O rosacrucianismo na Inglaterra
seguira o exemplo de subordinação à Maçonaria comum no continente durante o
século XVIII e boa parte do século XIX, não havendo, por isso, nenhuma Ordem
Rosacruz autêntica, de estatuto próprio e independente. A S.R.I.A.-Societas
Rosacruciana In Anglia- é um exemplo típico. A S.R.I.A. , existente ainda nos
tempos modernos, é um entidade paramaçônica composta de Mestres Maçons
Regulares dedicados aos estudos tradicionalmente adequados ao rosacrucianismo.
A fundação desta entidade se dera
em 1866 por Robert Wentworth Little (1840-1878),
maçom funcionário da Grande Loja Unida da Inglaterra que ,sedento por
ocultismo, descobre rituais da Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema ou da
Dourada e Rosa Cruz, das quais retira o elenco dos nove graus (Iº – Zelator IIº – Theoricus IIIº –
Practicus IVº – Philosophus Vº – Adeptus Minor VIº – Adeptus Major VIIº –
Adeptus Exemptus VIIIº – Magister IXº- Magus), a premissa de ser cristão e a
fixação dos membros em número de cento e quarenta e quatro. Recebendo a ajuda
de Kenneth McKenzie (1833-1886), linguista versado em alemão e estudioso de
magia à la Eliphas Levi, Little criou a versão inglesa das entidades
paramaçonicas rosacrucianas.
A S.R.I.A. foi a postimeira
manifestação do rosacrucianismo paramaçônico. Sua fundação na França em 1880,
antes da formação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz, demonstra que a associação
do rosacrucianismo na segunda metade do século estava acomodada ao domínio
maçônico como sendo um avant plus ultra para Mestre Maçons. Neste tempo,
ainda ecoava as aventuras do inglês Sigismund Baestrom, que através de suas anedoctes
of the comte Chazal, expunha a respeito de sua iniciação pelo conde de
Chazal, um nobre francês, que habitava nas ilhas conhecidas com Mauricio desde 1763
e que teve a oportunidade de conhecer. O conde possuía um laboratório de
alquimia, além do dom da vidência. Como de costume, o conde de Chazal era tido
por rosacruciano. A difusão desta anedoctes foi feita por Frederick
Hockley (1809-1885), ocultista e sequaz da S.R.I.A., que afirmava ter sido Baestrom
iniciado por Chazal em 1794, numa fraternidade denominada de Societas Rosae
Crucis. Além de anunciar a S.R.I.A. aos franceses, Hockley dava ancianidade
à Sociedade a qual fazia parte, o que ajudava na aceitação e no convencimento
da sociedade francesa, espacialmente aos interessados em ocultismo. Os autores
pesquisados, ainda assim, não corroboram a veracidade das informações das anedoctes.
Neste contexto, a S.R.I.A. foi
fundada como sendo uma típica entidade ocultista, baseada em mitos e
improváveis fundamentações. Seus partidários eram esotéricos ecléticos que
tentavam conciliar, naquele tempo, magia, teurgia e cristianismo, sendo a
Maçonaria um atestado de idoneidade. No mais, a S.R.I.A. é representativa como
sendo uma entidade difusiva de Alta Magia e tudo o que estava sendo sintetizado
como sendo rosacrucianismo, muito aquém da proposta inicial dos Manifestos do
século XVII, e além do que seria a Tradição Primordial, baseada em alquimia e
cabala.
A CONSUMAÇÃO DA PARAMAÇONARIA
ROSACRUCIANA, ENTRE INVENÇÕES E DIFUSÕES.
A Societas Rosacruciana In Anglia,
fundada e desenvolvida como sendo uma sociedade paramaçônica rosacruciana, não
possui legitimidade junto ao órgão de regularidade maçônica internacional,
porém exige que para entrar em suas fileiras seja necessário ser um Mestre
Maçom regular e cristão trinitariano. De acordo com Eric Sablé, em seu livro Dicionário
dos Rosacruzes, Liitle não relacionou a Sociedade à Maçonaria Regular, mas deve
sua iniciativa a uma misteriosa sociedade rosacruciana escocesa que possuía
o mais antigo grau da Rosa-Cruz maçônico; esta sociedade estava sediada
em Edimburgo da qual se tinha pouquíssimas informações (2006: 274-275). A
necessidade de filiação a uma misteriosa ou anciã instituição era o métier das
maiorias das entidades esotéricas. Porém, esta sociedade rosacruciana,
conhecida pelo fundador em 1866, não é a mesma Societas Rosae Crucis do
conde Chazal, eventualmente criada pela S.R.I.A. para cativar os maçons franceses
mais nacionalistas quando da fundação da sociedade, em 1880, em terras gálicas.
Reforçando a suspicácia de Sablé, o autor Christian Rebisse, em Rosa Cruz
História e Mistérios, a afirmação de Little, nunca pôde ser confirmada
(2012: 245). Na opinião de Christopher McIntosh, de acordo com seu Os
Mistérios da Rosa-Cruz , a S.R.I.A. foi fundada por Little, de fato, com a ajuda
de tradução de textos paramaçônicos da Dourada e Rosa Cruz feitas por Kenneth
McKenzie, ocultista versado em alemão, que também se dizia iniciado por uma rosacrucianistas
alemães (1987: 116). A versão de McIntosh é a mais plausível e decisiva, pois
McKenzie possuía fama de tradutor especialmente de literatura alemã e não seria
difícil ajudar Little em suas intenções. O problema está na autenticidade destes
documentos que foram traduzidos, ou pelo menos quem são seus proprietários.
Para a discussão de lidimidade da
Sociedade, há a participação de William Wynn Westcott (1848-1925), médico e ocultista,
que entra para a entidade em 1880, sendo já componente de outras ordens esotéricas,
incluindo a August Order of Light, sociedade iniciática orientalista que
usava os serviços de um médium (2006:306). Ao seu currículo acrescenta-se o
mister de Venerável da Loja de pesquisas maçônica Quatro Coroados. Na S.R.I.A.
assumiu a função de Mago Supremo em 1891, tendo já participado da fundação, em
1888, da Golden Dawn, ou Ordem Hermética da Aurora Dourada, sendo ainda, representante
da Sociedade Teosófica na África do Sul. Acumulando esta experiência, Westcott
dizia que a sociedade era apenas uma associação de franco maçons para estudar
antigos textos rosacruzes e estabelecer as ligações que existiam entre
rosacrucianismo e franco maçonaria, porém afirmara, em 1880, de acordo com
Rebisse, que a S.R.I.A. não poderia ser considerada herdeira dos rosacruzes
do passado (2012:245). Porém, Sablé afirma que Westcott garantira que a S.R.I.A.
era relacionada à Rosa Cruz de Ouro (ou melhor, Dourada e Rosa Cruz) do século
XVIII, informação tida por falsa segundo as pesquisas de Tom M. Greenvill que
demosntrou não haver nenhuma relação com o movimento rosacruciano anterior
(2006:275). Para Westcott, talvez, a S.R.I.A. não era a mesma proposta
rosacruciana dos Manifestos do século XVII, mas sim do paramaçônico
rosacrucianismo do século XVIII. Esta ideia é aceitável, pois a Sociedade era mais
interessada em ocultismo e Alta Magia do que a alternativa cristã da Tradição
Primordial do Fama, Confessio e Bodas. Porém, McKenzie, que abandonou a
Sociedade em 1875, confessa a Westcott, em 1881, que os textos traduzidos eram
dele e não dos arquivos da Grande Loja da Inglaterra, da qual Little, na versão
oficial, recolheu.
Fez parte da Sociedade, também, o
famoso farsante McGregor Mathers (1859-1918), ou como gostava de ser chamado
Samuel Liddel Mathers, suposto oficial do exército britânico e plagiador do livro
Kabbala Desnudata, de Knor Von Rosenroth. Entra para a S.R.I.A. em 1882 e
em 1903 a abandona. Aliado a Westcott, Mathers foi um dos fundadores da Ordem
Hermética da Aurora Dourada e seu líder em 1891, mas em 1900 também a abandona
para fundar sua Alpha et Omega. Os alemães, também da S.R.I.A., Leopold
Engel (1858-1931) e Theodor Reuss (1855-1923), de acordo com Sablé, fundaram a Ordo
Templi Orientis (ou O T O); e na representação americana, tivemos George
Winslow Plummer (1876-1944) fundador da Santa Igreja Ortodoxa, entidade, no
entanto, esotérica e ocultista (2006:275-276). A S.R.I.A. era um escape para
Mestres Maçons que queriam aprofundamento místico ou esotérico, mas com
intuitos que não eram da alçada maçônica regular. Indubitavelmente, a S.R.I.A.
foi inspiradora de outras Ordens conhecidas no mundo esotérico ocidental.
A S.R.I.A. foi palco de um
embuste envolvendo o famoso esoterista e escritor Bulwer Lytton (1802-1873) o
fazendo presidente de honra ou Patrono Honorário da Sociedade em 1871 sem que o
mesmo soubesse ou, ao menos, aceitasse esta titulação (1987:117). Não aceitando
a honraria, pedidos de desculpas foram lhe dados. A fama de Lytton está
associado com a publicação do livro Zanoni, o mestre rosacruz, de 1842, após
seus estudos de astrologia e magia. O último sucesso de de Lytton foi A raça
a vir, publicado em 1873, que é a história de um povo da superfície, possuidor
de um energia Vril , mescla de eletricidade e fluido vital (2006:57). Não desistindo
da possibilidade de associar Lytton à S.R.I.A. , Westcott elabora uma versão de
que o autor era contactado na Loja Carlos da Luz da Nascente , da Ordem paramaçônica
dos Irmãos Iniciados da Ásia, uma emanação da Rosa Cruz de Ouro do Antigo
Sistema (2012:245). Não há nenhuma evidência de que Lytton fosse maçom, além
de que Westcott, com a ajuda de Mathers, criou a farsa Fraulen Anna Sprengel
como pedra de fundação para a Ordem Hermética da Aurora Dourada, corroborando a
suspeita de que seja mais uma invencionice.
CONCLUSÃO
A Societas Rosacruciana In
Anglia foi a última manifestação paramaçônica rosacruciana, e dela surgiram
outras entidades independentes. Para cada país em que era fundado, a Sociedade
mudava de identificação, por exemplo, em Portugal se chama Societas Rosacruciana
In Lusitânia. Não era um rito maçônico, sequer marginal, porém, se pretendia
ser uma Ordem complementar aos ensinos tradicionais maçônicos.
O rosacrucianismo não estava dependente
à S.R.I.A. mas, não havendo uma institucionalização rosacruz à época de sua
fundação, a entidade representava o ideário rosacruciano no espaço deixado pelas
outras paramaçônicas. Comum às demais, a S.R.I.A. estava cercada de mitos e ficcionismos,
sendo marcante a proliferação de outras entidades esotéricas a partir de seus
associados. O ensino praticado pela S.R.I.A. talvez diferenciasse em detalhes
das outras fundações, mas que seriam fundamentais. Por exemplo, a tematização
sexual fora motivo para fundação da O.T.O. A aspiração pessoal pode ser também elencada
como sendo motivo para a fundação de outras sociedades.
A S.R.I.A., apesar de ainda
existir, não foi uma autêntica instituição rosacruciana, exatamente por sua
natureza paramaçônica. Além disso, não é uma Ordem que seja fiel aos ditames do
rosacrucianismo dos Manifestos. Foi fundada, porém, na intenção de uma reprodução
do que foi entendido como sendo o rosacrucianismo herdado pelo ideário ocultista,
pouco preocupado com a fundamentação bíblica cristã, mas que apela para a filiação
ao cristianismo como sendo correlato à Maçonaria na autenticação da idoneidade dos
seus serviços.
E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução
de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.
SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata
Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.
REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed.
Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Societas_Rosicruciana (acessado em 19/06/2021)
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