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sábado, 26 de junho de 2021

A ORDEM ROSA CRUZ DO TEMPLO E DO GRAAL- SÉCULO XIX


 

A Ordem criada por Joséphin Péladan (1858-1918), após sua desfiliação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz, foi uma instituição Rosa Cruz excêntrica e um pouco dissociada da tradição esotérica que caracteristicamente demarcou o rosacrucianismo. Esta Ordem é entendida como uma iniciativa como o intuito de promover e aproximar o meio artístico, compreendido como sendo bastião dos valores tradicionais relacionados ao catolicismo latino, o qual Péladan era ardoroso defensor.

As motivações que estimularam Péladan a sair da Ordem não estão totalmente esclarecidas, sendo que um fator incontestável foi a discordância entre este e Gerárd Encousse (1865-1916), que tentava maçonizar a Ordem, a exemplo da tradição do século XVIII, o que não era permitido pelos fundadores da Ordem, Péladan e Stanislas de Guaita (1861-1897), que estavam ensejando a independência do rosacrucianismo da esfera maçônica. Outra motivação seria o apego ao catolicismo por Péladan, o que não era aceito por Encausse. Entre um e outro, de Guaita estará do lado de Encausse, pois será documentado críticas de Stanislas de Guaita a Péladan após a fundação e sucesso da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal.

Talvez, a Ordem fundada por Sâr Merodack, como queria ser chamado Joséphin, tenha sido a consolidação do pensamento rosacruciano feito Ordem independente na Europa. Porém, desaparecerá concomitantemente a crença de seu fundador de que sua proposta artística estava sendo superada pelo tempo. A Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal demonstrara que, indiferente sua natureza de foco quase que de exclusividade artística e duvidosamente iniciática, era possível atar uma emancipação à Maçonaria.

ORGANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E DELIMITAÇÃO DA ORDEM ROSA CRUZ DO TEMPLO E DO GRAAL.

Discutindo Péladan, Christopher McIntosh, em Os Mistérios da Rosa Cruz, escreve que ele herdou o tradicionalismo católico de seu pai e o misticismo esotérico de seu irmão mais velho, Adrién Péladan ( 1815-1890), famoso na literatura fantástica por ter sido iniciado na mitológica Ordem Rosa Cruz de Toulouse, em 1858 ( 1987:111). Esta Ordem é de existência duvidosa e para Eric Sablé, autor de Dicionário dos Rosa Cruzes, Adrién era, sim, interessado em magnetismo e homeopatia (2006:234). A conciliação entre catolicismo e misticismo mágico era a ideia central de Péladan, que acreditava que o cristianismo primitivo era composto por magos e fadas. Independente destas ideias, não era um anticlericalista, como era moda entre os círculos esotéricos franceses.

Joséphin Péladan fundou a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal em 1890, ou 1891, adotando o nome de Sâr Merodack, rei caldeu associado ao deus Júpiter. Com um discurso pacificador, apoio de jornais como o Le Figaro e com talento em escrever, a Ordem cresce rapidamente, causando inveja na sua ex Ordem , que o atacou como sendo um infiel e dissidente do rosacrucianismo (1987: 113).

A Ordem de Sâr Merodack estava organizada numa divisão de três graus: escudeiro, cavaleiro e comendador, com estes sendo assimilados aos diferentes sefirot da cabala (2006:213). De acordo com Christian Rebisse, em seu Rosa Cruz História e Mistérios, Sâr Merodack defendia que esta Ordem estava desembaraçada das incorreções maçônicas, purificada de toda heresia e abençoada pelo Papa (2012: 265). A utilização do tema Templário é um recurso caro aos franceses, inclusive comum ao escopo maçônico, e afirmou a Ordem entre a classe elitista. A intenção era montar um núcleo moral e social unindo o tradicionalismo religioso e estético (1987:113).

O foco da Ordem estava em seu conteúdo artístico, com Rebissem, aliás, afirmando que a instituição não era uma sociedade iniciática (2012:266). A missão da arte era entendida como divina, cuja magia salvaria o Ocidente. Com esta missão, Sâr Merodack começou sua série de exposições Salons de la Rose Croix, em 1892, com ênfase na beleza e na tradição. Não estava permitido temas modernistas, experimentais ou escandalosos, apenas espiritualistas (1987:114). Porém, Rebisse afirma que, além do nu sublime ser aceito nos salões, havia a participação de Saint Pol Roux, escritor considerado um dos mestres da arte moderna (2012:269). Não era requisito ser rosacruz para apresentar nos salões. Ao que tudo indica, a Ordem estava resumida às exposições dos salões de arte. Após o último salão, ainda em 1897, Sâr Merodack determinou o recesso de sua ordem (2012:272). O rosacrucianismo de Péladan não estava empenhado na difusão da Tradição Primordial, ou seja, no sincretismo entre cabala e alquimia, mas na afirmação da finalidade de ideal artística.

Para Sablé, Sâr Merodack deixou como herdeiro do pensamento rosacruciano, Émile Dantine (1884-1969), ou Sâr Hieronymus, que fundou, em 1923, a Rosa Cruz Universitária e a Rosa Cruz Interior. De modo esquisito, Dantine acreditava que os fundadores da Rosa Cruz fora uma seita ismaeliana dos Irmãos da Pureza, o que renega toda a originalidade dos Manifestos do século XVII, além da incentivar um novo narrativismo de fundação. No entanto, Dantine permaneceu católico e famoso, de acordo com seus discípulos, pelo domínio das técnicas do magnetismo o que o dava poderes sobre os elementos, a exemplo de fazer chover ou estiar pela remoção de nuvens (2006: 271-272). Esta personalidade será um dos modelos para o ardor de Spencer Lewis (1883-1939) em suas convicções, pensamentos e ações.

CONCLUSÃO

A Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal foi concebida por Joséphin Péladan como uma resposta a seus anseios de promoção artística que estavam de acordo com sua forma de pensamento e comportamento. A sua consideração e paixão pelos temas mesopotâmicos o fez criar um personagem identificado com a estética caldeia, a exemplo do título de Sâr Merodack, ou deus Júpiter. As diferenças entre os organizadores da Ordem Cabalística da Rosa Cruz foram fundamentais para que Péladan criasse esta nova instituição, mas o tema caldeu proposto para apresentar uma Ordem de fundamentação católica era no mínimo esquisito. O que transparece é que a intenção era desenvolver um projeto de exposição artística de cunho pessoal, usando o chamariz rosacruciano.

Com intencionalidade ou não, a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal continuara a institucionalização do ideário Rosacruz, começado pela Ordem Cabalística da Rosa Cruz. Esta disposição será herdada pela Rosa Cruz Universitária e Rosa Cruz Interior, de Émile Dantine, ou Sâr Hieronymus, que no século XX ecoará a Rosa Cruz no continente americano. A relação entre Dantine e Péladan foi marcante, pois o habito de criar entidades com o uso da palavra Sâr exemplifica esta troca de influência. O que deixa a desejar é qual a intensidade de Péladan para com a doutrina ou ideário rosacruz, pois as novas fundamentações dadas por Dantine são estranhas ao rosacrucianismo clássico, além do que está claro que a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal perdeu sua essência com o fechamento dos salões e, como alerta Christian Rebisse, a Ordem não era iniciática. Provavelmente, Dantine não estava recebendo um bastão de autenticidade rosacruciana, mas apenas elementos de como fundar uma instituição com apelos fantásticos.

A Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal é utilizado, comumente, como sendo parte de uma história totalizante do movimento rosacruciano. Não há, porém, qualquer relação entre esta instituição e os Manifestos rosacruzes, ou entre as entidades paramaçônicas que, quer queiram ou não, conservaram a mentalidade rosacruciana durante o período de ostracismo do ocultismo. Com a evaporação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz e a indiferença com a mística da Iniciação pela Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal, o rosacrucianismo será tematizado institucionalmente, com o esoterismo que merece, através da reminiscência dos mitos que fizeram sucesso nas mentalidades fantasiosas.

E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.

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