A letra G é um dos símbolos mais usuais do arcabouço doutrinário maçônico. Objeto de estudo e doutrina relevante ao grau de Companheiro Maçom, a letra G emana cinco fundamentos maçônicos e, por estar correlacionado à Estrela Flamejante presente no Ocidente do Templo, revela que o iniciado definitivo, em sua Elevação, reconheceu a presença espiritual como parte de sua evolução espiritual maçônica.
As definições colocadas à
letra G são cinco, legitimadas pelo Ritual do Grau de Companheiro Maçom
do R.E.A.A. publicado pelo GOB (2009): Geometria, Geração, Gravidade, Gênio e
Gnose. Sendo que este último inquire Verdades Eternas (2009:107). Nesta
definição, está fundamentada a ideia de Revelação tradicionalmente alusiva às Verdades
antediluvianas, um dos assuntos prediletos da Maçonaria autêntica e universal,
por estar sujeita às doutrinas do Livro da Lei ou Bíblia Sagrada. Para que se
conceba a noção de Verdades Eternas, é inalienável que se admita que normas ou princípios
foram estabelecidos por vontade não sujeita ao tempo.
Não estaria exegeticamente coerente
entender o conceito de Gnose dissociado desta prerrogativa admitida pelo Ritual
maçônico. A má intenção em desqualificar o uso adequado do termo por uma
relativista intepretação de que fosse simples conhecimento é uma atitude
simplória que peca por reducionismo e rasa capacidade discursiva.
Não raramente, porém, a intepretação ao conceito depende da maturidade filosófica do exegeta. O interprete que não estiver comprometido com a finalidade tipicamente maçônica descontextualizará o uso natural do termo por um abstracionismo reducionista que esteriliza, inclusive, o motivo da existência do termo ritualístico. Esta limitação pode estar presente em autores que pauperizam o Rito e a Maçonaria, tentando esvaziar o sentido religioso e Teísta da Sublime Ordem. Por isso, o debate deste tema é parte do escopo deste artigo. Ressalta-se que o conceito de Gnose não é tipicamente maçônico, como não será outros conceitos que fazem parte do modus operandi ritualístico, porém se faz de bom alvitre analisarmos a utilização do termo em meios maçônicos.
A DOUTRINA DO G-GNOSE PARA
O GRAU DE COMPANHEIRO MAÇOM
Não será parte do programa
deste artigo fazer uma discussão historiográfica da aceitação deste quinto
elemento para o que se convencionou delimitar as interpretações do G
como dístico da Estrela Flamejante. O que temos e faremos será analisar os
fundamentos mais apropriados ao entendimento desta conceituação do símbolo, respeitando
a substância mística a qual entendemos ser a razão de ser da finalidade da inquirição
das Verdades Eternas.
Historicamente, o conceito de
Gnose é associado a espiritualidade. De acordo com Genaro Bove, no Léxicon
Dicionário Teológico Enciclopédico, Gnose é o conhecimento adquirido
através dos mistérios divinos por parte dos iniciados nas
diversas tradições filosóficas do mundo antigo. Seria, com isso, um direito
oferecido ao iniciado em determinada filosofia de Mistério para acessar uma
Revelação extraterrena e inacessível por meios de simplórios estudos ou de
senso comum. Para Bove, nisto consistia o gnosticismo, com suas devidas exceções,
típico do século I e II d.C, que tinha como finalidade ajudar o homem em
solucionar seus problemas existenciais através de práticas esotéricas de purificação,
geração e regeneração. Resumidamente, a doutrina gnóstica entendia o mundo como
habitação e domínio de deuses inferiores, por isso preferiam os
gnósticos estar no pleroma ou mundo de fulgurante beleza, renúncia
do mundo material. Sincreticamente, o gnosticismo dialogará com o cristianismo primitivo
e defenderá a ideia de que toda a criação é dualista, perfazendo Luz e Trevas, espírito
e matéria. O deus do Antigo Testamento, seria na doutrina gnóstica, um
Demiurgo, caracterizado por sua iniciativa de conceber matéria, não sendo este
o Pai do todo, pela natureza deste ser inefável e jamais
alcançada por nenhuma criatura. Para que houvesse a salvação dos homens
inseridos neste mundo, houve o salvador, iniciado pelo Primeiro Mistério,
para enviar gnoses e Mistérios recebidos pelos Eleitos. O gnosticismo,
de acordo com Luigi Padovesi, enfatizava que o mundo material era mau, pois o
Demiurgo e seus anjos eram naturalmente degradantes. A escola iniciática
gnóstica defendia a divisão da humanidade em três classes: bélicos ou
materiais, os psíquicos e os gnósticos ou espirituais. Os gnósticos acreditavam
possuir, com efeito, um elemento divino que daria ao Eleito um lugar no pleroma
pela descoberta de sua identidade divina (2003:324-325). A ideia de
espiritualidade é indissociável do termo gnose, em toda sua tradição
relacionada a simbolismos.
Estaria totalmente fora de sintonia
se qualquer exegeta aceitasse o uso do termo, mas o esvaziasse de sua essência transcendental
e preferisse resumi-lo a sua etimologia que seria simples conhecimento.
Seria falta de ciência hermenêutica para qualquer autor que relacionasse as
Escolas de Mistérios à Maçonaria mas não admitisse o uso adequado do conceito
de Gnose, que é o de Revelação por intermédio espiritualista. Ancorados no que
preconiza o instrucional do GOB para o Companheiro Maçom do R.E.A.A. façamos uma
rápida análise discursiva em algumas publicações maçônicas.
Para Allec Mellor, defensor de
uma opinião cética sobre o uso do termo, no Dicionário da Franco-Maçonaria e
dos Franco-Maçons, admite ser o termo palco de debates. Alude que Platão o
entendia como conhecimento, mas neoplatônicos e gnósticos deram-no complexidade
e maniqueísmo (dualidade bem e mal). Mellor não defende que este termo seja utilizado
em Maçonaria, pois rejeita sua relação com a letra G (1989:122). Talvez,
a temeridade de Mellor esteja na costumaz acusação de que a Maçonaria seja um elemento
de continuidade da seita gnóstica. Negando também a relação entre gnose e G,
José Castellani, no Cartilha do Companheiro, diz que a única interpretação
possível para esta letra é a de Geometria, baseado no documento canônico maçônico
Master Key, de John Browne (1800), que descreve o Ritual no qual o
Companheiro conhece a letra G como sendo Geometria ou quinta ciência
(2004:38). Não seria escândalo Castellani aceitar o uso do termo como sendo uma
evolução da mística na ritualística maçônica, pois este autor constrói a historiografia
da Maçonaria associando-a às Escolas de Mistérios em seus diversos livros (Cf.
Origens
do Misticismo na Maçonaria (1982); As Origens Históricas da Mística Maçônica
(2005); Rito Escocês Antigo e Aceito História Doutrina e Filosofia (2006), os quais
admite e defende outras práticas que não estão descritas em documentos antigos
maçônicos, a exemplo de outras ideias esotéricas.
De acordo com Nicola Aslan, no
Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia, gnósis
seria conhecimento e intuição, tipo esotérico das grandes verdades
religiosas. Esta definição em Aslan não resume o termo a simples conhecimento,
semanticamente. Na verdade, gnósis seria o significado para Logos,
termo utilizado no Evangelho de João, que em latim seria traduzido por verbum,
que seria o pronunciável para o que se refere a inteligência, espírito,
revelação divina, etc. Citando Paul Naudon, o Logos ou gnósis
simboliza o Fogo-Princípio manifestação da Causa Primeira, a emanação
incriada e causa iniciada e nosso Universo. Para os alquimistas,
principalmente no século XVII, a Gnose era a finalização da Pedra Filosofal, o
conhecimento perfeito, representado pela letra G ou gama grego, esta simbolizando
conhecimento supremo. Comentando o gnosticismo, Aslan destaca que as várias
seitas gnósticas condenavam todo materialismo. O mundo perfeito, ou pleroma, criado
pela emanação dos eons ou inteligências, deixou ao Demiurgo a inferioridade
do mundo material. Porém, não há qualquer relação da Maçonaria com o gnosticismo.
A Gnose, na Maçonaria, referenda apenas a espiritualidade revelada o Maçom como
qualidade superior ao materialismo (2012:535;694-695). Pela exegese do Grau de
Companheiro, a Pedra Cúbica resulta da Evolução pelo conhecimento
espiritualista, a quintessência que supera o materialismo dos quatro elementos,
estes superados pelo Neófito em sua fase recipiendiária, antes da sagração à
Aprendiz. Ao Sul, o Companheiro conhece a Estrela Flamejante, a do Fogo-Princípio
de Naudon e, por isso, uma das interpretações para o G seria Gnose. O
que tornara a Estrela em Flamejante, seria o Logos, ou Verbum, o que batiza com
fogo! Esta seria a interpretação a partir do Evangelho de João, padroeiro da
Coluna J, o profeta do Apocalipse e da regeneração pelo fogo.
Theobaldo Varoli Filho, autor
do Curso de Maçonaria simbólica, defende que o termo Gnose seja o
único adequado para o G do Pentagrama. A tese do autor é baseada na
tradição grega, a única Estrela Flamígera maçônica é a baseada nos
pitagóricos e a letra original desta cultura seria apenas gama de Gnósis,
que lembra a Quinta Essência, sem qualquer relação, ademais, com
o gnosticismo: No Pentagrama, ela (a letra G) quer dizer principalmente
GNOSE. Concordamos com Ragon e René Guénon (...). O G seria o
conhecimento espiritualista, denominado por Gnose, comum entre os pitagóricos,
que utilizavam o Pentagrama por dístico do ultimo grau iniciático da escola
itálica (1976:80-83).
A Quinta Essância é a transcendentalidade
experimentada pelo místico, apoiada pela Maçonaria ao adotar o G-Gnose. Citando
Lourenzo Frau Abrines, Aslan diz ser a Quinta Essência cabalisticamente o
espírito acima dos Quatro Elementos, o Éter incorruptível, o Quinto Elemento, a
Estrela Resplandecente (sic), dentre outros (2012:1130). Para Allec Mellor, a
Quintessência dá unidade ao quaternário e está no número 5, típico símbolo
de gnose numeral, principalmente no R.E.A.A.(1989:210).
Expandindo o tema, Luiz Fachin,
no Verdade e Virtude Tomo I, concebe ser a Gnose um fenômeno do conhecimento
espiritual, à moda dos gnósticos é intuitivo, mas que comumente é a
explicação das crenças por conhecimento esotérico perfeito das coisas
divinas, comunicado somente através de Tradição Iniciática. A Gnose
é conhecida pela sabedoria interna, pois suas verdades são reveladas às
luzes da Escritura e Tradição. No texto Sagrado, São João Batista batizava
com água, simbolizando a iniciação, purificação pela água dos planos inferiores
da matéria. Porém, o fogo, a verdadeira gnose, dará a Iluminação
Espiritual através da ação divina da supraconsciência (2015:284-285).
Para o autor, a Gnose é a Revelação da divindade simbolizada pelo elemento fogo.
CONCLUSÃO
A Gnose, uma das cinco emanações
da letra G, sagrada pela Maçonaria, revela doutrinariamente a espiritualidade maçônica
intrínseca ao status evolutivo iniciático maçônico. O uso do termo confere ao símbolo
da Estrela Flamejante substâncias que referenciam a numerologia do Grau de Companheiro
e fornece argumentos à qualidade ornamental ao símbolo, pela sua relação exegética
como o fogo, de acordo com autores abordados no estudo. O Conhecimento em
Maçonaria, correlacionado com virtudes superiores que concordam com seus Ritos
e o embasamento doutrinário de seus Altos Graus, retira qualquer ideia de agnosticismo,
o que é um vitupério não apenas a essência maçônica, mas ao trabalho daqueles
que a construíram e a zelaram diante de tantas dificuldades.
A Gnose está por bem
relacionada com o Grau de Companheiro, não apenas por estar exegeticamente ornada
à Estrela Flamejante, mas por sua doutrina do Conhecimento. A espiritualidade fará
o homem transcender e receber a iluminação extraterrena, esta característica
moraliza a Maçonaria em sua distinção, em termos doutrinários, a qualquer qualificação
de mero clube de serviço ou convenção social. A finalidade da Gnose, em termos
históricos e iniciáticos, sempre foi de retirar do homem a razão existencial e estabelecer
princípios que o tornem humilde diante dos mistérios, que não estão acessíveis
à temporalidade ou ao conjunto ideológico imposto por modismos humanos, pautados
pela cobiça. Além disso, a crença no extraordinário fundamentou grandes obras civilizatórias
e por vezes desafia a ciência humana.
Doutrinariamente, a Gnose, qualidade
do G que inquire Verdades Eternas, alude ao fogo regenerativo que ilumina e
simboliza a espiritualização do homem, ornando a Estrela Flamejante, que está
na Coluna do Sul, a Coluna contemplada pelo calor e luz solar. Dedicada à referência
da Coluna J, a do Evangelista João, profeta da redenção pelo Logos ou Verbum, Gnose,
de acordo com os exegetas que inspiraram sua utilização, a Coluna do Sul dará
alento aos Companheiros na finalização da Pedra Cúbica e na participação da
Grande Obra do Templo, evidenciados pelas Verdades Eternas que embasam a finalidade
dos Altos Graus. A Gnose é uma das mais influentes conceituações apropriadas
pela Maçonaria em sua construção evolutiva e ritualística, dando estrutura filosófica
e exegética ao arcabouço doutrinário espiritualista maçônico, especialmente aos
Ritos fieis às tradições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASLAN, Nicola. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria
e Simbologia. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica A TROLHA, 2012.
BOVE, Genaro. Gnose. In: PACOMIO, Luciano; MANCUSO, Vito.
Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto e
Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003.
CASTELLANI, José; RODRIGUES, Raimundo. Cartilha do
Companheiro. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica A TROLHA, 2004.
FACHIN, Luiz. Virtude e Verdade Graus simbólicos Tomo I. 2
ed. Porto Alegre: Editora Agir, 2015.
MELLOR, Alec. Dicionário da Franco-Maçonaria e dos
Franco-Maçons. Tradução: Sociedade das Ciências Antigas revisado por Marina
Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
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