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sábado, 25 de setembro de 2021

PROBLEMATIZAÇÕES À EXEGESE DOS SÍMBOLOS MAÇÔNICOS: ANÁLISE DO DICURSO DE THEOBALDO VAROLI FILHO

 

A Maçonaria é uma instituição cuja filosofia está baseada numa simbologia diversificada e sincrética. Além dos usuais símbolos de ofícios dos maçons operativos em tempos medievais, a Ordem, em sua evolução histórica e filosófica, não hesitou em incorporar símbolos oriundos de entidades místicas, como as Escolas de Mistérios de antigas Civilizações ou escolas de pensamento ocultistas do período Renascentista. Estas contribuições amadureceram a Maçonaria em seu caráter místico, a fazendo reformar-se por nova nomenclatura, ou Maçonaria Especulativa. Neste intento, a ritualística maçônica cumpre seu papel esotérico, cujas sessões reverenciam Verdades Superiores espiritualistas.


Com efeito, a Maçonaria possui noções doutrinárias de natureza que embasam religiosidade. Esta espiritualidade Maçônica é assimilada pelos Maçons não apenas pela ritualística ou textos, mas também por uma variedade de símbolos. Portanto, a adequada intepretação dos símbolos é necessária para que o pensamento seja adequadamente construído, facilitando a assimilação doutrinária. Com isso, a ambientação sensorial do Maçom durante a ritualística reforçará seu sentimento de pertença e compreensão.


A problemática que surge, entrementes, está na variedade de interpretações dada a simbologia, às vezes com o mesmo significado sendo atribuído a diferentes símbolos (vide o artigo A Câmara de Reflexão: Expedientes exegéticos, no blog). Esta dificuldade, além de depauperar a linguagem maçônica, causa conflitos discursivos, semióticos e epistemológicos. A legitimação do aparato discursivo em termos exegéticos tem se mostrado, não raramente, conflituosos entre os Maçons, cada qual defendendo sua posição de modo, muitas vezes, impositivo.


Para esta discussão, analisemos o pensamento de Theobaldo Varoli Filho, autor do livro Simbologia e Simbolismo da Maçonaria, inserido na problematização da interpretação dos símbolos maçônicos. Para isto, escolhemos o capítulo Como interpretar os símbolos e alegorias maçônicas. Neste, o autor apresenta seu posicionamento metodológico de interpretação dos símbolos Maçônicos.


Inicialmente, Varoli Filho utiliza o termo de licenciosidade para definir o modo de interpretação daqueles que, segundo ele, não entendem de Maçonaria e desconhecem a História, as Filosofias. Estes seriam autores, Maçons inclusive, que fazem interpretações esdrúxulas de símbolos que não seriam verdadeiras em suas conclusões. Com esta preocupação, Varoli Filho principia a metodologia analisando a palavra simbólico em sua etimologia, cujo prefixo grego sym faz alusão a conjunto, reunião, o que o faz concluir que todo símbolo representa geralmente reunião de ideias ou princípios quando não signifique uma só ideia ou expressão. Temos aqui um problema: o símbolo, assim sendo, pode ser interpretado como um coletivo de sentidos ou como singularidade de sentido, ou seja, o mesmo símbolo pode ser entendido de maneiras legitimamente diferentes ou de maneira legitima apenas por seu único escólio. A situação será esclarecida apenas pela sua aplicação original dada em sua época por seus progenitores. Porém, na ausência desta documentação, cabe aos exegetas legitimarem a versão verdadeira, ou aproximada, do sentido do simbólico original. Esta escolha de quem seria o legitimador, ou grupo, consiste na disputa entre os exegetas. Continuemos, o autor considera que o símbolo maçônico é sempre ideológico e não simplesmente ideográfico, universalizado, aceito pelas Civilizações e jamais particularizado, pois sua comunicação é dos âmbitos da Sublime Instituição, apesar de suas origens não serem tipicamente maçônicos. 


Resumidamente, o símbolo maçônico, arraigado de ideologia, possui uma idealização, a priori, universal, o que aponta que seja genericamente conhecido. Mas, sua comunicação, ou sentido, está subordinada à instituição (os âmbitos da Sublime Instituição), ou seja, seria uma propriedade intelectual- imagética maçônica. Deduzimos, pois, que para o autor, a simbólica maçônica possui um caráter interpretativo limitado pela instituição, descartando o que seria a reunião de ideias ou princípios, a favor de uma só ideia ou expressão.
Para Varoli Filho, todo símbolo maçônico requer intepretação coerente, lógica e inspiradora de lições morais, reforçando a ideia de que a intepretação universal profana complexa dá outros sentidos além do original. A culpa disso estaria nos autores Maçons, que influenciaram nos Rituais. Para evitar esta suposta deturpação, é proposto os critérios de sentido moral, razões históricas e Evolução do Pensamento e das verdades superadas ou daquilo que não é mais verdade. Dentre os critérios, o de Evolução de Pensamento infere que que a interpretação maçônica está fadada ao tempo, relativizando a verdade. Ora, o relativismo não aceita verdades e o pós-modernismo acomoda tudo à superficialidade do tempo e do consumo, interferindo, inclusive, nas leis do país. Pelo critério de interpretação por Evolução do Pensamento, os símbolos, e por decorrência a Ordem Maçônica, estaria sujeita à política do dia e desqualificaria a tradição e a sabedoria. Noutras palavras, a Maçonaria seria uma terra arrasada e de ninguém.


Discutindo a aplicação dos critérios, Varoli Filho debate o símbolo da letra G, contextualizada ao Grau de Companheiro. Para isso, faz uma exposição cronológica para defender que a letra G condiz somente com a o significado de Geometria. Segundo ele, esta é a ciência de origem egípcia considerada pelos filósofos gregos como base da moral e da Filosofia e que o Poema Regius esclarecia ser boa Boa Geometria a base do comportamento moral e profissional. No ano de 1730, de acordo com documentação da Loja Arte Quatro Coroados, a letra G é transcrita como sendo Geometria, a quinta das Sete Ciências ou Artes Liberais do Trivium et Quadrivium atribuídos ao filósofo e teólogo Boécio (480- 525). A devoção do Companheiro era à letra G, de Geometria. Porém, em 1766, no que o autor assaca à imaginação de Maçons, outro documento transcreve ser a letra G a Glória para Deus, Grandeza para o Venerável e Geometria para os irmãos. A versão de 1766, seria, pela lógica de Varoli Filho, por ser imaginação de Maçons, uma licenciosidade, pervertendo o sentido original de 1730 e o Poema Regius. O critério de razões históricas descartaria o de Evolução de Pensamento, pois o autor defende ser G = Geometria, sendo que a imaginação de Maçons mudara o sentido original. Atentemos, que o critério de Evolução de Pensamento não atende a um predisposto teórico do próprio autor, que seria o da comunicação do símbolo autorizada pela Sublime Instituição. Ora, os documentos utilizados por ele são canônicos em nome da instituição, senão não os teria trazido à baila. Curiosamente, mas por honestidade intelectual, Varoli Filho argumenta, a posteriori que por volta de 1730, a letra G representa o Grande Arquiteto do Universo e construtor de os mundos. Além de demonstrar uma certa incoerência argumentativa ao admitir que a letra G referenda a crença Deus antes de 1766, não sendo exatamente uma tardia imaginação de Maçons, o autor ainda nos brinda com uma exegese que justifica ser a letra G relacionada à Divindade do Criador. Para isso, apela para o sincretismo religioso greco-judaico, ou helenista, unindo a filosofia espiritualista platônica do Ser que ordenou o Caos por formas e números com a tradição bíblica do Gênesis ou Bêrezith. Sendo Deus, o Geômetra, uma ação ativa sobre a Geometria. Afinal, concretamente, temos documentos autoritativos da Sublime Instituição que corroboram ser o G, para a Maçonaria pós- 1717 ou 1723, ser relativo a Deus, pelos manuscritos de 1730 e 1766, assim como, numa segunda categorização, ser Geometria. Não há problemas nisso, o que ficou desarranjado foi a consideração de Varoli Filho em desqualificar a exegese de 1766 como sendo supostamente imaginação de Maçons.


Para não desabonar sua hermenêutica de Evolução de Pensamento, o autor não desiste e aplica sua tese das verdades superadas à letra G apelando para as Leis de Newton, desafiando dessa vez, as razões históricas. Apresentando uma inovação à compreensão do G, esta seria Gravitação. Nisso, o autor amplia sua influência hermenêutica e redefine a própria Maçonaria, a entendo por Síntese da sucessão das Verdades, acompanhando a Evolução. Na prática, com o intuito de defender talvez uma modernidade conceitual de Maçonaria, Varoli Filho a entrega ao mainstream sócio-temporal, a fazendo um caniço agitado pelo vento, desautorizando toda a tradição. Para atufar argumento e exercitar a imaginação, o G é relacionado a Química e a Física repuxando o conceito de Geometria, ao mesmo tempo que são feitas considerações pejorativas a outras exegeses que mencionam termos como Quinta Essência, taxadas por exemplo de ilações grotescas. Àqueles que discordam do molde da Evolução de Pensamento, ou seja, que não acatem a ideia do exclusivismo cientificista G= Gravitação, Varoli Filho emite um nada espirituoso que se danem! Porém, o autor admite que há outras verdades para a letra G, como Gessel ou Companheiro em alemão ou God, ou iod, que é Deus. Lamentavelmente, o autor não cita nenhuma documentação, a favor de razões históricas para corroborar o G de Gravitação, o que dá a entender que a hermenêutica que envolve razões históricas e Evolução de Pensamento é paradoxal, pois a Evolução de Pensamento não está inserida no contexto histórico-documental que respeite a Sublime Instituição, demonstrando uma constante ameaça a estabilidade institucional maçônica por minorar a tradição e dar oportunidade a autores fazer uma ampla seletividade do que é aceito como imaginação válida, ou não.


Além dos três princípios hermenêuticos que ajudam na exegese dos símbolos, o autor alega que a inspiração iniciática é o que importa. Esta opinião credibiliza qualquer falta de lógica e reforça a seletividade arbitrária no reconhecimento de exegeses dos símbolos, àquele que não agradar ao outro deve ser convidado e se danar! Talvez esta seja, por outro lado, uma senha para justificar o recheio dado à Estrela Flamígera, surgida na Maçonaria em 1737, derivada de Cornélio Agrippa (1486-1535), ocultista alemão, cuja a letra G seria Geometria e o formato da Estrela o homem dotado de alma e dos cinco sentidos. No entanto, a letra G por intepretações posteriores recebeu as atribuições de Geração, Gênio, Gnose, Geometria e Gravitação. Independente das razões morais, históricas e Evolução de Pensamento, a inspiração maçônica permitiu estas inserções. Por pura convenção, não houve justificativa histórica ou cientificista para Geração, Gênio e Gnose, com o autor, inclusive, se dispondo a fazer conceituações de cada inserção. O G=Grande Arquiteto do Universo foi conformado ao Oriente. A disposição das interpretações, independente a isso, é convincente, pois o G contextualizado ao espaço Ocidental e acoplado à Estrela Flamígera está relacionado à ideia que explica qualidades humanas sob a égide do número Cinco, contextualizado ao Oriente, porém, o G está relacionado a Deus, regido pelo ternário do Triângulo ou Delta Sagrado.


AMPLIANDO UM POUCO MAIS AS CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO


As interpretações dos símbolos maçônicos são discutidas entre os exegetas através de abstrações pessoais. A exata compreensão dos significados fica comprometida pois os inventores dos símbolos ou seus partidários não produziram um manual explicativo exegético, pelo menos em sua grande maioria. Deste modo, os que se credenciam para comentar os símbolos o fazem sob o pretexto conceitual da Maçonaria Especulativa, ou do propalado adogmatismo. A intepretação dos símbolos deve seguir sempre o bom senso e deve conter uma cobertura cultural lógica e aparato hermenêutico, o que preocupa é que muitas intepretações, na intenção de simplificar, redunda em bonacheirão, afetando o Ritual, depauperando o Rito. O enxugacionismo de quem sofre com o complexo de balela prejudica mais que ajuda.


Discutindo o conceito de exegese, Della Vecchia, no Dicionário Teológico Enciclopédico, temos que significa um procedimento de intepretação (...)regida por princípios e critérios que regulam e orientam essa atividade; tais princípios de exegese e interpretação são chamados tradicionalmente de hermenêutica. Somado a isso, o autor ressalta que métodos e técnicas interpretativas são baseados pelo horizonte cultural daquele que faz o trabalho (2003:277). Della Vecchia aplica sua conceituação a textos bíblicos, mas esta também é aplicável perfeitamente ao simbolismo maçônico. Por exemplo, ao fazer se comentários sobre os conceitos de alma e espírito aplicados aos símbolos, não é de bom alvitre ter pensamentos rasos sobre estes assuntos, pois compromete uma busca verdadeira do signo e de sua substância.


A grosso modo, exegese é a intepretação do símbolo em sua logicidade, com a hermenêutica sendo a técnica utilizada para justificar e explicar a própria exegese. Por exemplo, a intepretação para a letra G em Maçonaria depende de certa técnica que justifique a teoria de sua utilização. À princípio, o Ocidente é um espaço ínfero ao Oriente, no R.E.A.A. Por isso, toda reverência ao estar espacialmente localizado ao Oriente em Loja. Por este critério, o G que possui lugar nos dois espaços, está atribuído diferentemente. No Oriente, está pensado de modo a estar relacionado a Deus; no Ocidente, ao homem. Concluindo, G contextualizado ao Oriente é Grande Arquiteto do Universo, que é Deus; e no Ocidente, é a síntese da perfeição das ciências cooptadas pelo Companheiro, representadas pelos Cinco gês: Geometria, Geração, Gravidade, Gênio, Gnose (desta forma elencados pelo Ritual de Companheiro do R.E.A.A. do G.O.B., 2009:107).


Analisando o dar-se a conhecer em Maçonaria, Raimundo Rodrigues, em Maçonaria, Filosofia e Doutrina destaca que a instrução conscientiza o Maçom em Loja e garante sua permanência. Para isso, além de apresentar dados estatísticos de antes e depois do incentivo e investimento em instrução, o Maçom deve ter o conhecimento avaliado por dois níveis: o de 1 º grau, da intuição; e o de 2º grau, que é a versão estatutária dos autores maçons. De acordo com o autor, isso estimula o Maçom neófito a racionalizar e se inteirar daquilo que é praticado e crido, estando consciente e com sentimento de pertencimento (2000:87). Exegeses, porém, sem profundidade mística e espiritualista, banalizam a ritualística  e esvaziam o sentido de reverência, fazendo da Ordem Maçônica uma mera convenção social ou simplório clube de serviço.  

À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

REFERÊNCIAS

DELLA VECCHIA, V. Exegese. In: PACOMIO, Luciano; MANCUSO, Vito. Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto e Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003.

RODRIGUES, Raimundo. Maçonaria, Filosofia e Doutrina. São Paulo: Editora GLESP, 2000.

VAROLI FILHO, Theobaldo. Simbologia e Simbolismo da Maçonaria. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2000.



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