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sábado, 19 de junho de 2021

SOCIETAS ROSACRUCIANA IN ANGLIA (S.R.I.A.)- SÉCULO XIX

 

O rosacrucianismo na Inglaterra seguira o exemplo de subordinação à Maçonaria comum no continente durante o século XVIII e boa parte do século XIX, não havendo, por isso, nenhuma Ordem Rosacruz autêntica, de estatuto próprio e independente. A S.R.I.A.-Societas Rosacruciana In Anglia- é um exemplo típico. A S.R.I.A. , existente ainda nos tempos modernos, é um entidade paramaçônica composta de Mestres Maçons Regulares dedicados aos estudos tradicionalmente adequados ao rosacrucianismo.

A fundação desta entidade se dera em 1866 por Robert Wentworth Little (1840-1878), maçom funcionário da Grande Loja Unida da Inglaterra que ,sedento por ocultismo, descobre rituais da Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema ou da Dourada e Rosa Cruz, das quais retira o elenco dos nove graus  (Iº – Zelator IIº – Theoricus IIIº – Practicus IVº – Philosophus Vº – Adeptus Minor VIº – Adeptus Major VIIº – Adeptus Exemptus VIIIº – Magister IXº- Magus), a premissa de ser cristão e a fixação dos membros em número de cento e quarenta e quatro. Recebendo a ajuda de Kenneth McKenzie (1833-1886), linguista versado em alemão e estudioso de magia à la Eliphas Levi, Little criou a versão inglesa das entidades paramaçonicas rosacrucianas.

A S.R.I.A. foi a postimeira manifestação do rosacrucianismo paramaçônico. Sua fundação na França em 1880, antes da formação da Ordem Cabalística da Rosa Cruz, demonstra que a associação do rosacrucianismo na segunda metade do século estava acomodada ao domínio maçônico como sendo um avant plus ultra para Mestre Maçons. Neste tempo, ainda ecoava as aventuras do inglês Sigismund Baestrom, que através de suas anedoctes of the comte Chazal, expunha a respeito de sua iniciação pelo conde de Chazal, um nobre francês, que habitava nas ilhas conhecidas com Mauricio desde 1763 e que teve a oportunidade de conhecer. O conde possuía um laboratório de alquimia, além do dom da vidência. Como de costume, o conde de Chazal era tido por rosacruciano. A difusão desta anedoctes foi feita por Frederick Hockley (1809-1885), ocultista e sequaz da S.R.I.A., que afirmava ter sido Baestrom iniciado por Chazal em 1794, numa fraternidade denominada de Societas Rosae Crucis. Além de anunciar a S.R.I.A. aos franceses, Hockley dava ancianidade à Sociedade a qual fazia parte, o que ajudava na aceitação e no convencimento da sociedade francesa, espacialmente aos interessados em ocultismo. Os autores pesquisados, ainda assim, não corroboram a veracidade das informações das anedoctes.

Neste contexto, a S.R.I.A. foi fundada como sendo uma típica entidade ocultista, baseada em mitos e improváveis fundamentações. Seus partidários eram esotéricos ecléticos que tentavam conciliar, naquele tempo, magia, teurgia e cristianismo, sendo a Maçonaria um atestado de idoneidade. No mais, a S.R.I.A. é representativa como sendo uma entidade difusiva de Alta Magia e tudo o que estava sendo sintetizado como sendo rosacrucianismo, muito aquém da proposta inicial dos Manifestos do século XVII, e além do que seria a Tradição Primordial, baseada em alquimia e cabala.

A CONSUMAÇÃO DA PARAMAÇONARIA ROSACRUCIANA, ENTRE INVENÇÕES E DIFUSÕES.

A Societas Rosacruciana In Anglia, fundada e desenvolvida como sendo uma sociedade paramaçônica rosacruciana, não possui legitimidade junto ao órgão de regularidade maçônica internacional, porém exige que para entrar em suas fileiras seja necessário ser um Mestre Maçom regular e cristão trinitariano. De acordo com Eric Sablé, em seu livro Dicionário dos Rosacruzes, Liitle não relacionou a Sociedade à Maçonaria Regular, mas deve sua iniciativa a uma misteriosa sociedade rosacruciana escocesa que possuía o mais antigo grau da Rosa-Cruz maçônico; esta sociedade estava sediada em Edimburgo da qual se tinha pouquíssimas informações (2006: 274-275). A necessidade de filiação a uma misteriosa ou anciã instituição era o métier das maiorias das entidades esotéricas. Porém, esta sociedade rosacruciana, conhecida pelo fundador em 1866, não é a mesma Societas Rosae Crucis do conde Chazal, eventualmente criada pela S.R.I.A. para cativar os maçons franceses mais nacionalistas quando da fundação da sociedade, em 1880, em terras gálicas. Reforçando a suspicácia de Sablé, o autor Christian Rebisse, em Rosa Cruz História e Mistérios, a afirmação de Little, nunca pôde ser confirmada (2012: 245). Na opinião de Christopher McIntosh, de acordo com seu Os Mistérios da Rosa-Cruz , a S.R.I.A. foi fundada por Little, de fato, com a ajuda de tradução de textos paramaçônicos da Dourada e Rosa Cruz feitas por Kenneth McKenzie, ocultista versado em alemão, que também se dizia iniciado por uma rosacrucianistas alemães (1987: 116). A versão de McIntosh é a mais plausível e decisiva, pois McKenzie possuía fama de tradutor especialmente de literatura alemã e não seria difícil ajudar Little em suas intenções. O problema está na autenticidade destes documentos que foram traduzidos, ou pelo menos quem são seus proprietários.

Para a discussão de lidimidade da Sociedade, há a participação de William Wynn Westcott (1848-1925), médico e ocultista, que entra para a entidade em 1880, sendo já componente de outras ordens esotéricas, incluindo a August Order of Light, sociedade iniciática orientalista que usava os serviços de um médium (2006:306). Ao seu currículo acrescenta-se o mister de Venerável da Loja de pesquisas maçônica Quatro Coroados. Na S.R.I.A. assumiu a função de Mago Supremo em 1891, tendo já participado da fundação, em 1888, da Golden Dawn, ou Ordem Hermética da Aurora Dourada, sendo ainda, representante da Sociedade Teosófica na África do Sul. Acumulando esta experiência, Westcott dizia que a sociedade era apenas uma associação de franco maçons para estudar antigos textos rosacruzes e estabelecer as ligações que existiam entre rosacrucianismo e franco maçonaria, porém afirmara, em 1880, de acordo com Rebisse, que a S.R.I.A. não poderia ser considerada herdeira dos rosacruzes do passado (2012:245). Porém, Sablé afirma que Westcott garantira que a S.R.I.A. era relacionada à Rosa Cruz de Ouro (ou melhor, Dourada e Rosa Cruz) do século XVIII, informação tida por falsa segundo as pesquisas de Tom M. Greenvill que demosntrou não haver nenhuma relação com o movimento rosacruciano anterior (2006:275). Para Westcott, talvez, a S.R.I.A. não era a mesma proposta rosacruciana dos Manifestos do século XVII, mas sim do paramaçônico rosacrucianismo do século XVIII. Esta ideia é aceitável, pois a Sociedade era mais interessada em ocultismo e Alta Magia do que a alternativa cristã da Tradição Primordial do Fama, Confessio e Bodas. Porém, McKenzie, que abandonou a Sociedade em 1875, confessa a Westcott, em 1881, que os textos traduzidos eram dele e não dos arquivos da Grande Loja da Inglaterra, da qual Little, na versão oficial, recolheu.

Fez parte da Sociedade, também, o famoso farsante McGregor Mathers (1859-1918), ou como gostava de ser chamado Samuel Liddel Mathers, suposto oficial do exército britânico e plagiador do livro Kabbala Desnudata, de Knor Von Rosenroth. Entra para a S.R.I.A. em 1882 e em 1903 a abandona. Aliado a Westcott, Mathers foi um dos fundadores da Ordem Hermética da Aurora Dourada e seu líder em 1891, mas em 1900 também a abandona para fundar sua Alpha et Omega. Os alemães, também da S.R.I.A., Leopold Engel (1858-1931) e Theodor Reuss (1855-1923), de acordo com Sablé, fundaram a Ordo Templi Orientis (ou O T O); e na representação americana, tivemos George Winslow Plummer (1876-1944) fundador da Santa Igreja Ortodoxa, entidade, no entanto, esotérica e ocultista (2006:275-276). A S.R.I.A. era um escape para Mestres Maçons que queriam aprofundamento místico ou esotérico, mas com intuitos que não eram da alçada maçônica regular. Indubitavelmente, a S.R.I.A. foi inspiradora de outras Ordens conhecidas no mundo esotérico ocidental.

A S.R.I.A. foi palco de um embuste envolvendo o famoso esoterista e escritor Bulwer Lytton (1802-1873) o fazendo presidente de honra ou Patrono Honorário da Sociedade em 1871 sem que o mesmo soubesse ou, ao menos, aceitasse esta titulação (1987:117). Não aceitando a honraria, pedidos de desculpas foram lhe dados. A fama de Lytton está associado com a publicação do livro Zanoni, o mestre rosacruz, de 1842, após seus estudos de astrologia e magia. O último sucesso de de Lytton foi A raça a vir, publicado em 1873, que é a história de um povo da superfície, possuidor de um energia Vril , mescla de eletricidade e fluido vital (2006:57). Não desistindo da possibilidade de associar Lytton à S.R.I.A. , Westcott elabora uma versão de que o autor era contactado na Loja Carlos da Luz da Nascente , da Ordem paramaçônica dos Irmãos Iniciados da Ásia, uma emanação da Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema (2012:245). Não há nenhuma evidência de que Lytton fosse maçom, além de que Westcott, com a ajuda de Mathers, criou a farsa Fraulen Anna Sprengel como pedra de fundação para a Ordem Hermética da Aurora Dourada, corroborando a suspeita de que seja mais uma invencionice.

CONCLUSÃO

A Societas Rosacruciana In Anglia foi a última manifestação paramaçônica rosacruciana, e dela surgiram outras entidades independentes. Para cada país em que era fundado, a Sociedade mudava de identificação, por exemplo, em Portugal se chama Societas Rosacruciana In Lusitânia. Não era um rito maçônico, sequer marginal, porém, se pretendia ser uma Ordem complementar aos ensinos tradicionais maçônicos.

O rosacrucianismo não estava dependente à S.R.I.A. mas, não havendo uma institucionalização rosacruz à época de sua fundação, a entidade representava o ideário rosacruciano no espaço deixado pelas outras paramaçônicas. Comum às demais, a S.R.I.A. estava cercada de mitos e ficcionismos, sendo marcante a proliferação de outras entidades esotéricas a partir de seus associados. O ensino praticado pela S.R.I.A. talvez diferenciasse em detalhes das outras fundações, mas que seriam fundamentais. Por exemplo, a tematização sexual fora motivo para fundação da O.T.O. A aspiração pessoal pode ser também elencada como sendo motivo para a fundação de outras sociedades.

A S.R.I.A., apesar de ainda existir, não foi uma autêntica instituição rosacruciana, exatamente por sua natureza paramaçônica. Além disso, não é uma Ordem que seja fiel aos ditames do rosacrucianismo dos Manifestos. Foi fundada, porém, na intenção de uma reprodução do que foi entendido como sendo o rosacrucianismo herdado pelo ideário ocultista, pouco preocupado com a fundamentação bíblica cristã, mas que apela para a filiação ao cristianismo como sendo correlato à Maçonaria na autenticação da idoneidade dos seus serviços.  

E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Societas_Rosicruciana (acessado em 19/06/2021)

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