O rosacrucianismo a partir da Dourada e Rosa Cruz ( Gould
und Rosenkreutz) foi interrelacionada à Ordem Maçônica, pois para que se fosse
partícipe dos mistérios rosacrucianistas era necessário estar graduado em todos
os Graus Simbólicos maçônicos. Devido a esta diretriz, não podemos falar
honestamente em uma Ordem Rosacruz institucionalizada e independente. Apesar do
rosacrucianismo estar sendo propalado em termos práticos, sua autoridade
consiste apenas em estudos quase que estritamente alquímicos , não havendo uma
doutrinação que a faça distinta do que se prega, em termos gerais na Maçonaria,
ou que defenda causas originadas dos Manifestos do século XVII. A Tradição
Primordial, como sendo um exemplo clássico de doutrina Rosacruz, foi sendo
renegada a favor das maravilhas ostentadas pela alquimia e para isso foi útil,
para os teóricos desta modalidade de rosacrucianismo, a associação com as Lojas
Maçônicas, principalmente por seu sigilo.
A Dourada e Rosa Cruz, organizada e estruturada como Rito
maçônico, ou seja, acessória à Maçonaria, estava assoberbada apenas com os usos
alquímicos e, invariavelmente, ocultistas. Por exemplo, Christian Rebisse, no
livro Rosa Cruz História e Mistérios, ao analisar a entidade, a
considera herdeira da tal Ordem do Tosão de Ouro, descreve a adoção de Lojas
maçônicas do rito maçônico rosa cruz, sendo que na Loja Três Espadas, de
Viena, em 1771, aceitava este rito rosacruz que cultivava a alquimia
e a teurgia (2012:202). O rosacrucianismo, antes pretendido como uma Ordem
ou Fraternidade, estava perdendo qualquer autenticidade, sendo reduzida à
diluição em um “rito maçônico” praticamente não oficial e muito pouco aceito.
Neste contexto, surge a Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema,
que de acordo com Rebisse seria uma nova ordem maçônica rosacruz , cujo
centro de atividades seria a Loja dos Três Globos, em Berlim, a qual os Altos
Graus seriam os mesmos nove graus da Dourada e Rosa Cruz ( Juniores,
Theoreticus, Philosophi, Minores, Majores, Adepti, Exempti, Magistri e Magi).
De acordo com o autor, uma convenção da ordem, teria sido feita em 1777, na
cidade de Praga (2012:204). Não está esclarecido se a Rosa Cruz do Antigo
Sistema era, de fato, uma Ordem Rosa Cruz, institucionalizada e independente,
ou se era uma filiação maçônica. Aliás, Rebisse declara que até então o
rosacrucianismo só dera origem a pequenos grupos de que não se descobriu nenhum
ritual (2012:206). Porém, difícil também é comprovar que existiam estes
“pequenos grupos”, que não deixaram vestígios ritualísticos para materializar
aquilo que era escrito por autores que usavam a mitologia Rosacruz para fazer
fama.
Para Christopher McIntosh, no Os Mistérios da Rosa Cruz,
o ideário rosacrucianista fora infiltrado na Maçonaria por entusiastas da alquimia
fantástica, principalmemte por Johan Christopher Wollner (1732-1800), maçom da
Estrita Observância, Rito fundado em 1700 na Alemanha (1987:99-101). Considerando
a atuação de Wollner, tendo como modelo a Estrita Observância, a Rosa Cruz de Ouro
do Antigo Sistema era, muito provavelmente, um Rito maçônico responsável por
formações de Altos Graus, que estão além da Maçonaria Simbólica dos três graus
praticados em Loja simbólica, não sendo, desse modo, uma Ordem Rosacruz. A apelação
deste Rito rosacruciano estava nas promessas de curas e produção de ouro, à
moda da Dourada e Rosa Cruz, a qual foi inspirada.
A fundação deste Rito se deve, em grande medida, pela adesão
do Kaiser Frederico Guilherme (1744-1797) aos discursos rosacrucianistas de
Wollner que aliado a Johan Rudolf von Bischoffeswerder (1741-1803) reformularam
a Dourada e Rosa Cruz, fundando o novo sistema. Para Eric Sablé, do Dicionário
dos Rosa Cruzes, os fundadores estavam dedicados a iludir o curioso jovem príncipe
através de comunicações espiritistas, inclusive utilizando ventríloquos e jogos
de espelhos para incrementar as ilusões (2006:251). Além destas presepadas,
Frederico Guilherme teria sido curado de uma doença por elixires aplicados por Johan
Rudolf, que teria aprendido a fazê-los por manuais rosacruzes. Porém, a amizade
do príncipe com Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), maçom e musicista de sua
Corte, pode ter tido parte em sua decisão em ingressar à Maçonaria e, desta, ao
Rito da Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema. O príncipe começa a frequentar o
novo sistema em 1781 e se torna Kaiser em 1786, para deleite dos seus
iniciadores que conseguiram cargos importantes na administração. Percebamos que
para McIntosh e Sablé a Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema está intrinsecamente
relacionada aos dois alemães charlatões, mas para Rebisse este Rito já existia desde
1777, baseada em uma suposta convenção estranhamente feita em Praga e não na
cidade o qual era praticado o Rito, Berlim. Talvez, seja intenção do autor
rosacruz afastar a relação definitiva dos impostores ao Rito. Porém, será com o
desinteresse destes que o Rito desaparecerá.
Para dar uma aura de ineditismo, um novo mito fundador foi
criado para justificar e dar ancianidade ao Rito Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema.
O criador do Rito teria sido Ormuz, um sábio egípcio batizado por São Marcos,
que cristianizara os mistérios egípcios e teria fundado a Ordem dos Ormusianos
ou de acordo com Sablé, a Ordem dos Irmãos do Oriente, cujo o símbolo era uma
cruz esmaltada de vermelho. Os essênios ao terem se iniciado nesta Ordem, em
151, fundaram a Ordem dos Guardiões do Segredo de Maomé, Salomão e Hermes. A
Ordem não admitia mais que sete membros, mas modicariam seu estatuto ao aceitar
os Cavaleiros Templários, no século XII. Com a perca da Palestina, três dos
Templários foram para a Europa, precisamente à Escócia, e fundaram a Ordem dos
Construtores do Oriente, que acrescentava a Rosa, símbolo das famílias York e
Lancaster, à Cruz ormusiana. Este mito não está relacionado praticamente em
nada com o Christian Rosenkreutz, dos Manifetos do século XVII, nem com a
compreensão de fundação do rosacrucianismo daqueles que se diziam rosacruzes naquele
tempo. A ideia, neste novo tempo, seria aproximar o rosacrucianismo com os
discursos fundadores da Maçonaria, pois estava sendo acomodado a ideia de subordinação
à instituição regular maçônica, seja por sua organização, seja por sua
aceitação entre elementos de Corte. Além disso, a instituição Maçonaria dava
uma proteção moral e esotérica, por seu sigilo e juramento, a experimentos de
organizações de cunho rosacrucianista.
O movimento franco maçom rosacruciano do Rito Rosa Cruz
de Ouro do Antigo Sistema foi desaparecido em 1787, por inatividade dos seus
fundadores que, de acordo com Sablé, estavam ocupados com os cargos que receberam
do influenciável Kaiser, dando a impressão que esse era o principal motivador
da fundação do novo sistema (2006:251). De acordo com Rebisse, foi derivado
deste Rito a fundação do Rito dos Irmãos Iniciados da Ásia, em 1779, e a
feitura do livro Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos séculos XVI e XVII,
entre 1785-1788, considerado o livro rosacruz mais importante depois dos três
Manifestos (2012:205).
OS IRMÃOS INICIADOS DA ÁSIA, SAINT-GERMAIN E A SUBORDINAÇÃO DO ROSACRUCIANISMO À ORDEM MAÇÔNICA.
A Ordem, ou propriamente Rito, dos Irmãos Iniciados da Ásia
era um sistema de Altos Graus da Maçonaria regular. O famoso conde de Saint Germain
(1696-1784) fizera parte deste Rito. Místico, poliglota e erudito, Saint Germain
conseguiu adentrar na corte de Luis XV em 1758 com a fama de fazer crescer o
tamanho do ouro e do diamante e por ser um empresário de uma tinturaria, em Tornai,
de seda e lã. Por inerência ao Rito em análise, Saint Germain, também maçom, fazia
palestras em diversas Lojas, especialmente na Loja dos Filaletos, supostamente
praticante do Rito dos Irmãos Iniciados na Ásia, ficando famoso nos meios
maçônicos da França e da Alemanha. A maior fama, entretanto, de Saint Germain
era de que fosse imortal. A lenda foi praticamente reforçada pela Maçonaria
francesa. De acordo com Sablé, baseado nas memórias do amigo pessoal de Saint
Germain, Carlos de Hesse Cassel, o místico morreu no castelo deste em 1784
atestado documentalmente pela igreja Eckernfaude, de Hesse-Cassel, na Alemanha
(2006:265-267). Porém, maçons parisienses mostraram atas de participação de Saint-Germain
em sessões de 1785... Foram nestes ambientes que Saint Germain foi construído como
sendo um emblema para o esoterismo ocidental. Considerado por muitos como um
Mestre Ascensionado e mestre na Fraternidade Branca, o personagem é parte do discurso,
que segundo Serge Hutin, no seu Esoterismo na História, da história
secreta tradicional a qual se permite imaginar a atividade invisível de alguém
nos bastidores dos acontecimentos históricos. Nisso, e por isso, Saint Germain
foi situado em conspirações da Rússia à França, sempre atuando de modo a fazer
o bem (2004: 108-110).
Na versão de Eric Sablé, o Rito dos Irmãos Iniciados da Ásia
foi fundado pelo barão polonês Ecker Und Eschoffer (1750-1790), em 1781, membro
do Rosa de Cruz de Ouro do Antigo Sistema, mas que por desilusão desconfiava
que o rosacrucianismo era uma invenção jesuíta para infiltração e manipulação da
Ordem Maçônica.Com esta ideia, lançou em 1782 o panfleto anti rosacruz
denominado Rosa Cruz desnudada. Maçom convicto, Eschoffer acreditava
ainda que a Parusia de Cristo se daria por meio da Maçonaria. A doutrina deste
Rito era baseada em revelações cabalísticas e seus Altos Graus eram os de
Pesquisador ou Sofredor, Cavaleiro ou Iniciado, Mestre dos Sábios e Sacerdotes,
culminando com o Ordem de Mesquisedec. Aliás, Carlos de Hesse-Cassel
(1744-1836), protetor de Saint Germain, foi Grão Mestre deste Rito, que seria
similar ao Rito Escocês Retificado e que por homenagem fundara a Loja Carlos da
Luz Nascente (2006: 69). A narrativa de Sablé parece ser mais convincente e
isenta que a utilizada por Christian Rebisse, pois fundamenta o autor e as motivações
que fizeram haver o novo Rito.
O rosacrucianismo, neste contexto, estava subordinado à Maçonaria
como sendo um dos seus Ritos. Não havia uma instituição Rosa Cruz, composta por
Lojas, estatuto ou formalidades de licitude que a tornasse independente por
Ordem. O interesse estava apenas em termos práticos para os usuários do
rosacrucianismo, alquimia para transformar ouro ou Cabala para prevenção do futuro.
A Tradição Primordial, doutrina fundamental do rosacrucianismo de Tubingen, não
excluída a alquimia, a Cabala ou a Astrologia, mas a espiritualidade destas
práticas tinha um teor bem mais espiritualista que utilitarista. Os novos
tempos deturparam o idealismo rosacruciano e a Maçonaria, de certo modo, foi usada
por charlatões para que pensamentos mesquinhos fossem intentados em suas Lojas.
Porém, desde os Manifestos, a problemática rosacruciana em estabelecer uma
Ordem ou de manter uma doutrina coesa e exclusivamente espiritualista foi uma
constante em todo o tempo analisado. O Rosacrucianismo em sua intepretação
clássica e de cunho cristão, isento das fantasias alquímicas, está presente no
Rito Escocês Antigo e Aceito nos Altos Graus compartimentados com a denominação
de Graus Capitulares, especificamente o Grau 18, o do Cavaleiro Rosacruz, que
celebra exatamente, à exemplo dos Irmãos Iniciados da Ásia, a instauração
cristã.
CONCLUSÃO
A Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema, em análise de acordo
com a bibliografia utilizada, foi classificado mais como um embuste caça níquel
do que uma séria iniciativa espiritualista, que seria natural, seja pela sua
relação com o rosacrucianismo, seja pela sua associação, herdada da Dourada e
Rosa Cruz, não obstante, com a Maçonaria, típica escola iniciática. A
composição social destes Ritos ditos rosacrucianos era elitista, pelo menos no
que no que tange na identificação dos Altos Graus com os títulos nobiliárquicos.
Historicamente, seria muito raro, inclusive na França estamental absolutista ou
na Alemanha aristocrática, a participação de pessoas do povo, por mais esclarecidas
que fossem nestes meios iniciáticos, o que parecia ser um afã das classes
abastadas. O tédio do cotidiano e a ilusão de aumentar suas posses, ou quiçá
fazer subir de nível nas titulações aristocráticas, atraía estes elementos facilmente
para propostas tentadoras de desafiar o desconhecido. Deste modo, retira-se
qualquer proposta espiritualista e coloca-se o materialismo, estimulando a ambição
e a mesquinharia, tanto de quem convida como para quem recebe o convite.
A reação dos Irmãos Iniciados da Ásia, com a proposta espiritualista,
independente da mentalidade conspiratória que a legitimou, tenta elevar e
respeitar a transcendência priorizada pela Maçonaria, desde seus tempos de
formação. A identidade com o Cavalheirismo Templário está imbuído deste desprendimento
material e na aceitação que há algo maior e acima da compreensão humana e que
os homens são, por si e sem Deus, ameaçadores e corruptos. Como bem sabemos do
que foi vítima a Ordem dos Templários, cobiça
e traição, estes serão exemplos para que a Ordem Maçônica não seja instrumento
de interesses escusos. O falso ou mal interpretado rosacrucianismo alquímico-cabalístico
aurífero, ao tentar usar a Ordem Maçônica recebe a reação depurativa, fazendo
manifestar a reassociação do rosacrucianismo com sua essência e tornando
irmanadas Maçonaria e Rosacruz, através dos escocecismos e seus Graus Cavalheirescos.
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HUTIN, Serge. O esoterismo da História Da Atlântida aos
Estados Unidos De Cagliostro à Mary Poppins. Tradução de Rosana Pontes.
Curitiba: Grande Loja de Jurisdição portuguesa, 2004.
MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução
de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.
REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed.
Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.
SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata
Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.
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