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sábado, 29 de maio de 2021

A ROSA CRUZ DE OURO DO ANTIGO SISTEMA E A ASSOCIAÇÃO DO ROSACRUCIANISMO À MAÇONARIA-SÉCULO XVIII

 

O rosacrucianismo a partir da Dourada e Rosa Cruz ( Gould und Rosenkreutz) foi interrelacionada à Ordem Maçônica, pois para que se fosse partícipe dos mistérios rosacrucianistas era necessário estar graduado em todos os Graus Simbólicos maçônicos. Devido a esta diretriz, não podemos falar honestamente em uma Ordem Rosacruz institucionalizada e independente. Apesar do rosacrucianismo estar sendo propalado em termos práticos, sua autoridade consiste apenas em estudos quase que estritamente alquímicos , não havendo uma doutrinação que a faça distinta do que se prega, em termos gerais na Maçonaria, ou que defenda causas originadas dos Manifestos do século XVII. A Tradição Primordial, como sendo um exemplo clássico de doutrina Rosacruz, foi sendo renegada a favor das maravilhas ostentadas pela alquimia e para isso foi útil, para os teóricos desta modalidade de rosacrucianismo, a associação com as Lojas Maçônicas, principalmente por seu sigilo.

A Dourada e Rosa Cruz, organizada e estruturada como Rito maçônico, ou seja, acessória à Maçonaria, estava assoberbada apenas com os usos alquímicos e, invariavelmente, ocultistas. Por exemplo, Christian Rebisse, no livro Rosa Cruz História e Mistérios, ao analisar a entidade, a considera herdeira da tal Ordem do Tosão de Ouro, descreve a adoção de Lojas maçônicas do rito maçônico rosa cruz, sendo que na Loja Três Espadas, de Viena, em 1771, aceitava este rito rosacruz que cultivava a alquimia e a teurgia (2012:202). O rosacrucianismo, antes pretendido como uma Ordem ou Fraternidade, estava perdendo qualquer autenticidade, sendo reduzida à diluição em um “rito maçônico” praticamente não oficial e muito pouco aceito.

Neste contexto, surge a Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema, que de acordo com Rebisse seria uma nova ordem maçônica rosacruz , cujo centro de atividades seria a Loja dos Três Globos, em Berlim, a qual os Altos Graus seriam os mesmos nove graus da Dourada e Rosa Cruz ( Juniores, Theoreticus, Philosophi, Minores, Majores, Adepti, Exempti, Magistri e Magi). De acordo com o autor, uma convenção da ordem, teria sido feita em 1777, na cidade de Praga (2012:204). Não está esclarecido se a Rosa Cruz do Antigo Sistema era, de fato, uma Ordem Rosa Cruz, institucionalizada e independente, ou se era uma filiação maçônica. Aliás, Rebisse declara que até então o rosacrucianismo só dera origem a pequenos grupos de que não se descobriu nenhum ritual (2012:206). Porém, difícil também é comprovar que existiam estes “pequenos grupos”, que não deixaram vestígios ritualísticos para materializar aquilo que era escrito por autores que usavam a mitologia Rosacruz para fazer fama.

Para Christopher McIntosh, no Os Mistérios da Rosa Cruz, o ideário rosacrucianista fora infiltrado na Maçonaria por entusiastas da alquimia fantástica, principalmemte por Johan Christopher Wollner (1732-1800), maçom da Estrita Observância, Rito fundado em 1700 na Alemanha (1987:99-101). Considerando a atuação de Wollner, tendo como modelo a Estrita Observância, a Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema era, muito provavelmente, um Rito maçônico responsável por formações de Altos Graus, que estão além da Maçonaria Simbólica dos três graus praticados em Loja simbólica, não sendo, desse modo, uma Ordem Rosacruz. A apelação deste Rito rosacruciano estava nas promessas de curas e produção de ouro, à moda da Dourada e Rosa Cruz, a qual foi inspirada.

A fundação deste Rito se deve, em grande medida, pela adesão do Kaiser Frederico Guilherme (1744-1797) aos discursos rosacrucianistas de Wollner que aliado a Johan Rudolf von Bischoffeswerder (1741-1803) reformularam a Dourada e Rosa Cruz, fundando o novo sistema. Para Eric Sablé, do Dicionário dos Rosa Cruzes, os fundadores estavam dedicados a iludir o curioso jovem príncipe através de comunicações espiritistas, inclusive utilizando ventríloquos e jogos de espelhos para incrementar as ilusões (2006:251). Além destas presepadas, Frederico Guilherme teria sido curado de uma doença por elixires aplicados por Johan Rudolf, que teria aprendido a fazê-los por manuais rosacruzes. Porém, a amizade do príncipe com Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), maçom e musicista de sua Corte, pode ter tido parte em sua decisão em ingressar à Maçonaria e, desta, ao Rito da Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema. O príncipe começa a frequentar o novo sistema em 1781 e se torna Kaiser em 1786, para deleite dos seus iniciadores que conseguiram cargos importantes na administração. Percebamos que para McIntosh e Sablé a Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema está intrinsecamente relacionada aos dois alemães charlatões, mas para Rebisse este Rito já existia desde 1777, baseada em uma suposta convenção estranhamente feita em Praga e não na cidade o qual era praticado o Rito, Berlim. Talvez, seja intenção do autor rosacruz afastar a relação definitiva dos impostores ao Rito. Porém, será com o desinteresse destes que o Rito desaparecerá.

Para dar uma aura de ineditismo, um novo mito fundador foi criado para justificar e dar ancianidade ao Rito Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema. O criador do Rito teria sido Ormuz, um sábio egípcio batizado por São Marcos, que cristianizara os mistérios egípcios e teria fundado a Ordem dos Ormusianos ou de acordo com Sablé, a Ordem dos Irmãos do Oriente, cujo o símbolo era uma cruz esmaltada de vermelho. Os essênios ao terem se iniciado nesta Ordem, em 151, fundaram a Ordem dos Guardiões do Segredo de Maomé, Salomão e Hermes. A Ordem não admitia mais que sete membros, mas modicariam seu estatuto ao aceitar os Cavaleiros Templários, no século XII. Com a perca da Palestina, três dos Templários foram para a Europa, precisamente à Escócia, e fundaram a Ordem dos Construtores do Oriente, que acrescentava a Rosa, símbolo das famílias York e Lancaster, à Cruz ormusiana. Este mito não está relacionado praticamente em nada com o Christian Rosenkreutz, dos Manifetos do século XVII, nem com a compreensão de fundação do rosacrucianismo daqueles que se diziam rosacruzes naquele tempo. A ideia, neste novo tempo, seria aproximar o rosacrucianismo com os discursos fundadores da Maçonaria, pois estava sendo acomodado a ideia de subordinação à instituição regular maçônica, seja por sua organização, seja por sua aceitação entre elementos de Corte. Além disso, a instituição Maçonaria dava uma proteção moral e esotérica, por seu sigilo e juramento, a experimentos de organizações de cunho rosacrucianista.

O movimento franco maçom rosacruciano do Rito Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema foi desaparecido em 1787, por inatividade dos seus fundadores que, de acordo com Sablé, estavam ocupados com os cargos que receberam do influenciável Kaiser, dando a impressão que esse era o principal motivador da fundação do novo sistema (2006:251). De acordo com Rebisse, foi derivado deste Rito a fundação do Rito dos Irmãos Iniciados da Ásia, em 1779, e a feitura do livro Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos séculos XVI e XVII, entre 1785-1788, considerado o livro rosacruz mais importante depois dos três Manifestos (2012:205).

OS IRMÃOS INICIADOS DA ÁSIA, SAINT-GERMAIN E A SUBORDINAÇÃO DO ROSACRUCIANISMO À ORDEM MAÇÔNICA. 

A Ordem, ou propriamente Rito, dos Irmãos Iniciados da Ásia era um sistema de Altos Graus da Maçonaria regular. O famoso conde de Saint Germain (1696-1784) fizera parte deste Rito. Místico, poliglota e erudito, Saint Germain conseguiu adentrar na corte de Luis XV em 1758 com a fama de fazer crescer o tamanho do ouro e do diamante e por ser um empresário de uma tinturaria, em Tornai, de seda e lã. Por inerência ao Rito em análise, Saint Germain, também maçom, fazia palestras em diversas Lojas, especialmente na Loja dos Filaletos, supostamente praticante do Rito dos Irmãos Iniciados na Ásia, ficando famoso nos meios maçônicos da França e da Alemanha. A maior fama, entretanto, de Saint Germain era de que fosse imortal. A lenda foi praticamente reforçada pela Maçonaria francesa. De acordo com Sablé, baseado nas memórias do amigo pessoal de Saint Germain, Carlos de Hesse Cassel, o místico morreu no castelo deste em 1784 atestado documentalmente pela igreja Eckernfaude, de Hesse-Cassel, na Alemanha (2006:265-267). Porém, maçons parisienses mostraram atas de participação de Saint-Germain em sessões de 1785... Foram nestes ambientes que Saint Germain foi construído como sendo um emblema para o esoterismo ocidental. Considerado por muitos como um Mestre Ascensionado e mestre na Fraternidade Branca, o personagem é parte do discurso, que segundo Serge Hutin, no seu Esoterismo na História, da história secreta tradicional a qual se permite imaginar a atividade invisível de alguém nos bastidores dos acontecimentos históricos. Nisso, e por isso, Saint Germain foi situado em conspirações da Rússia à França, sempre atuando de modo a fazer o bem (2004: 108-110).

Na versão de Eric Sablé, o Rito dos Irmãos Iniciados da Ásia foi fundado pelo barão polonês Ecker Und Eschoffer (1750-1790), em 1781, membro do Rosa de Cruz de Ouro do Antigo Sistema, mas que por desilusão desconfiava que o rosacrucianismo era uma invenção jesuíta para infiltração e manipulação da Ordem Maçônica.Com esta ideia, lançou em 1782 o panfleto anti rosacruz denominado Rosa Cruz desnudada. Maçom convicto, Eschoffer acreditava ainda que a Parusia de Cristo se daria por meio da Maçonaria. A doutrina deste Rito era baseada em revelações cabalísticas e seus Altos Graus eram os de Pesquisador ou Sofredor, Cavaleiro ou Iniciado, Mestre dos Sábios e Sacerdotes, culminando com o Ordem de Mesquisedec. Aliás, Carlos de Hesse-Cassel (1744-1836), protetor de Saint Germain, foi Grão Mestre deste Rito, que seria similar ao Rito Escocês Retificado e que por homenagem fundara a Loja Carlos da Luz Nascente (2006: 69). A narrativa de Sablé parece ser mais convincente e isenta que a utilizada por Christian Rebisse, pois fundamenta o autor e as motivações que fizeram haver o novo Rito.

O rosacrucianismo, neste contexto, estava subordinado à Maçonaria como sendo um dos seus Ritos. Não havia uma instituição Rosa Cruz, composta por Lojas, estatuto ou formalidades de licitude que a tornasse independente por Ordem. O interesse estava apenas em termos práticos para os usuários do rosacrucianismo, alquimia para transformar ouro ou Cabala para prevenção do futuro. A Tradição Primordial, doutrina fundamental do rosacrucianismo de Tubingen, não excluída a alquimia, a Cabala ou a Astrologia, mas a espiritualidade destas práticas tinha um teor bem mais espiritualista que utilitarista. Os novos tempos deturparam o idealismo rosacruciano e a Maçonaria, de certo modo, foi usada por charlatões para que pensamentos mesquinhos fossem intentados em suas Lojas. Porém, desde os Manifestos, a problemática rosacruciana em estabelecer uma Ordem ou de manter uma doutrina coesa e exclusivamente espiritualista foi uma constante em todo o tempo analisado. O Rosacrucianismo em sua intepretação clássica e de cunho cristão, isento das fantasias alquímicas, está presente no Rito Escocês Antigo e Aceito nos Altos Graus compartimentados com a denominação de Graus Capitulares, especificamente o Grau 18, o do Cavaleiro Rosacruz, que celebra exatamente, à exemplo dos Irmãos Iniciados da Ásia, a instauração cristã.

CONCLUSÃO

O rosacrucianismo do século XVIII estava baseado no utilitarismo da alquimia, com a intenção de fazer ouro, ou da Cabala, com ideia de prevenção do futuro. A Dourada e Rosa Cruz, que começou abertamente com este ideário, favoreceu que outra entidade de nomenclatura rosacruciana formalizasse intentos de cunho materialista. A Rosa de Cruz de Ouro do Antigo Sistema, com o mesmo método de sua antecessora, priorizou o materialismo sob a discrição das Lojas Maçônicas, estimulando reações que afinal restaurariam, de modo e funsamentação espiritualista a associação entre rosacrucianismo e Maçonaria, principalmente nos meios escocesistas. 

A Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema, em análise de acordo com a bibliografia utilizada, foi classificado mais como um embuste caça níquel do que uma séria iniciativa espiritualista, que seria natural, seja pela sua relação com o rosacrucianismo, seja pela sua associação, herdada da Dourada e Rosa Cruz, não obstante, com a Maçonaria, típica escola iniciática. A composição social destes Ritos ditos rosacrucianos era elitista, pelo menos no que no que tange na identificação dos Altos Graus com os títulos nobiliárquicos. Historicamente, seria muito raro, inclusive na França estamental absolutista ou na Alemanha aristocrática, a participação de pessoas do povo, por mais esclarecidas que fossem nestes meios iniciáticos, o que parecia ser um afã das classes abastadas. O tédio do cotidiano e a ilusão de aumentar suas posses, ou quiçá fazer subir de nível nas titulações aristocráticas, atraía estes elementos facilmente para propostas tentadoras de desafiar o desconhecido. Deste modo, retira-se qualquer proposta espiritualista e coloca-se o materialismo, estimulando a ambição e a mesquinharia, tanto de quem convida como para quem recebe o convite.

A reação dos Irmãos Iniciados da Ásia, com a proposta espiritualista, independente da mentalidade conspiratória que a legitimou, tenta elevar e respeitar a transcendência priorizada pela Maçonaria, desde seus tempos de formação. A identidade com o Cavalheirismo Templário está imbuído deste desprendimento material e na aceitação que há algo maior e acima da compreensão humana e que os homens são, por si e sem Deus, ameaçadores e corruptos. Como bem sabemos do que foi vítima a Ordem dos Templários,  cobiça e traição, estes serão exemplos para que a Ordem Maçônica não seja instrumento de interesses escusos. O falso ou mal interpretado rosacrucianismo alquímico-cabalístico aurífero, ao tentar usar a Ordem Maçônica recebe a reação depurativa, fazendo manifestar a reassociação do rosacrucianismo com sua essência e tornando irmanadas Maçonaria e Rosacruz, através dos escocecismos e seus Graus Cavalheirescos.

E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HUTIN, Serge. O esoterismo da História Da Atlântida aos Estados Unidos De Cagliostro à Mary Poppins. Tradução de Rosana Pontes. Curitiba: Grande Loja de Jurisdição portuguesa, 2004.

MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.


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