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sábado, 4 de setembro de 2021

ANÁLISE DA OBRA MORAL E DOGMA, ALBERT PIKE (1871): GRAU COMPANHEIRO PARTE V


                                        O ESOTERISMO NO GRAU DO COMPANHEIRO

A Sabedoria não será entendida, muito menos compreendida, pelos rasos e os vulgares que estão associados à futilidade das baboseiras. O povo não se deixa pelos sábios nem os suportam e seu domínio consiste em estar fadados ao senso comum. Despreparados que não seriam sequer advogados sem reputação são transformados em Legisladores nacionais, fazendo do país servil à insensatez. Artífices como Salomão transformam a matéria disforme em mão de obra gloriosa, retirando toda rasura com o uso da espada necessária para purificar a atmosfera. O momento ideal da alta política será a concordância do Poder com Sabedoria.

Esta luta entre bem e mal, justo e injusto, Profano e Maçom, está discernido da Dúada, símbolo do Antagonismo dos seres, Caim e Abel, Ormuz e Arimã, Jachin e Boaz. A Tríada, está simbolizando a Trindade da Divindade, o poder generativo, capacidade produtiva e resultado, sendo o homem formado cabalisticamente de vitalidade, alma ou mente, e espírito. Alquimicamente, seria sal, enxofre e mercúrio ou corpo, alma e espírito. O Quatro , simbolizando o Jardim do Eden que estava formado por um rio de quatro correntes, Pisom da terra do ouro, Giom da Etiópia ou trevas, Hiddekel da Assíria e Eufrates. São João visionou quatro seres, Leão, Boi, Homem e Águia e quatro bestas emergiram do mar na profecia de Daniel.

O Cinco é a Deúda adicionada à Tríada. Está associada ao Pentalfa de Pitágoras e é a Estrela Flamejante, a de cinco pontas. No Evangelho é símbolo de abundância e aparece conectada ao número sete: Cristo alimentou a população com Cinco pães e Dois peixes, e dos restos sobejaram Doze, ou seja, Cinco mais Sete (Mt 14. 17-20). O Sete, particularmente sagrado, é muito comum no Livro profético, com o Apóstolo São João escrevendo sete epístolas para sete igrejas. A tradição veterotestamentária utiliza o número sete referenciando cerimônias e manifestações espiritualistas. O Dez por juntar Sete com Três é considerado o número da perfeição.  Pitágoras o representou com o Tetractys, que alinha diversos significados místicos.

ANÁLISE CONCEITUAL DA PARTE V DO ESTUDO DO GRAU DE COMPANHEIRO DE ACORDO COM O MORAL E DOGMA DE ALBERT PIKE.

O Companheiro Maçom reconhecido pela sua Sabedoria demonstra sua capacidade ante os Profanos por não estar dependente do senso comum, nisto consiste sua liberdade. O tema Liberdade é corriqueiro em todo o capítulo, sendo a principal preocupação de Pike. A referência com a Espada está correlacionada a uma exegese que a interpreta como sendo a Palavra, Sabedoria e Palavra estão relacionadas de maneira esotérica pois, talvez, o autor não quisesse confundir a terminologia Palavra, Revelação Divina, com a opinião humana que seria também Palavra. Desse modo, a terminologia Espada, como sendo palavra dita com Sabedoria e não exatamente Revelação Divina, é a preferida neste contexto de aplicação política.

O Maçom é um sábio, tendo como referência Salomão e todo o arcabouço doutrinal a este símbolo associado, incluindo a Construção do Templo, a qual o Companheiro é artífice da Pedra ideal a ser utilizada. A transformação em Pedra Cúbica está baseada na experiência do Maçom, antes Aprendiz. A dialética religiosa e moral da Maçonaria apresenta a separação entre o mal e o bem, serviço que a Ordem se propõe não apenas com discursos, mas com doutrina e didática. Para que isso seja praticado, há de se sistematizar uma ideia de o que é o bem e o que o mal. Para Pike, em seu texto ora analisado, estas noções são referendadas a partir de conceituações extraídas de Civilizações Antigas, sendo a Bíblia e a tradição judaico-cristã uma espécie de corroboração. Nisto, a coerência com o R.E.A.A. é patente. A Pedra Bruta é a formação típica do homem, raso, vulgar e servil a indolências. O Maçom, por sua preparação, molda esta Pedra avalizado pela tradição Bíblia, cujo arquétipo salomônico sintetiza sua atuação no mundo por sua sabedoria. O Companheiro Maçom, experiente e Pedra Cúbica, seguindo a hermenêutica dos outros textos deste estudo, assume sua nova posição que é o de inspirado pela Espada, a Palavra de Sabedoria.

Para finalizar seu comentário sobre o Grau do Companheiro, Pike apresenta o esoterismo dos números, todos sancionados pela Bíblia. A mudança de Colunas do Norte para a Sul é explicado pela doutrina da distinção entre o mal e o bem, ou seja, não há relativismo moral para esta disciplina. Esta diferença entre duas partes está simbolizada na Dúada, inclusive com a citação textual do autor se referindo à dialética entre Boaz e Jachin, ou seja, Coluna do Norte e do Sul. Não que a do Norte seja similar ao mal, mas ela representa uma alusão ao estágio trevoso que deve e teve que ser superado pelo Maçom. Outra referência de dualidade está na oposição entre Ormuz e Arimã, estas sim especificações tradicionais mesopotâmicas, de que o bem e o mal existem distintamente. Na sequência, há o comentário da Tríada sendo identificada com a Divindade. O número Três aqui é aplicado como sendo doutrina para a ideia de Corpo, Alma e Espírito, de forte influência cabalística. Para o esoterismo judaico, Alma ou nefesh e Espírito ou Rúah são terminologias diferentes um pouco interrelacionadas. Em suma, Alma é a espiritualidade do homem, ou melhor sua capacidade transcendental, e o Espírito é a presença divina correspondente à busca do homem pela transcendência. Não há nenhuma exegese conhecida bíblica ou de tradição judaica que explique que Alma se transforma em Espírito, muito menos que isso seja corroborado em qualquer exegese maçônica séria, pois isso desqualifica a ideia de Evolução e Exaltação inerente aos Graus Simbólicos. O Maçom é, pelo R.E.A.A. e sua doutrina, transformado pela mudança de posições, do Ocidente para o Oriente, sendo mantidas as especificações para Aprendiz, Companheiro e Mestre, jamais a Coluna do Norte se transforma em Coluna do Sul, nem esta se transforma em Oriente, nem muito menos o Ocidente se transforma em Oriente. Por isso, Alma jamais se transforma em Espírito. A tradição Católica e a Reformada, outrossim, entendem que Alma e Espirito sejam a mesma coisa em se tratando do homem, mas nem nisso se aceita que haja uma transformação de Alma para Espírito. Curiosamente, o Apóstolo Paulo faz esta distinção em sua carta aos Tessalonicenses: E o mesmo Deus de paz vos santifique completamente; e oro a Deus que todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam preservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo (1Ts 5.23). Vale salientar que, na tradição cristã, o conceito de Espírito Santo, uma das partes da Tríada Divina, é uma Pessoa e se faz presente no homem, seja no Batismo, seja na conversão. Aprofundarmos neste assunto fugirá ao escopo da análise, mas alguns pontos são necessários para entendermos a hermenêutica do Templo. Por exemplo, alguns autores maçônicos interpretam os Três Degraus exatamente como sendo Corpo, Alma e Espírito, revelando esotericamente a natureza iniciática da Ordem. Além de Pike, temos, em antiguidade, Jules Boucher (1902-1955), que escreveu A Maçonaria Simbólica (1948), entendendo que os Três Degraus são alusivos ao esforço do Maçom em ascender a posições superiores (2015:163). Na atualidade, autores brasileiros como Luiz Fachin, da coleção Virtude e Verdade, entende que os Três Degraus simbolizam os planos físico, astral e psíquico, ou seja corpo, alma e espírito (2015:255). Posição semelhante é a de Paulo Hernandes, do livro Formação de Aprendizes do R.E.A.A., pois interpreta que os Três Degraus sejam corpo, alma e espírito (2017:120). Esta discussão é salutar pois estas interpretações são influentes na confecção dos rituais esporadicamente, se tornando um mecanismo de obediência.

O Número Quatro, em Pike, é um símbolo de iniciação e de conclusão. Sua exegese parte do Jardim do Éden e finaliza com o Apocalipse de João, inclusive com os seres viventes Leão, Boi, Homem e Águia. Talvez o símbolo da Águia seja uma referência ao seu uso nos Altos Graus e na heráldica do Supremo Conselho. Quiçá, Pike falhara em não fazer uma alusão entre o número Quatro e os Elementos Herméticos da Iniciação, característica do R.E.A.A., aludindo apenas às águas do Éden no que se refere a iniciação, depois fala de profecias de Daniel e São João Apóstolo.

O Cinco é interpretado como sendo a união entre o Três e o Dois, importante salientar que Pike não declara ser o Dois ou o Cinco o número do Companheiro. Afinal, a inconveniência da Dúada é interferida pela Tríada, como sendo uma superposição desta sobre aquela. O Cinco, portanto, é símbolo da transformação a favor da Verdade e da bonança. Por isso, a multiplicação dos pães é o mesmo que a Abundância, conceito trabalhado tradicionalmente no Grau. A Estrela Flamejante, sinal do Companheiro, é referenciada como sendo a Estrela pentalfa pitagórica, sem qualquer aprofundamento, no entanto.

O Sete não possui relação de concordância para sua formação, ou seja, não é apresentado como sendo, por exemplo, união de Quatro com Três, ou Cinco com Dois, pois está interpretado de modo individualizado. Seu conceito é de número sagrado, para Pike a estruturação profética dos autores bíblicos está baseada pelo Sete, associando com a interação de Deus com o Homem na Revelação. De acordo com Castellani, no Rito Escocês Antigo e Aceito, o Sete é o número místico do Mestre, simboliza a perfeição alcançada na evolução espiritual (2006:154). Aliás, para Castellani, o Três e o Sete são números igualmente perfeitos e sua exegese é igual à de Pike, pois para interpretar o Dez faz-se o mesmo artifício de associar dois números, coisa que não foi feita também para o Sete, que foi unir o Três e o Sete. A diferença entre os autores está na ideia de perfeição entre os números. Na exegese de Pike, perfeito é apenas o Dez, união entre os números sagrados do Sete e Três, mas para Castellani os dois números são perfeitos e simbolizam o G.A.D.U. Não há uma diferença cabal entre perfeito e sagrado na ideia de Pike, implicitamente o Dez também representa Deus, mas o método utilizado é um pouco mais complexo do que o utilizado convencionalmente. O Dez é representado pelo Tetractys pitagoriano formado pela soma piramidal de várias letras Yod, o que definitivamente não é usual.

O comentário de Pike para o Grau de Companheiro não é um instrucional e sua didática e comprometimento deixam a desejar. Possivelmente, não era esse seu foco. A instrução do Moral e Dogma é dedicada aos Altos Graus do R.E.A.A. sendo a parte de Graus Simbólicos um pouco negligenciada para evitar polêmicas ou apenas por enfado do autor. A compreensão do capítulo exige um pouco de entendimento e pesquisa sobre a doutrina do Grau, não sendo indicada para o Companheiro recém graduado, devido sua complexidade. Porém, para o Maçom instrumentalizado a mensagem se torna um pouco mais profunda e com esoterismo aplicado à atuação político-social. A serventia do texto está quase que totalmente na leitura de entrelinhas, onde estão soltas as pontas que formam a doutrina do Companheiro naquela época nos Estados Unidos, que tinham autoridade suficiente para definir os contornos do Rito Escocês. Por fim, não encontramos um autor ateu, nem dado ao paganismo, nem satanista, nem mesmo anticristão. Pike, ao lado de outros, são referencias para o que compreende por filosofia maçônica.

À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

REFERÊNCIAS

BOUCHER, Jules. A Maçônica Simbólica ou a Arte Real reeditada e corrigida de acordo com as regras da Simbólica Esotérica e Tradicional. Tradução de Frederico Ozanan Pessoa de Barros. 2 ed. São Paulo: Pensamento, 2015

CASTELLANI, José. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História Doutrina Prática. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2006.

FACHIN, Luiz. Virtude e Verdade Graus simbólicos Tomo I. 2 ed. Porto Alegre: Editora Agir, 2015.

HERNANDES, Paulo Antonio Outeiro. Curso de Formação de Aprendizes do R.E.A.A. 2 ed. Londrina:Editora Maçônica “A TROLHA”, 2017.

PIKE, Albert. Moral e Dogma do Rito Escocês Antigo e Aceito. Tradução de Celes Januário Garcia Júnior e Glauco Bonfim Rodrigues. Birigui: YOD, 2011.

 

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