O ideário rosacruciano na segunda metade do século XVII, por
motivos não muito bem esclarecidos, foi desvanecendo. Talvez o acirramento da
Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a posterior reorganização da Europa, assim
como a reafirmação das confissões cristãs, oferecendo um apropriado conforto
espiritual à população cansada da guerra, tenham sido causas que afastaram o
interesse à alternativa rosacruciana. A falta de missionários, a extrema
misteriosidade e a invisibilidade institucional não ajudavam ao ideário
rosacruciano a sair do campo do imaginário. A tentativa de Peter Mormius em
reformular o rosacrucianismo e inventar uma Ordem Rosacruz foi imediatamente desfeita
por sua própria ambição. A tal Rosa Cruz de Ouro, de Frederico Rosa, não
convenceu, mas foi decisiva no abandono do apelo cristão, comuns nos Manifestos
Fama e Confessio e nos autores supostamente rosacruzes, a exemplo
de Robert Fludd, na Inglaterra e do autor do Terceiro Manifesto, o Bodas Alquímicas, de Valentim Andrea, na Alemanha. O interesse
do rosacrucianismo estaria devotado, após as reformulações, à alquimia e à
cabala de cunho adivinhatória e de encantamento.
Não havia uma instituição organizada rosacruciana para
recepcionar pessoas identificadas com esta filosofia ou alternativa religiosa.
A ausência de rosacruzes na Europa incomodava os maiores entusiastas, inclusive
rumores diziam que estes místicos foram para Ásia, tentando com isso manter
aceso o ardor daqueles que sonhavam com a fraternidade. A sociedade europeia
estava ansiosa por uma instituição que de modo escolar transmitisse o know
how alquímico-cabalístico, que produziriam elixires e mapas astrais. São
estes alguns motivos que faziam autores que se associavam ao rosacrucianismo
receber considerável fascínio nas cortes. Na falta de comprovação cabal da
existência de uma Ordem Rosacruz concreta e de reconhecida pertença de pessoas
que demonstravam suas incríveis capacidades, o rosacrucianismo estaria ameaçado
pela falta de tateabilidade. O elemento sintetizador das práticas ocultistas
estava prestes a se perder, mas a possibilidade criar ouro por meio da alquimia
ou de receber a cura de certas doenças, ou até manipular o tempo, não fazia
desaparecer o imaginário rosacruciano. Estas eram parte das promessas que
faziam com que os europeus de todos os estratos sociais mantivessem o sonho,
apesar da falta de qualquer indício.
Contextualizados com estas demandas, os escritores de
rosacrucianismo alteraram, muito sabiamente, a proposta da suposta ordem, a
deixando associada apenas a cunho materialista. Desse modo, a alternativa
cristã proposta por “Christian Rosenkreutz” foi substituída pela proposta mais
alinhada ao ocultismo, de “Frederico Rosa”, a fraternidade ou sociedade
Rosacruz, ou Colégio Invisível, foi redimensionada para a Rosa Cruz de Ouro,
destacando aquilo que mais interessava aos postulantes. Esta proposta não
recebera o devido apoio em sua terra de origem, a Holanda, mas sua essência, de
fator pragmático e materialista, foi utilizada naquilo que seria entendido como
um novo rosacrucianismo a partir do século XVIII nos mesmos territórios em que
foram férteis aos Manifestos.
A PREVALECÊNCIA DA ALQUIMIA PARA O ROSACRUCIANISMO DA
DOURADA E ROSACRUZ.
A prática da alquimia era um dos proponentes da Tradição
Primordial, sendo, porém, seu instrumental. Para além da adivinhação pelos
astros ou pela cabalística, a alquimia fornecia, pelo naturalismo, curas para
doenças ou rápida aquisição de ouro. Em suma, com a alquimia um indivíduo
poderia ter saúde e riquezas. O rosacrucianismo referente aos Manifestos do
início do século XVII estava influenciado pelo pietismo cristão em sua
essência, a alquimia espiritual prevalecia sobre qualquer promessa material.
Apesar de autores entusiastas, como Michael Maier, escreverem sobre a
possibilidade alquímica que tanto fascinava as cortes, estes não devem ser
considerados como representantes de uma Ordem Rosacruz, pois além de não
estarem de acordo com a espiritualidade dos Manifestos, não estavam filiados
assumidamente a qualquer fraternidade ou sociedade Rosacruz.
A alquimia do rosacrucianismo inicial, para Cristopher
McIntosh, no seu Mistérios da Rosacruz, era uma prática ressignificada
relacionada à mudança de comportamento do indivíduo, ou seja, uma transmutação
espiritual. Esta era ideia de Julianus de Campis em Sendbrieff (1615),
pseudônimo provável de Julius Sperber (1540-1616), considerado um dos
escritores do Fama e do Confessio, que fazia de a alquimia
trabalhar o material do espírito. A tática de promoção do
rosacrucianismo como movimento alquímico teria sido iniciado por Michael Maier,
que buscando afirmação junto aos reis europeus, principalmente o esoterista Jaime
I da Inglaterra, dizia que os rosacruzes tinham a produção do ouro material.
A defesa era feita na esfera de que era uma irmandade de médicos e químicos,
mas não estabeleciam local de reunião, ou como descreve McIntosh, não lança
luz sobre a fraternidade propriamente dita (1987:58). Consoante Eric Sablé,
em Dicionário dos Rosa Cruzes, Sperber era um profeta que recebera em
sonho a revelação de 1596, que dizia estar próximo o retorno de Elias, a Era do
Espírito Santo, com uma grande reforma no início do século XVII pois tudo
estava mudando com a religião e a ciência. Um colégio de sábios, por ele
fundado, formaria pessoas dedicadas ao estudo e a prece. A Tradição Primordial
também era defendida por Sperber, que acreditava que o conhecimento de Adão
estaria preservado por iniciados por toda a história até então, o curioso é que
Sablé afirma que Sperber condenava os Manifestos como um roubo de suas ideias,
desconsiderando-o totalmente como sendo um dos colaboradores (2006: 279). Para
Christian Rebisse, autor de Rosa Cruz História e Mistérios, livro
editado pela AMORC, Julius Sperber era um defensor da Ordem Rosacruz como sendo
a detentora do saber secreto de Adão (2012:153). A crença da prática
centrada na alquimia também faz parte de Ireneaus Agnostus, pseudônimo de
Friederick Grick, o qual McIntosh desconfia ser um embusteiro, pois em momentos
se dizia ser participante da fraternidade, manipulando a pedra filosofal, mas
em outros momentos zombava daqueles que acreditavam na existência da tal
fraternidade (1987:59). A corrente de Maier e Agnostus (Grick), que também
defendiam a doutrina da Tradição Primordial, prevaleceu sobre a corrente
influenciada por Speber e o materialismo foi a tônica do apelo rosacruciano,
principalmente no período de crise pós Guerra dos Trina Anos que causou sérias
devastações.
Neste ínterim, é simbólico o exemplo de Joachim Morsius
(1593-1643), ilustrado por McIntosh, como sendo evasiva a mentalidade
fantástica dos crentes no rosacrucianismo. Interessado em conhecimentos
esotéricos e alquímicos, Morsius destruiu suas economias. Buscou fazer parte da
fraternidade Rosacruz mandando as famosas cartas, mas nunca recebeu respostas. Conheceu
Andrea e Jacob Boehme (1575-1624), este considerado verdadeiro rosacruz, que o
aconselhou a buscar a reforma em Cristo. Para McIntosh, Morsius talvez
tenha falhado em sua busca, mas o sonho continuaria a ser alimentado por outras
mentes (1987:61). A defesa de uma Ordem Rosacruz não era interessante,
exceto se quem a defendesse recebe algo em troca, como por exemplo fama
literária ou reconhecimento nas Cortes. Para quem buscava fazer parte da
suposta fraternidade, de modo sincero ou não, a jornada era um imenso vazio.
Porém, esta existia nos escritos de autores perspicazes, como por exemplo Peter
Mormius, que criara a Ordem Rosa Cruz de Ouro, em 1630, na Holanda,
desconsiderando o Christian Rosenkreutz dos Manifestos e favorecendo um novo
fundador, o Frederico Rosa, que será a nova referência para as misteriosas
práticas rosacrucianas embasadas na alquimia, especialmente a transformação em
ouro. Os holandeses não acreditaram na invenção de Mormius, principalmente os
de Haia, aos quais tentou vender os conhecimentos a ele confiados pelo restrito
grupo de três rosacruzes da Ordem Rosa Cruz de Ouro (2006:243-244). A aventura
de Mormius não poderia ser considerada como a fundação de uma instituição, ao
limitar o número máximo de três componentes para a Ordem de Frederico Rosa,
estava se omitindo de qualquer associação direta com esta Ordem, pois seria
apenas um famulus. Provavelmente, se sua falácia fosse bem aceita nos
meios da alta sociedade holandesa, lhe seria dado tempo para elaborar sua
instituição de modo mais organizado e concreto. Não havendo êxito, Mormius
tenta carreira literária oferecendo os segredos a ele confiados.
Independentemente dos meios utilizados por Mormius, não houve violência dos
holandeses à sua atitude em usar a marca Rosacruz. Esta tolerância ao
rosacrucianismo foi comum também na Alemanha e na Inglaterra, pelo menos. Na
França, a resistência era passível de ridicularização, pois não havia nada além
dos Cartazes de Paris.
Para McIntosh, o Rosacrucianismo alquímico ficará num
rápido ostracismo e será reutilizado na sociedade alemã com a publicação do
livro A Verdadeira e Completa preparação da Pedra Filosofal da Fraternidade,
da Ordem da Dourada Rosa Cruz, em 1710, escrita por Sincerus Renatus,
alcunha para Samuel Richter, pastor na Silésia, profundo interessado em
alquimia e medicina (1987:75). O nome desta Ordem é anunciado diferente no
livro de Rebisse, chamada de Fraternidade da Ordem da Rosa Cruz de Ouro e da
Rosa Vermelha, ou apenas Rosa Cruz de Ouro (2012:201). A inserção oficial da
Rosa Vermelha como sendo um símbolo rosacruciano parece ser deste tempo. O
livro seria uma descrição feita por um professor de arte, que Sincerus
não revelou quem seria e revelava regras do que McIntosh denominou de pretensa
ordem rosacruciana (1987:76). Dentre as regras, havia detalhes da
iniciação, votos e cumprimentos, confessa ainda que havia um Imperator
vitalício que mudava de nome e cidade periodicamente. A Pedra Filosofal era
manipulada pelos irmãos, mas nenhum morava na Europa e sim na Índia, velho
ardil para esconder a inexistência da pretendida instituição. Para além disso,
dizia que a Ordem recebera influência de uma ordem alquímica dos
inseparáveis, fundada em 1577, que de acordo com Rebisse parece não ter
existido (2012:201). Aliás, Rebisse parece crer que a Rosa Cruz de Ouro estava
instituída em 1710 pois está numa linha de tempo que culmina com a fundação da
AMORC, mas a falta de indícios e inconsistências faz com que permaneça a
suspeita de pretensa Ordem feita por McIntosh. A ideia de um Imperator,
por exemplo, provavelmente tenha em Sincerus a influência para este título
utilizado pela AMORC, justificando a sua menção como parte de uma história
unificada, mas importa saber o motivo da omissão do pretendido primeiro Imperator
Francis Bacon, caso houvesse esta uniformidade.
Percebemos que o intuito de nomear um mito fundador está
perdido para o rosacrucianismo na primeira metade do século XVIII, a Ordem Rosa
Cruz de Ouro, de Sincerus Renatus, não apela nem para Christian Rosenkreutz nem
para Frederico Rosa, mas a um inominável professor de arte, colocando
ainda a Ordem secundarizada pela ordem alquímica dos inseparáveis. A
secundarização do rosacrucianismo também fez parte na influência para o
aparecimento de uma ordem Rosacruz, termo utilizado por Rebisse, a
partir da atuação de Herman Fictuld (1700-1777), alcunha de Johan Heinrich
Schmidt (2012:202). O livro de Fictuld, O Tosão de Ouro, lançado em 1749,
relata uma Ordem, fundada a cerca de 1492, a Tosão de Ouro, que deixara como
herdeira uma sociedade dos rosacruzes de ouro. Para Sablé, Schimidt era
boêmio e autor de várias obras de alquimia, em 1747 conhecera uma fraternidade
secreta de alquimistas, a Dourada Rosa Cruz (2006:247-248). Esta misteriosa
e secreta fraternidade está denominada por McIntosh como Dourada e Rosa Cruz,
não sendo, aliás, uma sociedade ou fraternidade propriamente dita, mas uma ramificação
maçônica (1987:86). Subordinada à Maçonaria, esta entidade, ou círculo de
estudos, ou quiçá, um triângulo maçônico, estava localizada no ducado alemão de
Salzbach, trabalhavam com alquimia, cabala e ocultismo, ou seja, era
essencialmente rosacruciana. Esta fraternidade de estudos era nacionalista,
conservadora e elitista, além do cunho esotérico, e estavam reunidos em torno
da discrição maçônica. Por motivos não esclarecidos, as autoridades austríacas
decidiram perseguir a Dourada e Rosa Cruz. Na teoria defendida por McIntosh, o
verdadeiro texto fundador para esta entidade fora o Opus Mago-Cabalisticum
et Theologicum, de Georg Von Welling, lançado em 1719 na cidade de
Frankfurt, com texto de difícil compreensão, mas que fez um pouco de fama
(1987:92-93). Após as perseguições de 1766, a Dourada e Rosa Cruz foi associada
totalmente à Maçonaria, que se tornara um sistema de Altos Graus e Ritualística
reservado apenas aos Mestres Maçons. No ano de 1767 foram lançados os nove
graus rosacrucianistas com a promessa de conhecimentos para transformar qualquer
quantidade de ouro com sua pedra filosofal (1987:95). A pretensa
institucionalização da Rosacruz sofreria mais este decalque, além de secundarização
das origens, a novidade era de diluição da autonomia e da caracterização
individual.
A Dourada e Rosa Cruz seria uma sociedade de
chamariz caça-níquel ao prometer enriquecimento para seus participantes. O
rosacrucianismo espiritualista e interessado por temas cristãos foi reformulado
por aquilo que mais interessava à população em geral, a alquimia e a
transformação pela pedra filosofal de qualquer coisa em ouro. A temática e a
nomenclatura do ouro seria marca durante o século XVIII daquilo que se
propusera rosacrucianismo. A Rosa Cruz Dourada, de Sincerus, e a Dourada e Rosa
Cruz, de Fictuld, de finalidades e puerilidade em comum, não foram competentes
para firmar uma canonicidade que marcasse a fundação de uma instituição
Rosacruz, tal como desejam os que a buscavam e a imaginavam. O
rosacrucianismo do mito fundador dos Manifestos estava inadequado para estes
tempos, a pluralidade de mitos fundadores e o oportunismo de embusteiros
influenciaram na imprecisão e envilecimento da ideia.
CONCLUSÃO
O rosacrucianismo, no século XVIII, estava reformulado em suas
intenções, mas continuava sem uma institucionalização materializada em Templos
ou formação de Loja, tal como esperavam os entusiastas. Com a finalidade baseada
quase que exclusivamente no projeto alquímico, a ideia estava contaminada com a
ambição pelo vil metal. Não havendo uma Instituição, pessoas criaram associações
fantasiosas.
O rosacrucianismo, para o novo tempo, estava afastado de sua
ideia original cristã e espiritualista. A ideia principal estava focada na produção
de ouro, dentre outras maravilhas. Para isso, mudaram o nome do mito fundador,
criando uma entidade indiferente ao espiritualismo, como foi a invenção do alquimista
Frederico Rosa pela suposta Rosa Cruz de Ouro, de Peter Mormius, ou a
secundarização da Ordem Rosa Dourada, despojo de outra ordem , a dos inseparáveis,
provavelmente invenção por Sincerus Renatus. Deste modo, temos o mito de
origem sem identidade de um fundador e ainda dependente de uma entidade mais velha.
Esta nova ideia de rosacrucianismo é diferente do que se pretendia nos Manifetos,
pois havia a identidade de um fundador, o Christian Rosenkreutz, uma essência cristã
e uma originalidade “institucional”, a Fraternidade Rosacruz seria fundada pelo
recipiendiário da Tradição Primordial.
Para além de não constituir uma entidade material, institucional
e documental, o que estava sendo entendido por rosacrucianismo foi diluído como
sendo um Rito maçônico pela Dourada e Rosacruz , de Herman Fictuld, sintetizando
toda mesquinharia e atiçando a cobiça de pessoas com a promessa de que sabiam
fazer ouro, meta e propaganda, aliás, comum desde a invenção da Rosa Cruz de Ouro,
que influenciou, possivelmente, a Dourada e Rosa Cruz ou Rosa Cruz Dourada. Porém,
a Dourada e Rosa Cruz não deve ser honestamente entendida como sendo uma Ordem
ou Fraternidade tipicamente Rosacruz, ela é parte da instituição maçônica, dependente
desta, como sendo uma alternativa ritualística, baseada ainda no apelativo
aurífero charlatão.
E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução
de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.
REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed.
Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.
SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata
Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.
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