialismo. O mundo perfeito, ou pleroma, criado pela emanação dos eons ou inteligências, deixou ao Demiurgo a inferioridade do mundo material. Porém, não há qualquer relação da Maçonaria com o gnosticismo. A Gnose, na Maçonaria, referenda apenas a espiritualidade revelada o Maçom como qualidade superior ao materialismo (2012:535;694-695). Pela exegese do Grau de Companheiro, a Pedra Cúbica resulta da Evolução pelo conhecimento espiritualista, a quintessência que supera o materialismo dos quatro elementos, estes superados pelo Neófito em sua fase recipiendiária, antes da sagração à Aprendiz. Ao Sul, o Companheiro conhece a Estrela Flamejante, a do Fogo-Princípio de Naudon e, por isso, uma das interpretações para o G seria Gnose. O que tornara a Estrela em Flamejante, seria o Logos, ou Verbum, o que batiza com fogo! Esta seria a interpretação a partir do Evangelho de João, padroeiro da Coluna J, o profeta do Apocalipse e da regeneração pelo fogo.

Theobaldo Varoli Filho, autor do Curso de Maçonaria simbólica, defende que o termo Gnose seja o único adequado para o G do Pentagrama. A tese do autor é baseada na tradição grega, a única Estrela Flamígera maçônica é a baseada nos pitagóricos e a letra original desta cultura seria apenas gama de Gnósis, que lembra a Quinta Essência, sem qualquer relação, ademais, com o gnosticismo: No Pentagrama, ela (a letra G) quer dizer principalmente GNOSE. Concordamos com Ragon e René Guénon (...). O G seria o conhecimento espiritualista, denominado por Gnose, comum entre os pitagóricos, que utilizavam o Pentagrama por dístico do ultimo grau iniciático da escola itálica (1976:80-83).

A Quinta Essância é a transcendentalidade experimentada pelo místico, apoiada pela Maçonaria ao adotar o G-Gnose. Citando Lourenzo Frau Abrines, Aslan diz ser a Quinta Essência cabalisticamente o espírito acima dos Quatro Elementos, o Éter incorruptível, o Quinto Elemento, a Estrela Resplandecente (sic), dentre outros (2012:1130). Para Allec Mellor, a Quintessência dá unidade ao quaternário e está no número 5, típico símbolo de gnose numeral, principalmente no R.E.A.A.(1989:210).

Expandindo o tema, Luiz Fachin, no Verdade e Virtude Tomo I, concebe ser a Gnose um fenômeno do conhecimento espiritual, à moda dos gnósticos é intuitivo, mas que comumente é a explicação das crenças por conhecimento esotérico perfeito das coisas divinas, comunicado somente através de Tradição Iniciática. A Gnose é conhecida pela sabedoria interna, pois suas verdades são reveladas às luzes da Escritura e Tradição. No texto Sagrado, São João Batista batizava com água, simbolizando a iniciação, purificação pela água dos planos inferiores da matéria. Porém, o fogo, a verdadeira gnose, dará a Iluminação Espiritual através da ação divina da supraconsciência (2015:284-285). Para o autor, a Gnose é a Revelação da divindade simbolizada pelo elemento fogo.

CONCLUSÃO

A Gnose, uma das cinco emanações da letra G, sagrada pela Maçonaria, revela doutrinariamente a espiritualidade maçônica intrínseca ao status evolutivo iniciático maçônico. O uso do termo confere ao símbolo da Estrela Flamejante substâncias que referenciam a numerologia do Grau de Companheiro e fornece argumentos à qualidade ornamental ao símbolo, pela sua relação exegética como o fogo, de acordo com autores abordados no estudo. O Conhecimento em Maçonaria, correlacionado com virtudes superiores que concordam com seus Ritos e o embasamento doutrinário de seus Altos Graus, retira qualquer ideia de agnosticismo, o que é um vitupério não apenas a essência maçônica, mas ao trabalho daqueles que a construíram e a zelaram diante de tantas dificuldades.

A Gnose está por bem relacionada com o Grau de Companheiro, não apenas por estar exegeticamente ornada à Estrela Flamejante, mas por sua doutrina do Conhecimento. A espiritualidade fará o homem transcender e receber a iluminação extraterrena, esta característica moraliza a Maçonaria em sua distinção, em termos doutrinários, a qualquer qualificação de mero clube de serviço ou convenção social. A finalidade da Gnose, em termos históricos e iniciáticos, sempre foi de retirar do homem a razão existencial e estabelecer princípios que o tornem humilde diante dos mistérios, que não estão acessíveis à temporalidade ou ao conjunto ideológico imposto por modismos humanos, pautados pela cobiça. Além disso, a crença no extraordinário fundamentou grandes obras civilizatórias e por vezes desafia a ciência humana.

Doutrinariamente, a Gnose, qualidade do G que inquire Verdades Eternas, alude ao fogo regenerativo que ilumina e simboliza a espiritualização do homem, ornando a Estrela Flamejante, que está na Coluna do Sul, a Coluna contemplada pelo calor e luz solar. Dedicada à referência da Coluna J, a do Evangelista João, profeta da redenção pelo Logos ou Verbum, Gnose, de acordo com os exegetas que inspiraram sua utilização, a Coluna do Sul dará alento aos Companheiros na finalização da Pedra Cúbica e na participação da Grande Obra do Templo, evidenciados pelas Verdades Eternas que embasam a finalidade dos Altos Graus. A Gnose é uma das mais influentes conceituações apropriadas pela Maçonaria em sua construção evolutiva e ritualística, dando estrutura filosófica e exegética ao arcabouço doutrinário espiritualista maçônico, especialmente aos Ritos fieis às tradições.

À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASLAN, Nicola. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica A TROLHA, 2012.

BOVE, Genaro. Gnose. In: PACOMIO, Luciano; MANCUSO, Vito. Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto e Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003.

CASTELLANI, José; RODRIGUES, Raimundo. Cartilha do Companheiro. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica A TROLHA, 2004.

FACHIN, Luiz. Virtude e Verdade Graus simbólicos Tomo I. 2 ed. Porto Alegre: Editora Agir, 2015.

MELLOR, Alec. Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons. Tradução: Sociedade das Ciências Antigas revisado por Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

PADOVESI, Luigi. Gnosticismo. In: PACOMIO, Luciano; MANCUSO, Vito. Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto e Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003.

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