A Ordem criada por Joséphin
Péladan (1858-1918), após sua desfiliação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz,
foi uma instituição Rosa Cruz excêntrica e um pouco dissociada da tradição
esotérica que caracteristicamente demarcou o rosacrucianismo. Esta Ordem é entendida
como uma iniciativa como o intuito de promover e aproximar o meio artístico, compreendido
como sendo bastião dos valores tradicionais relacionados ao catolicismo latino,
o qual Péladan era ardoroso defensor.
As motivações que estimularam Péladan
a sair da Ordem não estão totalmente esclarecidas, sendo que um fator incontestável
foi a discordância entre este e Gerárd Encousse (1865-1916), que tentava
maçonizar a Ordem, a exemplo da tradição do século XVIII, o que não era
permitido pelos fundadores da Ordem, Péladan e Stanislas de Guaita (1861-1897),
que estavam ensejando a independência do rosacrucianismo da esfera maçônica.
Outra motivação seria o apego ao catolicismo por Péladan, o que não era aceito
por Encausse. Entre um e outro, de Guaita estará do lado de Encausse, pois será
documentado críticas de Stanislas de Guaita a Péladan após a fundação e sucesso
da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal.
Talvez, a Ordem fundada por Sâr
Merodack, como queria ser chamado Joséphin, tenha sido a consolidação do
pensamento rosacruciano feito Ordem independente na Europa. Porém, desaparecerá
concomitantemente a crença de seu fundador de que sua proposta artística estava
sendo superada pelo tempo. A Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal demonstrara
que, indiferente sua natureza de foco quase que de exclusividade artística e
duvidosamente iniciática, era possível atar uma emancipação à Maçonaria.
ORGANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E DELIMITAÇÃO
DA ORDEM ROSA CRUZ DO TEMPLO E DO GRAAL.
Discutindo Péladan, Christopher
McIntosh, em Os Mistérios da Rosa Cruz, escreve que ele herdou o
tradicionalismo católico de seu pai e o misticismo esotérico de seu irmão mais
velho, Adrién Péladan ( 1815-1890), famoso na literatura fantástica por ter
sido iniciado na mitológica Ordem Rosa Cruz de Toulouse, em 1858 ( 1987:111).
Esta Ordem é de existência duvidosa e para Eric Sablé, autor de Dicionário
dos Rosa Cruzes, Adrién era, sim, interessado em magnetismo e homeopatia
(2006:234). A conciliação entre catolicismo e misticismo mágico era a ideia
central de Péladan, que acreditava que o cristianismo primitivo era composto
por magos e fadas. Independente destas ideias, não era um anticlericalista,
como era moda entre os círculos esotéricos franceses.
Joséphin Péladan fundou a Ordem
Rosa Cruz do Templo e do Graal em 1890, ou 1891, adotando o nome de Sâr Merodack,
rei caldeu associado ao deus Júpiter. Com um discurso pacificador, apoio de
jornais como o Le Figaro e com talento em escrever, a Ordem cresce rapidamente,
causando inveja na sua ex Ordem , que o atacou como sendo um infiel e
dissidente do rosacrucianismo (1987: 113).
A Ordem de Sâr Merodack estava
organizada numa divisão de três graus: escudeiro, cavaleiro e comendador, com
estes sendo assimilados aos diferentes sefirot da cabala (2006:213). De
acordo com Christian Rebisse, em seu Rosa Cruz História e Mistérios, Sâr
Merodack defendia que esta Ordem estava desembaraçada das incorreções
maçônicas, purificada de toda heresia e abençoada pelo Papa (2012: 265). A utilização
do tema Templário é um recurso caro aos franceses, inclusive comum ao escopo
maçônico, e afirmou a Ordem entre a classe elitista. A intenção era montar um
núcleo moral e social unindo o tradicionalismo religioso e estético (1987:113).
O foco da Ordem estava em seu conteúdo
artístico, com Rebissem, aliás, afirmando que a instituição não era uma
sociedade iniciática (2012:266). A missão da arte era entendida como divina,
cuja magia salvaria o Ocidente. Com esta missão, Sâr Merodack começou
sua série de exposições Salons de la Rose Croix, em 1892, com ênfase na
beleza e na tradição. Não estava permitido temas modernistas, experimentais
ou escandalosos, apenas espiritualistas (1987:114). Porém, Rebisse afirma que, além
do nu sublime ser aceito nos salões, havia a participação de Saint Pol
Roux, escritor considerado um dos mestres da arte moderna (2012:269).
Não era requisito ser rosacruz para apresentar nos salões. Ao que tudo indica,
a Ordem estava resumida às exposições dos salões de arte. Após o último salão,
ainda em 1897, Sâr Merodack determinou o recesso de sua ordem
(2012:272). O rosacrucianismo de Péladan não estava empenhado na difusão da
Tradição Primordial, ou seja, no sincretismo entre cabala e alquimia, mas na
afirmação da finalidade de ideal artística.
Para Sablé, Sâr Merodack deixou
como herdeiro do pensamento rosacruciano, Émile Dantine (1884-1969), ou Sâr
Hieronymus, que fundou, em 1923, a Rosa Cruz Universitária e a Rosa Cruz Interior.
De modo esquisito, Dantine acreditava que os fundadores da Rosa Cruz fora uma
seita ismaeliana dos Irmãos da Pureza, o que renega toda a originalidade
dos Manifestos do século XVII, além da incentivar um novo narrativismo de
fundação. No entanto, Dantine permaneceu católico e famoso, de acordo com seus
discípulos, pelo domínio das técnicas do magnetismo o que o dava poderes sobre
os elementos, a exemplo de fazer chover ou estiar pela remoção de nuvens (2006:
271-272). Esta personalidade será um dos modelos para o ardor de Spencer Lewis
(1883-1939) em suas convicções, pensamentos e ações.
CONCLUSÃO
A Ordem Rosa Cruz do Templo e do
Graal foi concebida por Joséphin Péladan como uma resposta a seus anseios de
promoção artística que estavam de acordo com sua forma de pensamento e comportamento.
A sua consideração e paixão pelos temas mesopotâmicos o fez criar um personagem
identificado com a estética caldeia, a exemplo do título de Sâr Merodack, ou
deus Júpiter. As diferenças entre os organizadores da Ordem Cabalística da Rosa
Cruz foram fundamentais para que Péladan criasse esta nova instituição, mas o tema
caldeu proposto para apresentar uma Ordem de fundamentação católica era no mínimo
esquisito. O que transparece é que a intenção era desenvolver um projeto de
exposição artística de cunho pessoal, usando o chamariz rosacruciano.
Com intencionalidade ou não, a
Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal continuara a institucionalização do ideário
Rosacruz, começado pela Ordem Cabalística da Rosa Cruz. Esta disposição será herdada
pela Rosa Cruz Universitária e Rosa Cruz Interior, de Émile Dantine, ou Sâr
Hieronymus, que no século XX ecoará a Rosa Cruz no continente americano. A
relação entre Dantine e Péladan foi marcante, pois o habito de criar entidades
com o uso da palavra Sâr exemplifica esta troca de influência. O que deixa a
desejar é qual a intensidade de Péladan para com a doutrina ou ideário rosacruz,
pois as novas fundamentações dadas por Dantine são estranhas ao rosacrucianismo
clássico, além do que está claro que a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal
perdeu sua essência com o fechamento dos salões e, como alerta Christian Rebisse,
a Ordem não era iniciática. Provavelmente, Dantine não estava recebendo um bastão
de autenticidade rosacruciana, mas apenas elementos de como fundar uma instituição
com apelos fantásticos.
A Ordem Rosa Cruz do Templo e do
Graal é utilizado, comumente, como sendo parte de uma história totalizante do movimento
rosacruciano. Não há, porém, qualquer relação entre esta instituição e os
Manifestos rosacruzes, ou entre as entidades paramaçônicas que, quer queiram ou
não, conservaram a mentalidade rosacruciana durante o período de ostracismo do ocultismo.
Com a evaporação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz e a indiferença com a mística
da Iniciação pela Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal, o rosacrucianismo será tematizado
institucionalmente, com o esoterismo que merece, através da reminiscência dos
mitos que fizeram sucesso nas mentalidades fantasiosas.
E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução
de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.
REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed.
Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.
SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata
Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário