A Maçonaria é uma instituição cuja filosofia está baseada numa simbologia diversificada e sincrética. Além dos usuais símbolos de ofícios dos maçons operativos em tempos medievais, a Ordem, em sua evolução histórica e filosófica, não hesitou em incorporar símbolos oriundos de entidades místicas, como as Escolas de Mistérios de antigas Civilizações ou escolas de pensamento ocultistas do período Renascentista. Estas contribuições amadureceram a Maçonaria em seu caráter místico, a fazendo reformar-se por nova nomenclatura, ou Maçonaria Especulativa. Neste intento, a ritualística maçônica cumpre seu papel esotérico, cujas sessões reverenciam Verdades Superiores espiritualistas.
Com efeito, a Maçonaria possui
noções doutrinárias de natureza que embasam religiosidade. Esta espiritualidade
Maçônica é assimilada pelos Maçons não apenas pela ritualística ou textos, mas
também por uma variedade de símbolos. Portanto, a adequada intepretação dos
símbolos é necessária para que o pensamento seja adequadamente construído,
facilitando a assimilação doutrinária. Com isso, a ambientação sensorial do
Maçom durante a ritualística reforçará seu sentimento de pertença e compreensão.
A problemática que surge,
entrementes, está na variedade de interpretações dada a simbologia, às vezes
com o mesmo significado sendo atribuído a diferentes símbolos (vide o artigo A
Câmara de Reflexão: Expedientes exegéticos, no blog). Esta dificuldade,
além de depauperar a linguagem maçônica, causa conflitos discursivos,
semióticos e epistemológicos. A legitimação do aparato discursivo em termos
exegéticos tem se mostrado, não raramente, conflituosos entre os Maçons, cada
qual defendendo sua posição de modo, muitas vezes, impositivo.
Para esta discussão, analisemos o
pensamento de Theobaldo Varoli Filho, autor do livro Simbologia e Simbolismo
da Maçonaria, inserido na problematização da interpretação dos símbolos maçônicos.
Para isto, escolhemos o capítulo Como interpretar os símbolos e alegorias
maçônicas. Neste, o autor apresenta seu posicionamento metodológico de
interpretação dos símbolos Maçônicos.
Inicialmente, Varoli Filho
utiliza o termo de licenciosidade para definir o modo de interpretação
daqueles que, segundo ele, não entendem de Maçonaria e desconhecem a
História, as Filosofias. Estes seriam autores, Maçons inclusive, que fazem
interpretações esdrúxulas de símbolos que não seriam verdadeiras em suas
conclusões. Com esta preocupação, Varoli Filho principia a metodologia analisando
a palavra simbólico em sua etimologia, cujo prefixo grego sym faz
alusão a conjunto, reunião, o que o faz concluir que todo símbolo
representa geralmente reunião de ideias ou princípios quando não signifique
uma só ideia ou expressão. Temos aqui um problema: o símbolo, assim sendo,
pode ser interpretado como um coletivo de sentidos ou como singularidade de
sentido, ou seja, o mesmo símbolo pode ser entendido de maneiras legitimamente
diferentes ou de maneira legitima apenas por seu único escólio. A situação será
esclarecida apenas pela sua aplicação original dada em sua época por seus
progenitores. Porém, na ausência desta documentação, cabe aos exegetas
legitimarem a versão verdadeira, ou aproximada, do sentido do simbólico
original. Esta escolha de quem seria o legitimador, ou grupo, consiste na
disputa entre os exegetas. Continuemos, o autor considera que o símbolo
maçônico é sempre ideológico e não simplesmente ideográfico,
universalizado, aceito pelas Civilizações e jamais particularizado, pois sua
comunicação é dos âmbitos da Sublime Instituição, apesar de suas origens
não serem tipicamente maçônicos.
Resumidamente, o símbolo
maçônico, arraigado de ideologia, possui uma idealização, a priori, universal,
o que aponta que seja genericamente conhecido. Mas, sua comunicação, ou
sentido, está subordinada à instituição (os âmbitos da Sublime Instituição),
ou seja, seria uma propriedade intelectual- imagética maçônica. Deduzimos,
pois, que para o autor, a simbólica maçônica possui um caráter interpretativo
limitado pela instituição, descartando o que seria a reunião de ideias ou
princípios, a favor de uma só ideia ou expressão.
Para Varoli Filho, todo
símbolo maçônico requer intepretação coerente, lógica e inspiradora de lições
morais, reforçando a ideia de que a intepretação universal profana
complexa dá outros sentidos além do original. A culpa disso estaria nos
autores Maçons, que influenciaram nos Rituais. Para evitar esta suposta
deturpação, é proposto os critérios de sentido moral, razões
históricas e Evolução do Pensamento e das verdades superadas ou daquilo
que não é mais verdade. Dentre os critérios, o de Evolução de Pensamento
infere que que a interpretação maçônica está fadada ao tempo, relativizando a
verdade. Ora, o relativismo não aceita verdades e o pós-modernismo acomoda tudo
à superficialidade do tempo e do consumo, interferindo, inclusive, nas leis do
país. Pelo critério de interpretação por Evolução do Pensamento, os
símbolos, e por decorrência a Ordem Maçônica, estaria sujeita à política do dia
e desqualificaria a tradição e a sabedoria. Noutras palavras, a Maçonaria seria
uma terra arrasada e de ninguém.
Discutindo a aplicação dos
critérios, Varoli Filho debate o símbolo da letra G, contextualizada ao
Grau de Companheiro. Para isso, faz uma exposição cronológica para defender que
a letra G condiz somente com a o significado de Geometria. Segundo ele,
esta é a ciência de origem egípcia considerada pelos filósofos gregos como base
da moral e da Filosofia e que o Poema Regius esclarecia ser boa Boa
Geometria a base do comportamento moral e profissional. No ano de 1730, de
acordo com documentação da Loja Arte Quatro Coroados, a letra G é
transcrita como sendo Geometria, a quinta das Sete Ciências ou Artes Liberais
do Trivium et Quadrivium atribuídos ao filósofo e teólogo Boécio (480-
525). A devoção do Companheiro era à letra G, de Geometria.
Porém, em 1766, no que o autor assaca à imaginação de Maçons, outro
documento transcreve ser a letra G a Glória para Deus, Grandeza para
o Venerável e Geometria para os irmãos. A versão de 1766, seria, pela lógica
de Varoli Filho, por ser imaginação de Maçons, uma licenciosidade,
pervertendo o sentido original de 1730 e o Poema Regius. O critério de razões
históricas descartaria o de Evolução de Pensamento, pois o autor
defende ser G = Geometria, sendo que a imaginação de Maçons
mudara o sentido original. Atentemos, que o critério de Evolução de
Pensamento não atende a um predisposto teórico do próprio autor, que seria
o da comunicação do símbolo autorizada pela Sublime Instituição.
Ora, os documentos utilizados por ele são canônicos em nome da instituição,
senão não os teria trazido à baila. Curiosamente, mas por honestidade
intelectual, Varoli Filho argumenta, a posteriori que por volta de
1730, a letra G representa o Grande Arquiteto do Universo e
construtor de os mundos. Além de demonstrar uma certa incoerência argumentativa
ao admitir que a letra G referenda a crença Deus antes de 1766, não
sendo exatamente uma tardia imaginação de Maçons, o autor ainda nos
brinda com uma exegese que justifica ser a letra G relacionada à
Divindade do Criador. Para isso, apela para o sincretismo religioso
greco-judaico, ou helenista, unindo a filosofia espiritualista platônica do Ser
que ordenou o Caos por formas e números com a tradição bíblica do
Gênesis ou Bêrezith. Sendo Deus, o Geômetra, uma ação ativa sobre a Geometria.
Afinal, concretamente, temos documentos autoritativos da Sublime Instituição
que corroboram ser o G, para a Maçonaria pós- 1717 ou 1723, ser relativo
a Deus, pelos manuscritos de 1730 e 1766, assim como, numa segunda
categorização, ser Geometria. Não há problemas nisso, o que ficou desarranjado
foi a consideração de Varoli Filho em desqualificar a exegese de 1766 como
sendo supostamente imaginação de Maçons.
Para não desabonar sua
hermenêutica de Evolução de Pensamento, o autor não desiste e aplica sua
tese das verdades superadas à letra G apelando para as Leis de
Newton, desafiando dessa vez, as razões históricas. Apresentando uma
inovação à compreensão do G, esta seria Gravitação. Nisso, o autor
amplia sua influência hermenêutica e redefine a própria Maçonaria, a entendo
por Síntese da sucessão das Verdades, acompanhando a Evolução. Na
prática, com o intuito de defender talvez uma modernidade conceitual de
Maçonaria, Varoli Filho a entrega ao mainstream sócio-temporal, a
fazendo um caniço agitado pelo vento, desautorizando toda a tradição. Para
atufar argumento e exercitar a imaginação, o G é relacionado a Química e
a Física repuxando o conceito de Geometria, ao mesmo tempo que são feitas
considerações pejorativas a outras exegeses que mencionam termos como Quinta
Essência, taxadas por exemplo de ilações grotescas. Àqueles que
discordam do molde da Evolução de Pensamento, ou seja, que não acatem a
ideia do exclusivismo cientificista G= Gravitação, Varoli Filho emite um
nada espirituoso que se danem! Porém, o autor admite que há outras
verdades para a letra G, como Gessel ou Companheiro em alemão
ou God, ou iod, que é Deus. Lamentavelmente, o autor não cita nenhuma
documentação, a favor de razões históricas para corroborar o G de
Gravitação, o que dá a entender que a hermenêutica que envolve razões
históricas e Evolução de Pensamento é paradoxal, pois a Evolução
de Pensamento não está inserida no contexto histórico-documental que respeite
a Sublime Instituição, demonstrando uma constante ameaça a estabilidade
institucional maçônica por minorar a tradição e dar oportunidade a autores
fazer uma ampla seletividade do que é aceito como imaginação válida, ou
não.
Além dos três princípios hermenêuticos
que ajudam na exegese dos símbolos, o autor alega que a inspiração
iniciática é o que importa. Esta opinião credibiliza qualquer falta de
lógica e reforça a seletividade arbitrária no reconhecimento de exegeses dos
símbolos, àquele que não agradar ao outro deve ser convidado e se danar!
Talvez esta seja, por outro lado, uma senha para justificar o recheio dado à
Estrela Flamígera, surgida na Maçonaria em 1737, derivada de Cornélio
Agrippa (1486-1535), ocultista alemão, cuja a letra G seria Geometria e
o formato da Estrela o homem dotado de alma e dos cinco sentidos. No
entanto, a letra G por intepretações posteriores recebeu as
atribuições de Geração, Gênio, Gnose, Geometria e Gravitação. Independente das razões
morais, históricas e Evolução de Pensamento, a inspiração maçônica
permitiu estas inserções. Por pura convenção, não houve justificativa histórica
ou cientificista para Geração, Gênio e Gnose, com o autor, inclusive, se
dispondo a fazer conceituações de cada inserção. O G=Grande Arquiteto do
Universo foi conformado ao Oriente. A disposição das interpretações, independente
a isso, é convincente, pois o G contextualizado ao espaço Ocidental e acoplado
à Estrela Flamígera está relacionado à ideia que explica qualidades humanas
sob a égide do número Cinco, contextualizado ao Oriente, porém, o G está
relacionado a Deus, regido pelo ternário do Triângulo ou Delta Sagrado.
AMPLIANDO UM POUCO MAIS AS CONSIDERAÇÕES
À GUISA DE CONCLUSÃO
As interpretações dos símbolos maçônicos
são discutidas entre os exegetas através de abstrações pessoais. A exata
compreensão dos significados fica comprometida pois os inventores dos símbolos ou
seus partidários não produziram um manual explicativo exegético, pelo menos em
sua grande maioria. Deste modo, os que se credenciam para comentar os símbolos
o fazem sob o pretexto conceitual da Maçonaria Especulativa, ou do propalado
adogmatismo. A intepretação dos símbolos deve seguir sempre o bom senso e deve
conter uma cobertura cultural lógica e aparato hermenêutico, o que preocupa é
que muitas intepretações, na intenção de simplificar, redunda em bonacheirão, afetando
o Ritual, depauperando o Rito. O enxugacionismo de quem sofre com o complexo
de balela prejudica mais que ajuda.
Discutindo o conceito de exegese,
Della Vecchia, no Dicionário Teológico Enciclopédico, temos que
significa um procedimento de intepretação (...)regida por princípios e
critérios que regulam e orientam essa atividade; tais princípios de exegese e interpretação
são chamados tradicionalmente de hermenêutica. Somado a isso, o autor
ressalta que métodos e técnicas interpretativas são baseados pelo
horizonte cultural daquele que faz o trabalho (2003:277). Della Vecchia aplica
sua conceituação a textos bíblicos, mas esta também é aplicável perfeitamente
ao simbolismo maçônico. Por exemplo, ao fazer se comentários sobre os conceitos
de alma e espírito aplicados aos símbolos, não é de bom alvitre ter pensamentos
rasos sobre estes assuntos, pois compromete uma busca verdadeira do signo e de
sua substância.
A grosso modo, exegese é a
intepretação do símbolo em sua logicidade, com a hermenêutica sendo a técnica utilizada
para justificar e explicar a própria exegese. Por exemplo, a intepretação para
a letra G em Maçonaria depende de certa técnica que justifique a teoria
de sua utilização. À princípio, o Ocidente é um espaço ínfero ao Oriente, no R.E.A.A.
Por isso, toda reverência ao estar espacialmente localizado ao Oriente em Loja.
Por este critério, o G que possui lugar nos dois espaços, está atribuído
diferentemente. No Oriente, está pensado de modo a estar relacionado a Deus; no
Ocidente, ao homem. Concluindo, G contextualizado ao Oriente é Grande
Arquiteto do Universo, que é Deus; e no Ocidente, é a síntese da perfeição das ciências
cooptadas pelo Companheiro, representadas pelos Cinco gês: Geometria, Geração,
Gravidade, Gênio, Gnose (desta forma elencados pelo Ritual de Companheiro do
R.E.A.A. do G.O.B., 2009:107).
Analisando o dar-se a conhecer
em Maçonaria, Raimundo Rodrigues, em Maçonaria, Filosofia e Doutrina destaca
que a instrução conscientiza o Maçom em Loja e garante sua permanência. Para
isso, além de apresentar dados estatísticos de antes e depois do incentivo e investimento
em instrução, o Maçom deve ter o conhecimento avaliado por dois níveis: o de 1
º grau, da intuição; e o de 2º grau, que é a versão estatutária dos autores maçons.
De acordo com o autor, isso estimula o Maçom neófito a racionalizar e se
inteirar daquilo que é praticado e crido, estando consciente e com sentimento
de pertencimento (2000:87). Exegeses, porém, sem profundidade mística e espiritualista,
banalizam a ritualística e esvaziam o
sentido de reverência, fazendo da Ordem Maçônica uma mera convenção social ou
simplório clube de serviço.
DELLA VECCHIA, V. Exegese. In: PACOMIO, Luciano; MANCUSO, Vito.
Léxicon Dicionário Teológico Enciclopédico. Tradução de João Paixão Netto e
Alda da Anunciação Machado. São Paulo: Loyola, 2003.
RODRIGUES, Raimundo. Maçonaria, Filosofia e Doutrina. São Paulo:
Editora GLESP, 2000.
VAROLI FILHO, Theobaldo. Simbologia e Simbolismo da Maçonaria.
Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2000.
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