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sábado, 24 de julho de 2021

ANTIGA E MÍSTICA ORDEM ROSA CRUZ- AMORC

 

A AMORC é, por sua organização e fundamentação, a principal instituição Rosacruz dos tempos modernos. Sua correlação histórica com o rosacrucianismo institucional, especificamente de vertente francesa, a fez sucessora da Ordem Cabalística da Rosa Cruz e da Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal para as Américas, aliada à diplomacia com a Rosa Cruz Universitária, de Emile Dantine (1884-1969), fiel sucessora da institucionalidade rosacruciana na Europa. Esta divisão de influência será ratificada com a fundação da FUDOSI, a qual haverá uma leve superioridade a favor da Ordem de Dantine, já estabelecida na Europa.

A fundação da AMORC se dá nos EUA durante as agruras da Guerra Mundial, em 1915, a qual a França estava em sérias dificuldades de perturbação social causada pelas invasões alemãs. De acordo com Christopher McIntosh, em seu Os Mistérios da Rosa Cruz, o fim da Guerra, em 1918, marcou também o fim a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal, de Josephine Peladan (1858-1918), que havia sido o fundador, com Stanilas de Guaita (1861-1897), da Ordem Cabalística da Rosa Cruz, fundada em 1888-89, dando início a institucionalização do rosacrucianismo, antes apenas uma forma de pensamento tutelada pela Maçonaria (1987:146). Por sua amizade com Peladan e por estar inserido na área de atuação do rosacrucianismo, Dantine era o sucessor responsável pela licitude da Ordem Rosacruciana, fundando sua Ordem Rosa Cruz Universitária e seus “altos graus” denominado de Rosa Cruz Interior, como se fosse uma Loja de Perfeição maçônica, em 1923, na Bélgica. A fundação da AMORC, por Harvey Spencer Lewis (1883-1939), se dera antes por motivações indiferentes à legitimação de sucessão das Ordens francesas. Sabiamente, Lewis, talvez conhecedor da tradição da Ordem Rosa Cruz de Toulouse, lenda que dera fundamento à Ordem Cabalística da Rosa Cruz, decide visitar a cidade em 1909 e com isso tenta reescrever a história a narrativa estatutária do rosacrucianismo, o colocando no mesmo nível da tradição fundadora das instituições nomeadamente rosacruzes. Após estabelecer a fundação de sua Ordem, Lewis ainda fizera uma visita à Alemanha, em 1921, país nativo do rosacrucianismo histórico, tentando fazer uma aliança malfadada com a Ordo Templi Orientalis (OTO). Talvez, Lewis, na tentativa de fazer adeptos e fazer da AMORC reconhecida internacionalmente, tivesse o entendimento de que que estes países fossem simbolicamente representativos na construção das narrativas de fundação. A Segunda Guerra Mundial favorecerá a AMORC neste intento, com a Europa destruída e a consequente liderança dos EUA na reestruturação mundial, a FUDOSI, que seria a principal fonte de reconhecimento internacional para a AMORC, foi caso superado. Com isso, a instituição americana ficou na posição de liderança do rosacrucianismo mundial, com uma ambiciosa proposta de ser a síntese de toda a tradição iniciática Rosacruz desde os tempos dos faraós.

A ambição de Lewis em reescrever a história da Ordem Rosacruz era comum para sua afirmação nos EUA e o convencimento dos adeptos da sua ancianidade. Para fazer dos EUA o país herdeiro do rosacrucianismo mundial, Lewis fez um malabarismo para relacionar o rosacrucianismo diretamente com seu país. A ligação seria entre petistas da cidade de Tubingen, a da origem dos Manifestos Rosacruzes no século XVII, que de acordo com o romancista Friederich Sachse (1842-1919) seriam rosacruzes imigrantes que fundaram o rosacrucianismo no solo estadunidense, dentre os quais descenderia o próprio Lewis. Esta prosa fictícia foi aceita astuciosamente, em 1916, como sendo uma história adequada de legitimidade do rosacrucianismo em terras que não europeias. Entretanto, Christian Rebisse, autor do livro Rosa Cruz História e Mistérios, editado pela AMORC, ao lado de Serge Hutin, que também tem livro editado pela AMORC, desconsideram esta possibilidade, não havendo entre os imigrantes petistas e o rosacrucianismo nenhuma relação (2012:280). Esta ideia será secundarizada, com o tempo, nos textos doutrinários da AMORC mais modernos.

A AMORC E A DIFUSÃO DO ROSACRUCIANISMO NA MODERNIDADE

O rosacrucianismo aparece nos EUA bem antes de Lewis, mas de modo deturpado por Paschal Beverly Randolph (1825 - 1875), amigo de Lincoln e combatente na Guerra de Secessão (1861-1865). Randolph e seu rosacrucianismo foram espalhados pela Louisiana ao fim da guerra através de suas aulas. Sua organização foi fundada em 1858, mas como salienta McIntosh este rosacrucianismo existia apenas em sua mente (1987:138-139). Para Sablé, no seu Dicionário dos Rosa Cruzes, a tal Fraternitas Rosae Crucis, era uma cópia da S.R.I.A. que Randolph conhecera na década de 1850, decidindo fundar a sua versão em 1861 (!) usando, aleatoriamente, o nome da Rosa Cruz (2006:239). Aliás, McIntosh destaca que em sua obra Eulis! ,assume se auto intitular O rosacrucianista  e que entende como pensamento rosacrucianista suposições de sua alma e que suas sugestões foram tomadas emprestadas daqueles que em idades passadas chamavam-se por aquele nome (1987:139). Randolph pregava o amor livre em seus escritos e em suas práticas de ensino. Foi preso em 1872 por charlatanismo ao vender o elixir da vida elaborado por secreções masculina e feminina coletadas durante o sexo. Foi absolvido, mas cometeu suicídio no ano de 1875 ao saber que sua esposa o traía (2006:240). Foi desta maneira que a sociedade americana tomou conhecimento, de modo deturpado, do uso do nome rosacrucianismo.

A S.R.I.A. (Societas Rosacuriana in Anglia) foi instalada na Pensilvânia por maçons em 1879, havendo outra em Nova York. Em 1880, foi fundado o Conselho Superior denominado Societas Rosacruciana Republicae Americae, renomeado para Societas Rosacruciana in Civitalibus Foederatis (S.R.I.C.F.). McIntosh alerta que esta entidade não é uma Ordem, mas uma sociedade literária maçônica (1987:141). A S.R.I.A. é uma Ordem paramaçônica e não uma Ordem propriamente Rosacruz. Para fazer parte da organização deve ser Mestre Maçom regular, mas a Grande Loja da Inglaterra não reconhece a S.R.I.A. No ano de 1908, Sylvester C. Gould fundou a Societas Rosacruciana in America, uma sociedade mista, assumida por George Winton Plummer (1876-1944), que organizou o Conselho Superior composto, no entanto, por Mestres Maçons.

Outra entidade que apela para o título rosacruciana é a Rosacrucian Fellowship, fundada em 1909, por Max Grashof ou, como ficou mais conhecido, Max Heindel (1865-1919), um teosofista dissidente. As tolices rosacrucianas, de acordo com McIntosh, eram traduzidas por Heindel do alemão para o inglês de umas cartas do Mestre escritas por Hugo Vollrath (1874-1940), secretário de uma fictícia sociedade rosacrucianista (1987:143). O alemão Heindel migou para os EUA em 1900 e em 1903, na cidade de Los Angeles, se tonara uma autoridade da Sociedade Teosófica. Iniciado num templo desconhecido Rosacruz na Alemanha, no ano de 1907, foi testado para que espalhasse os segredos da Ordem (sic) e decide abandonar o teosofismo. Os ensinamentos, antes secretos, foram publicados no livro Cosmologia dos Rosacruzes, nos EUA, em 1909, defendendo reencarnação, carma e a hierarquia das raças fantásticas, inclusive da Lemúria (2006:143). Não raramente, Heindel é acusado de copiar as ideias do ocultista alemão Rudolf Steiner (1861-1924), também dissidente da teosofia e fundador da Sociedade Antroposófica, que se dizia também rosacruciano. De modo geral, a Rosacrucian Fellowship é uma derivação da teosofia. Nestas dissensões, se deve incluir também Franz Hartmann (1828-1912), fundador da Rosa Cruz Esotérica, em 1888, mesmo ano da fundação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz. A diferença está na autenticidade da Ordem francesa, que defendia uma tradição puramente rosacruciana sendo a entidade de Hartmann uma cisão no movimento teosófico. O uso do termo “Rosa Cruz” estava popularizado e utilizado de modo, inclusive, aleatório e superficial.

Estas entidades precederam a AMORC nas terras americana. De acordo com Rebisse, Lewis, antes cristão metodista, em 1901, começa a ser influenciado pelo magnetismo e o psiquismo do movimento Novo Pensamento, rival do teosofismo. Em 1902, interessa-se pelo espiritismo, mas desiste, desconfiando dos médiuns. Partícipe da Liga Psíquica de Nova Yok, fica convencido que possui faculdades psíquicas incomuns. Porém, entre 1906 e 1907, Lewis abandona as pesquisas psíquicas. Com ajuda da meditação, no entanto, teve a impressão de ter recebido interiormente um ensinamento sobre as leis e os princípios relacionados com Deus e a natureza. Confuso diante de suas dúvidas, toma a liberdade de confessar-se com uma amiga, May Banks-Stacey (1846-1918), que sugere ter ele entrado em contato com conhecimentos adquiridos em vidas anteriores e que teria sem dúvida pertencido a uma fraternidade mística como os rosacruzes no Egito (2012:300-304). Para Sablé, Lewis sabia sobre o rosacrucianismo ainda em 1904, quando defendeu no Instituto de Pesquisas Psíquicas de Nova York ser descendente dos petistas rosacrucianos instalados na Pensilvânia (1694), retirando esta bazófia do romance Os Alemães Pietistas da Pensilvânia, de 1895, escrito por Friedrich Sachse, como relatado anteriormente. Para reforçar isso, Lewis publica o A viagem de um Peregrino ao Leste (1916), colocando a AMORC como ascendente dos Manifestos para o rosacrucianismo mundial (2006:187).

Considerada cofundadora da AMORC, May tinha preferências pelo Egito e era crente na reencarnação do hinduísmo, como publicou sua filha. Inclusive, May acreditava ter sido egípcia em suas numerosas encarnações. De acordo com Lewis, May esteve no Egito e recebeu dos rosacruzes autorização para fundar a Ordem Rosacruz na América. Rebisse duvida da existência desta Ordem Rosacruz no Egito... De todo modo, May teria sido iniciada apenas na Índia, quando definitivamente recebeu instruções a dizendo que para se fundar uma Ordem na América deveria antes pedir licença a uma tutela francesa. Rebisse, desta vez, porém, não duvida que esta Ordem na Índia não existiu, pois não existem elementos nos quais se possa basear para interpretar sua iniciação na Índia (2012:310).

No ano de 1908, Lewis visita uma igreja metodista, recordando seus tempos de infância e adolescência, quando recebe a visita de um homem com larga barba branca e este o incumbiu a estar na França com o intuito de receber a iniciação na Ordem Rosacruz. Atendendo a esta misteriosa pessoa, Lewis vai à Paris e faz amizade, hipoteticamente, com Henri Durville (1887-1963), famoso magnetista. No ano seguinte, Lewis retorna à Paris, a serviço com o pai, e faz amizade, desta vez, com um homem misterioso que o indica uma cidade ao Sul da França, ou seja, Toulouse. De maneira esclarecida, Rebisse acredita que Lewis estava pesquisando sobre as Ordens Cabalística Rosa Cruz e a Rosa Cruz do Templo e do Graal, o que explica a inclusão da cidade rosácea em sua narrativa. Porém, ainda de acordo com Rebisse, ambas estavam extintas em 1897, sendo Clovis Lassalle (1864-1937), fotógrafo e ocultista, seu contato para este intento (2012:317). McIntosh considera que a Ordem Rosa Cruz do Templo e do Graal morre juntamente com seu idealizador, em 1918, mas para Rebisse, a Ordem encerra suas atividades com última exposição, em 1897, por isso a diferença entre as datas apresentadas no texto.

Resumidamente, Lewis foi apresentado à mitologia de Toulouse e descreveu uma aventura que o colocaria à altura de Adrien Péladan, irmão que iniciara Josephine nos mistérios do rosacracusianismo. Astuciosamente, Lewis se colocava como legítimo representante da lendária Ordem Rosacruz de Toulouse, base a qual apareceu a primeira Ordem Rosacruz institucionalizada. Para florear o discurso, Rebisse, cujo livro é editado pela AMORC, cita o escritor Antonie Favre que explica que o mito é fundamento para os movimentos esotéricos e que lendas de fundação autenticam as Ordens tradicionais, a exemplo da descoberta do túmulo de Cristian Rosenkreutz (2012:323). O chamado de Lewis à França, afinal, foi uma previsão da Guerra Mundial e por isso um americano foi escolhido para perpetuar o rosacrucianismo e o restabelecer nos Estados Unidos (2012:325). Para Sablé, esta versão é descartada como sendo imaginária (2006:189). Este discurso não considera outra Ordem Rosacruz no mundo que não seja a AMORC, além de causar suspeição às Ordens que estariam no Egito e na Índia, artifícios estes úteis para a construção da revelação e autenticidade de May, demonstrando, posteriormente, uma centralização na pessoa de Lewis, o definitivo iniciado. A disputa sub-reptícia com a Ordem Rosa Cruz Universitária também estava inserida nesta posição discursiva, pois Dantine era, historicamente, pela amizade com Peladan, o herdeiro da tradição Rosacruz. Apesar disso, as duas entidades serão aliadas para a fundação da FUDOSI, Federação Universal das Ordens e Sociedades Iniciáticas, em 1934, em Bruxelas, país sede da Ordem Rosa Cruz Universitária, ocasião que Lewis reconhece Dantine como sendo Imperator da Europa e libera os rosacruzes da AMORC a fazerem iniciação no Ordem Rosa Cruz Interior, também de Dantine, no que seria uma pós graduação rosacruciana. A intenção da FUDOSI era ser uma entidade responsável pelo reconhecimento internacional das fraternidades esotéricas.

A AMORC, fundada em 1 de abril de 1915, tinha como Grão Mestre Geral e Imperator, como desejava May Banks-Stacey, Harvey Spencer Lewis e a autoridade do Supremo Conselho na América foi protocolado. A estrutura hierárquica foi tomada das sociedades paramaçônicas do século XVIII, sendo os Templos padronizados com temas egípcios e com reverências a Akhenaton. A primeira pessoa iniciada na Ordem foi a esposa de Lewis, na Loja de Nova York. Com a AMORC experimentando um bom crescimento, Lewis convoca os oficiais da Suprema Grande Loja de Nova York e participantes com o quarto grau para uma exibição, em 1916, que se dedicaria a transformar um pedaço de metal em ouro. De acordo com Rebisse, foi-lhe autorizado fazer apenas aquela transmutação alquímica e os participantes constataram sua eficácia (2012:337). Esta exibição fazia da AMORC uma idealizadora dos princípios defendidos por Peter Mormius, criador da Rosa Cruz de Ouro (1630) e da tradição “alquímica aurífera” rosacruciana do século XVIII, principalmente as fantasiosas Ordens, ou rituais, paramaçônicas que muito bem exploravam estas lendas. A AMORC, em 1917, enfrentaria uma onda de perseguições e constrangimentos, inclusive pelo governo americano. O título Imperator, levou agentes a concluírem que este nome fazia referência a um navio alemão aprisionado no porto de Nova York. A sede, por isso, foi invadida, documentos aprisionados e depois perdidos. Além disso, em 1918, a sede sofreu com um roubo na tesouraria, uma crise que fez a sede ser mudada para San Francisco, em 1919 (2012:342). Esta informação é discordada por McIntosh que diz ter a mudança sido feita em 1925, sendo que em 1927 a sede foi, finalmente, estabelecida em San Jose, também na Califórnia (1987:146). Em 1921, na ânsia de receber reconhecimento internacional para a AMORC, Lewis formula a ideia de fundar uma confederação internacional e para isso tentou colaboração com a Ordo Templis Orientalis (OTO), fundada em 1906, pelo pitoresco ocultista alemão, maçom marginal e aventureiro chamado Theodor Reuss (1855-1924), sem conhecer muito bem a natureza da OTO (1987:148). Instantaneamente, foi criada a TAWUC (Conselho Universal do Mundo da AMORC). Porém, afirma McIntosh, foram publicadas informações de que a OTO mantinha relações com Aleister Crowley (1875-1947) desde 1912, famoso ocultista, conhecido por práticas de magia negra e sexual (1987:149). Para Rebisse, esta omissão da OTO fez Lewis desfazer a TAWUC. A FUDOSI seria a expositora da AMORC para a Europa e a principal reguladora das fraternidades esotéricas do mundo. No entanto, a AMORC estava ainda na dependência da influência de entidades, como a de Dantine, ou de personalidades como Victor Blanchard (1878-1953), com quem Lewis combinou organizar o Martinismo na América. A FUDOSI, aliás, estava comandada por Dantine (Sâr Hieronymus) Imperator para a Europa, Lewis (Sâr Alden) Imperator para a América e Blanchard (Sâr Yesir) para o Oriente, sendo que este tentou se auto intitular Grão Mestre de toda a federação, colocando sob seu mando os outros triúnviros, ainda em 1939, o que não foi aceito.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi benéfica para a AMORC, pelo menos indiretamente. A Europa estará novamente destruída e os EUA fortalecidos como potência credora do continente. O novo Imperator da Ordem, Ralph Maxwell Lewis (1904-1987), Supremo Secretário desde 1927, foi eleito em 1939 pelo Conselho de Administração da Suprema Grande Loja da AMORC. Decidindo manter a FUDOSI ainda recebe o nome de Sâr Validivar, mas em 1951 faz um acordo para cancelar a federação. A responsabilidade para o fim da FUDOSI pode ser entendida pelo contexto pós-guerra. Apesar de uns autores culpabilizarem o método de arregimentação pelos correios da AMORC, o que não era aceito pelas entidades mais tradicionais, ou da abertura, como defende a literatura institucional, de participação de afro descendentes aceitos pela AMORC, o que era recriminado por outras entidades, o que deve ser analisado é a superioridade estrutural da AMORC naquele tempo. A AMORC, praticamente, estava partilhando poder com outras instituições, o que não havia necessidade. A situação favorável dos EUA no mundo, especialmente na Europa Ocidental, dava uma independência que libertava a AMORC de qualquer aliança ou federação. A liderança da AMORC estaria baseada em suas próprias jurisdições, incluindo países da Cortina de Ferro.

Com a eleição do Imperator Gary Stuart, em 1987, a AMORC sofre um desfalque que o destituiu em 1990, não o impedindo de fundar sua própria Confraternidade Rosa Cruz, em 1996, incluindo o título de Grande Mestre Soberano de uma Ordem Martinista rival. Em 1990, foi eleito Christian Bernard, Grande Mestre da Grande Loja da Jurisdição Francesa desde 1977, tendo renunciado em 2018, considerado Imperator Emérito, sendo anunciado Imperator Cláudio Mazzucco em 2019, com as atividades do rosacrucianismo AMORC.

CONCLUSÃO

O Rosacrucianismo da AMORC dificilmente é confundido com o rosacrucianismo do século XVII, ainda que reverencie os Três Manifestos Fama, Confessio e Bodas alquímicas. A maior influencia para a formação da AMORC foram os estudos de poderes da mente, magnetismo ou paranormalidades. Foram estas faculdades que o fundador da Ordem alegou ter quando decidiu desenvolver suas tarefas pela Ordem. Os motivadores para esta iniciativa, aliás, não estavam baseados apenas em fenômenos psíquicos. O flerte com crenças orientais, em especial o reencarnacionismo, também estiveram presentes em sua decisão, inclusive no intuito de receber uma missão dada seres superiores. Fora este o elo que relacionou o psiquismo ao rosacrucianismo, sendo esta matéria não era comum ao rosacrucianismo, nem o clássico nem ao paramaçônico. A preocupação dos escritores dos Manifestos era uma reforma espiritualista, baseada no misticismo hermetista. Com a atuação de personagens ambiciosos com Michael Maier e Peter Mormius, o rosacrucianismo foi sendo rediscutido como uma entidade manipuladora da natureza e dos seus elementos, principalmente ofertando o manejo da criação do ouro. Foi com este espírito que proliferaram as entidades rosacrucianas paramaçônicas, principalmente no século XVIII, onde o fantástico atraía a aristocracia entediada. A AMORC é uma síntese deste imaginário, incluindo as possibilidades de mentalização ou demais alusões de psiquismo. A transmutação alquímica feita por Lewis, mudando metal em ouro, é maior acontecimento simbólico que ilustra a tendência alquimista do rosacrucianismo da AMORC.

A preocupação com a legitimidade de sua instituição foi um motivacional para Lewis. O rosacrucianismo era um movimento imaginário e inconsistente até ser cooptado pela paramaçonaria. No entanto, não é apropriado usar a denominação “instituição” para qualificar o rosacrucianismo paramaçônico, pois não era uma organização estatutária e autônoma. A dependência à Regularidade de Lojas Simbólicas genuinamente maçônicas desconfigurava qualquer pretensão em institucionalizar o rosacrucianismo, então entendido e praticado como sendo um Rito ou, erroneamente, uma Ordem Maçônica, termo inapropriado. Afinal,teremos uma experiência institucional tipicamente Rosa Cruz com a fundação, na França, da Ordem Cabalística da Rosa Cruz. Não que esta instituição fosse fiel aos princípios dos Manifestos do movimento imaginário original, mas foi uma institucionalização deveras relacionada apenas com o propósito de rosacrucianismo e de liberdade de inclusão, apartado de qualquer outra entidade. Foi com por esta causa, provavelmente, que Lewis tentou associar, de modo insistente, a AMORC com a lenda de fundação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz, baseada na fabulosa Ordem Rosa Cruz de Toulouse, renunciando outras localidades aventadas pela própria Ordem, como Egito e Índia, ou insistir na parolice que o rosacrucianismo estava na América desde o século XVII, devido a presença de petistas alemães Rosacruzes, os quais Lewis descenderia. O rosacrucianismo, na verdade, não foi apresentado à América pela AMORC, fundada em 1915. A paramaçônica S.R.I.A. estava em atividade nos EUA desde 1879 e a dissidência teosófica Rosacrucian Fellowship, de Heindel, atuava desde 1909, sendo que Lewis para justificar a fundação de sua instituição Rosacruz, construiu uma narrativa de revelacionismos à pessoa e de necessidade de reconhecimento internacional.

A AMORC atualmente é a principal instituição rosacruciana, por sua atuação em todos os continentes e pela facilidade de adesão, o rosacrucianismo é conhecido principalmente pelo seu ensino e doutrina. A não assimilação à religião dispensa imposições de empenho, exceto se houver uma participação nos trabalhos da Loja local. A AMORC, em suma, oferece mais que uma simples associação a uma irmandade, seus prometidos benefícios místicos são mais influentes para o indivíduo que qualquer confraternidade.
E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.


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