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sábado, 3 de julho de 2021

ORDEM ROSA CRUZ UNIVERSITÁRIA E A ORDEM ROSA CRUZ INTERIOR OU UNIVERSAL -SÉCULO XX

 

O rosacrucianismo, iniciado na Alemanha pós Reforma protestante, afirmado pelos Manifestos do século XVII, possuía uma mensagem de cristianismo alternativo, sintetizando a tradição esotérica alemã na denominada Tradição Primordial antes dividia em alquimia, cabala e astrologia, pelo menos, sendo que quando este pensamento é exportado para a Inglaterra, a alquimia, ou seja, a produção de ouro e remédios, o esoterismo de laboratório desafiará o cristianismo bíblico. Na Inglaterra, especialmente, o rosacrucianismo será difundido por Robert Fludd (1574-1637), herdeiro e referência em assuntos alquímicos, e por Michael Maier (1568-1622), alemão, tutelado pela dinastia Stuart, os grandes defensores do esoterismo ocidental. Na França, o rosacrucianismo aparece em 1623 com os Cartazes de Paris, mas de maneira tímida e misteriosa, sem definição conceitual e com um apelo de fazer adeptos a favor de um Colégio Invisível. Não houve uma classe ou apoio aristocrático francês para a difusão do pensamento rosacruciano, setores da Igreja e acadêmicos não aceitaram aquilo que entendiam como sendo charlatanismo. Aliás, os ataques eram desferidos exatamente contra Fludd e Maier. O rosacrucianismo, porém, como sendo uma Ordem ou Fraternidade, não foi assumida por nenhum de seus principais nomes, além de Fludd e Maier, Valetim Andrea, autor confesso do Terceiro Manifesto, de 1616, e provável mentor do Movimento criado pelo Círculo de Tubingen em 1614, decide por renegar o rosacrucianismo definitivamente, pelo menos, em 1619, com o seu Turris Babel. Para os que escolheriam o cristianismo, como foi o caso de Fludd, o discurso de conciliação foi sendo abandonado com o tempo. Porém, a bandeira alquimista de Maier foi sendo incontestavelmente característica do rosacrucianismo.

A mensagem original do rosacrucianismo declinou definitivamente com a criação da Rosa Cruz de Ouro, por Peter Mormius, em 1630, com o lançamento, na Holanda, do seu Arcanos Secretíssimos de toda natureza desvelada pelo colégio rosariano, que focalizou nas maravilhas alquímicas, principalmente na transformação material em ouro e na redimensão da doutrina roasacruciana, criando um outro fundador, o Frederico Rosa, que preconizava exatamente a alquimia. Não havia, documentalmente, porém, a existência de uma Ordem Rosa Cruz, instituída e regularizada, Mormius seria uma “famulus” de uma entidade de apenas três associados, sendo Frederico Rosa um deles.  A nomenclaturalização “ouro” associada à Rosa Cruz perduraria com a Rosa Cruz de Ouro, de Sincerus Renatus, no século XVIII, com o lançamento, na Alemanha, da Verídica e perfeita preparação da pedra filosofal da Fraternidade da Ordem Rosa Cruz de Ouro..., da Rosa Cruz de Ouro, de Hermann Fictuld, com o Tosão de Ouro, e da Dourada e Rosa Cruz ( Gould und Rosenkreutz) de Bishoffswerder e Wöllner, além dos Irmãos Iniciados da Ásia e da Rosa Cruz do Antigo Sistema. Estas associações eram paramaçônicas e não instituições independentes rosacruzes. No final do século XIX, o rosacrucianismo foi finalmente instituído com a Ordem Cabalística da Rosa Cruz, de Joséphin Péladan e Stanislas de Guaita, em 1888, e com a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal , cisão da anterior feita por Péladan, em 1891. Apesar da ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal não ser considerada como sendo uma ordem propriamente iniciática, a instituição do rosacrucianismo estava independente à Maçonaria.

Com Joséphin sendo um estatuto de autoridade da marca Rosa Cruz, a sucessora moral de sua atividade, que foi encerrada em 1897 com o fim dos salões rosacruzes, foi a Ordem Rosa Cruz Universitária de Emile Dantine (1884-1969), que consagrou a França como sendo espaço de autenticidade do rosacrucianismo, com a Inglaterra e a Alemanha, estando relegadas a iniciativas paramaçônicas, como é a Societas Rosacruciana in Anglia, ou a entidades indiretamente rosacrucianas, como a Ordo Templis Orientalis.

A DISPUTA DE PODER ENTRE AS ENTIDADES ROSACRUCIANAS

Emile Dantine foi um dos mais importantes nomes do esoterismo ocidental contemporâneo. A Bélgica, seu país natal, foi influenciado pelo rosacrucianismo autenticado pela Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal, com as palestras dadas na capital Bruxelas, fazendo estímulos para a formação de estudiosos na área. Neste contexto, foi fundado a Ordem Rosa Cruz Universitária, ao lado da Rosa Cruz Interior, também denominada Universal, ambas em 1923, sendo as duas complementares.

De acordo com Eric Sablé, no Dicionário dos Rosa Cruzes, Dantine também era martinista e católico,além de outras ordens esotéricas. Sâr Hieronymos, como ficou conhecido, tinha como assistente, e fiel aliado, Jean Mallinger (1904-1982), ou Sâr Elgim, pitagórico convicto e fundador da Ordem de Hermes Trimegisto, praticante da teurgia e também martinista. Este seu amigo fora testemunha das técnicas de Sâr Hierônymos em dominar o magnetismo, inclusive fazendo parar chuva (2006:272). Esta afirmação, proferida em 1979, coloca o Sâr Hierônymos, ou pelo menos tenta, na lista dos grandes alquimistas do ocidente, tradição compartilhada com Conde de Chazal, famoso clarividente, e Conde de Saint Germain, com sua imortalidade. Para honrar a tradição rosacruciana é aconselhável que o mestre da Ordem tenha acesso ao sobrenatural ou a conhecimentos que desafiem a lógica e o raciocínio mundano.  

A Ordem Rosa Cruz Universitária copiou a seleção de graus da Rosa Cruz de Ouro e demais paramaçônicas (Iº – Zelator IIº – Theoricus IIIº – Practicus IVº – Philosophus Vº – Adeptus Minor VIº – Adeptus Major VIIº – Adeptus Exemptus VIIIº – Magister IXº- Magus), com atenção maior à teurgia desde o segundo grau. Para Sablé, porém, a ordem ensinava o cristianismo místico à moda da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal (2006: 215). No ano de 1926 foi eleito o Imperator, François Soetewag (Sâr Sucus). Esta Ordem era preparatória para a Ordem Rosa Cruz Interior, posteriormente Universal, considerada como continuadora da Ordem francesa, com os três graus de escudeiro, cavaleiro e comendador, acrescentando o grau Imperator. Além desta Ordem, havia a Rosa Cruz Celeste, mais adequada ao Martinismo.

 Sâr Hieronymus foi responsável pela fundação da FUDOSI (Federação Universal das Ordens e Sociedades Iniciáticas), promovendo o fórum internacional em Bruxelas em 1934 com a participação de doze entidades, dentre as quais a AMORC e suas diversas delegações, a Ordem Cabalística da Rosa Cruz, chefiada por Lucien Manchel, pós Enacausse e indiferente ao Martinismo, a Ordem de Hermes Trimegistos, fundado pelo aliado e secretário de Hieronymus, o Sâr Elgim, a Rosa Cruz Interior, e as ordens Martinista e Sinárquica, Fraternidade dos Polares e a Igreja gnóstica universal, relacionadas com Victor Blanchard (1878-1953), que as chefiava . Deste modo, das doze entidades, três eram de ligação direta com Sâr Hieronymus e três com ligação direta a Victor Blanchard. A decisão do fórum criou três Imperatores: Sâr Hieronymus para a Europa, Sâr Alden ( Spencer Lewis) para as Américas e Sâr Yésir ( Blanchard) para o Oriente. Todas as Rosacruzes da Europa, incluindo as ramificações da AMORC, estariam reconhecidas para participar da Rosa Cruz Interior, sendo entendidas como escolas preparatórias. A relação entre Spencer Lewis (1883-1939) e Sâr Hieronymus era de profunda admiração daquele para com este (2006:272).Porém, não é esta a versão de Christian Rebisse, no livro Rosa Cruz História e Mistérios, editado pela AMORC, a qual fora Mallinger que, em 1933, pede adesão à AMORC pedindo para colaborar (2012: 357). Aliás, Rebisse não aceita a Ordem Rosa Cruz Universitária como sendo sucessora da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal por causa da doutrina baseada na magia da Renascença, ou seja, a teurgia. A falta deste reconhecimento está de acordo com a busca de legitimidade da AMORC em território francês, de acordo com Christopher McIntosh, em Os Mistérios da Rosa Cruz, Lewis para legitimar a recém fundada AMORC, esteve na França em 1909, buscando reconhecimento na cidade de Toulouse, considerado um conclave internacional rosacrucianista (1987: 145). Este reconhecimento lhe foi dado misteriosamente. No entanto, o mito de Toulouse está relacionado, tradicionalmente, a Adrien Péladan (1815-1890), irmão do fundador da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal. A Ordem Rosa Cruz de Toulouse não existiu, mas, além de fazer parte do imaginário rosacruciano, era o artificio que fundamentava o rosacrucianismo na França. Como a França estava institucionalizando a Rosa Cruz, diante das paramaçônicas, relacionar a AMORC à França foi uma interessante estratégia de Lewis que, consequentemente, lançou bases para convencer adeptos na Europa. No cenário de Sâr Hieronymus como sendo um sucessor da Rosa Cruz do Templo e do Graal, Lewis estaria moralmente subordinado a autoridade do Sâr, coisa inadmissível para os defensores da AMORC. Talvez seja por isso que Rebisse atribuirá o fim da FUDOSI a Dantine e Mallinger, os apresentando como sendo racistas e autoritários para com as outras ordens federadas (2012: 360). Para McIntosh, a FUDOSI era um plano de Lewis com o intuito de combater seus inimigos internos nos EUA, que desconfiavam de sua sinceridade e seriedade. Com o reconhecimento internacional, a marca AMORC estaria preservada e apoiada por outras sociedades. A figura de Mallinger, em McIntosh, servia como aliado de Lewis para suas intenções de promover a FUDOSI e a AMORC no mundo (1987:147). Lamentavelmente, Rebisse não menciona em nenhum momento qualquer desajuste da parte de Blanchard, que em 1939, no novo fórum da FUDOSI, decidiu ser o Grão Mestre de toda a Federação, sendo expulso. Analisando a FUDOSI, Sablé afirma que foi boa a iniciativa, de Dantine, que organizou positivamente as ordens iniciáticas federadas, com o problema estando entre os métodos de recrutamento entre a Rosa Cruz Universitária, representando a ideia das ordens europeias, e a AMORC. As ordens europeias desejavam manter a discrição das iniciações e a qualidade dos iniciados, o que era rejeitado pela AMORC e suas publicações em jornais aberta ao público dos mais diversificados. Sablé não faz citação a casos de racismo. A FUDOSI desapareceu em 1951, com as permissões de Dantine, Mallinger e Ralf Lewis, demonstrando, dessa forma, a influência da Rosa Cruz Universitária, e o período em que a AMORC não estava precisando se defender de acusações.

O rosacrucianismo possuía outras entidades que usavam a marca Rosa Cruz, mas a Rosa Cruz Universitária foi a que mais estava interessada em estabelecer um elo de contato entre a afirmação institucional e a autoridade desta iniciativa. Por muito tempo, o rosacrucianismo estava tutelado por entidades paramaçônicas e a “libertação” foi simbolicamente assegurada pela Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal, considerando que a Ordem Cabalística da Rosa Cruz, estava sofrendo com estes conflitos internos. Consoante a Ordem fundada por Dantine não fosse um fiel escudeira em termos doutrinários à sua suposta antecessora, por usos de teurgia em suas lições, ela firmou a marca Rosa Cruz e não foi dissidente de outra entidade, como por exemplo teosofia, igreja gnóstica, dentre outras.

CONCLUSÃO

A Ordem Rosa Cruz Universitária representa, no século XX, a continuidade da autenticidade do rosacrucianismo iniciado com a Ordem Cabalística da Rosa Cruz. Porém, o rosacrucianismo primitivo tentado pelos alemães no século XVII, como alternativa à Reforma luterana, não recebe a devida continuidade. A evolução doutrinaria da Tradição Primordial, baseada na Cabala e Alquimia, principalmente, talvez também não tenha sido respeitada diante das acusações de comunicações astrais, mas institucionalmente o rosacrucianismo estava perdido e dependente. A iniciativa de institucionalização acobertou a marca Rosa Cruz diante de outras entidades diversas.

As dificuldades entre as propostas rosacrucianas estavam para além das características espiritualistas, a disputa pela referência e autoridade foi um campo de batalha nesta nova configuração. Com a FUDOSI como exemplo, a tentativa de regularização dos movimentos místicos teria que ter a Rosa Cruz como sendo a liderança e síntese do misticismo. As narrativas dos autores podem estar sujeitas a estas disputas. Porém, a presença decisiva para começar e encerrar as atividades desta organização esteve a depender de Dantine, elemento de união entre os interesses dos americanos e europeus, defensor da marca Rosa Cruz nas três ordens que criou e interrelacionou.

A Ordem Rosa Cruz Interior, ou Universal, ao usar os três graus da Ordem Rosa Cruz  do Templo e do Graal, como sendo Altos Graus, pela FUDOSI eram graus suplementares à AMORC na Europa. Este ensino, como sendo suplementar, demonstra a autoridade que Dantine tinha na ocasião da formação da federação, colocando a Europa, em comparação com as Américas e o Oriente, como sendo o centro do esoterismo mundial. As disputas pelo poder e a afirmação da AMORC pelo mundo fez com que esta determinação perdesse a validade e a FUDOSI foi encerada. Porém, a atuação da Ordens Rosacruzes de Dantine foram um elo indispensável para a afirmação do rosacrucianismo em seu continente de nascimento.

E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.

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