O rosacrucianismo, assimilado ao hermetismo, recebera uma
tentativa de organização a partir do Círculo de Tubingen, na Alemanha, com a
publicação dos Manifestos Fama Fraternitatis (1614), Confessio
Fraternitatis (1615) e o Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz (1616).
Porém, estes Manifestos não foram publicações de uma entidade reconhecida com
sede própria ou de reuniões estatutárias em qualquer espaço. O que se difundia
era um ideário hermetista, baseado em figuras mitológicas, como o Irmão I.O ou
o suposto fundador da Ordem Rosacruz, Christian Rosenkreutz. O apelo
rosacrucianista estava calcado em práticas de alquimia e medicina alternativa,
sendo o mistério maior que os fatos e a publicidade deste fenômeno sustentada pela
curiosidade de pessoas de todas as classes sociais, incluindo cientistas e
reis.
A mentalidade europeia, nesta época, estava disposta a
receber teorias e doutrinas que abarcassem fundamentos alternativos de
entendimento de mundo de uma forma mais prática que as oferecidas pelo discurso
religioso tradicional. O Renascimento influiu na ideia de que o homem era capaz
de controlar a natureza em proveito próprio, a medicina estava a ser pesquisada
com este intuito. As inovações orientais apresentadas pelos muçulmanos, aliadas
à deduções fantásticas e de fontes maravilhosas, entusiasmaram os cientistas
europeus, adeptos do Renascimento como sendo uma nova forma de conceber sua
prática experimental, a buscarem uma interdisciplinaridade entre a ciência e
a mística. A dificuldade, imposta pelo contexto cultural da época, no estudo do
hermetismo aumentara a aura de mistérios e o interesse comum dos pesquisadores
em descobrir coisas novas, ampliando o leque de misticismos e mistificações.
A Sociedade ou fraternidade Rosacruz seria esta escola de hermetismo,
oferecendo conhecimentos que tornavam poderosos seus detentores em muitas
esferas, seja no campo da alquimia, transformando elementos; seja no campo da
medicina, curando doenças, dentre outros. A busca por esta entidade foi algo
que afligia muitos estudiosos e expunha à fama àqueles que, por esperteza ou
não, usavam do ideário Rosacruz em publicações ou promoções pessoais. A mentalidade
e anseio por uma comunidade Rosacruz foi instituída de modo esparso pelo
continente europeu em sua porção ocidental, sedenta e maravilhada com os
mistérios do oriente. A Rosacruz deve ser analisada neste contexto como sendo
uma instituição imaginária. Todas as formas de proselitismo envolvendo o
movimento Rosacruz não foi concretizado em uma comunidade organizada com
reuniões conhecidas ou periódicas, com a utilização de um espaço aberto ou
fechado. A defesa de que era uma sociedade secreta e por isso desconhecida ou
invisível, não está de acordo com a prática proselitista, por exemplo, dos
Manifestos, dos Cartazes parisienses (1623) e das publicações em nome e em
defensão da Ordem. Outrossim, a marca Rosacruz ajudava em tornar famoso este ou
aquele escritor, atento ao desejo da população interessada nas façanhas
alquímicas.
A TRADIÇÃO HERMETISTA COMO ENCETATIVO DIFUSOR DO
ROSACRUCIANISMO
O Rosacrucianismo, idealizado na Alemanha, foi muito bem
recebido em terras inglesas, principalmente em ambientes hermetistas, não muito
desconhecidos das cortes. O hermetismo na Inglaterra e Alemanha foi
popularizado por John Dee (1527-1608), alquimista da corte de Eduardo VI, desde
1551, e amigo do Imperador do Sacro-Império, Maximiliano II, a quem dedicou sua
obra máxima, a Mônada Hieroglífica, de 1564, que influenciaria os
Manifestos Rosacruzes e seria parte da ilustração do Bodas alquímicas,
de Valentim Andrea.
No contexto da formação e divulgação dos Manifestos, talvez
o mais conhecido e referencial nome fosse o do inglês Francis Bacon
(1561-1626), político de índole discutível, mas afamado nos meios ocultistas
europeus do século XVII, foi ainda um dos fundadores do método experimental.
Com suas predileções em hermetismo e astrologia, foi convidado a fazer parte da
corte de Jaime Stuart I em 1613, do Conselho privado do rei em 1616 e
finalmente, em 1617, Lorde Chanceler. A teoria aceita por Bacon era a de que os
astros influenciavam o comportamento e a matéria humana, o que o relacionava
com os ensinamentos da Tradição Primordial dos ocultistas. De acordo com Eric
Sablé, em Dicionário dos Rosacruzes, autores especialistas em Ordem Rosacruz
afirmam que Bacon era chefe dos rosacruzes, ou seu Imperator (2006:41-43). Para
Christian Rebisse, em Rosa Cruz – História e Mistérios, livro editado pela
AMORC, o hermetismo era conhecido na Inglaterra antes do século XVII, com o
cabalista de Henrique VIII, John Doget, além de Francisco Giorgi, Henri
Cornélio Agrippa, dentre outros. O destaque, porém, era para Dee, provável influenciador
de Valentim Andrea, e Francis Bacon, o primeiro Imperator (2012:178-179). O
autor analisa a construção do discurso do Bacon Imperator, John Heydon,
a quem Rebisse alerta de ser afeito a exageros, fez uma alusão a esta hipótese
em O Guia Sagrado que leva à maravilha do mundo ( 1662), relacionando a
viagem ao país dos rosacruzes com a Nova Atlântida, obra de Bacon,
considerando ainda que a casa de Salomão, escrita por Bacon, fosse um Templo
Rosacruz; outro autor, Nicolas de Bonneville, autor de A Maçonaria
escocesa comparada com as três profissões e o segredo dos templários do século
XIV (1788), defende que Bacon fundara uma sociedade Rosacruz, a Brâmanes do
Norte, influenciadora da Royal Society; mas por esta não estar em conformidade
com o juramento Rosacruz outra sociedade foi criada, usando símbolos que
seriam aproveitados pela Maçonaria. Bonneville acreditava que existia uma
antiga Ordem Rosacruz refundada por Valentim Andrea na Alemanha e por Dee na
Inglaterra. Os mais fantasiosos diriam que Bacon foi o autor das peças de
Shakespeare e de que fundara a Maçonaria (2012:179-180). A herdeira do movimento
teosófico, no século XX, Annie Besant, no seu livro Os Mestres, de 1912,
achou por bem ensinar que Bacon seria a reencarnação de Christian Rosenkreutz ;
o Direito Humano, através de H. Clarke e Katherine Betts, no livro Os
Rosacruzes, de 1913, afirmam que Bacon era o escritor dos Manifestos
Rosacruzes (2012:180-181). A mais evocada relação entre Bacon e o
rosacrucianismo se dá por causa de três símbolos utilizados em seu livro A
Nova Atlântida (1627), publicada postumamente, que seriam uma cruz similar
ao que está no Fama Fraternitatis, um personagem que usa turbante branco com
uma cruz vermelha no topo e a qualidade dos antlantis em serem discretos quando
visitavam outras sociedades. Estas conjecturas são suficientes para os
entusiastas da Ordem Rosacruz, porém Rebisse acrescenta que Bacon era
conhecedor do rosacrucianismo através de Frederico V do Palatinado, conhecido
protetor dos Rosacruzes, casado desde 1613 com a filha de Jaime Stuart I, seu
padrinho político e afeito a misticismos (2012:187). Não é impossível que Bacon
tenha ouvido falar em fraternidade Rosacruz ou em rosacrucianismo, o que é
pouco provável seria que ele tenha sido participante de tal fraternidade, ou
menos ainda seu Imperator. Os argumentos a favor são muito frágeis. Por exemplo,
a abreviatura que está no Livro T no Fama, as iniciais FBMPA, são traduzidas
como sendo Francis Bacon Magister Provinciae Angliae, sendo que há outras
siglas que seriam, de acordo com esta tese, a sigla para outros Magister
Provinciae, o que não isola Bacon na condição de Imperator. Aliás, nenhuma
hipótese destas aplica iniciais a Valentim Andrea, um dos “refundadores” da
Ordem Rosacruz, como citado anteriormente, ou a Michael Maier (1568-1622),
outro personagem importante na difusão rosacruciana. O próprio hermetismo em
Bacon é reconsiderado para que ele seja entendido como Imperator Rosacruz, sem
perder sua legitimidade de místico. Para Francis Yates, citada por Rebisse,
Bacon se afastara do paracelsismo, que seria uma medicina alternativa baseada
no hermetismo, a favor da reforma das ciências, fundamentado a Royal Society
como academia de cientistas, a mais renomada da Inglaterra (2012:182). Desse
modo, Bacon se torna um reformador não apenas da ciência de seu tempo, mas da
crença rosacruciana, de tradição hermética, papel adequado a um Imperator, tal
como a autora acredita que ele fosse (2006:43). O mais provável é que Bacon não
tenha sido mesmo um rosacruciano.
Nada impediria Bacon em assumir sua crença Rosacruz ou
exercer a chefia da instituição. Durante seu período de influência nas cortes
do Palatinado ou da Inglaterra estava em boa situação política para apoiar a
fraternidade. Nenhum de seus escritos declara abertamente qualquer relação com
a Rosacruz. As referências exteriores e com intepretações alheias, às vezes
ridículas. A existência da sociedade Rosacruz, sendo uma instituição
organizada, com periodicidade de reuniões em locais determinados, ou não, e com
estatutos de filiação, é altamente duvidosa. Não há documentação que forneça
fundamentação de veracidade à fraternidade Rosacruz, parece mais ser uma
sociedade imaginada, ou pelo menos um discurso mítico.
Outra personalidade inglesa relacionada ao hermetismo é o
aclamado Robert Fludd (1574-1637), consirado por Eric Sablé como sendo o
primeiro representante do movimento rosacruciano na Inglaterra. Como todo
hermetista que se preze era entusiasta da terapêutica paracelsiana , era
médico desde 1605 mas foi liberado para exercer seu método em 1609; seu
tratamento era baseado em consultas astrológicas, regras de higiene e muitas
preces (2006:105-106). Não havia menção à Rosacruz em seus escritos desta
época, Sablé acredita que seu conhecimento sobre rosacrucianismo está
relacionado ao Fama (1614). Porém, Christopher McIntosh, em Os
Mistérios da Rosa Cruz, diz que Fludd, com a visita de Michael Maier,
médico hermetista alemão, à corte de Jaime Stuart I, em 1612, conhecera a
fraternidade antes dos Manifestos. Para Serge Hutin, em O esoterismo da
história, Fludd conhecera Maier na Alemanha, antes de 1612, sendo iniciado
neste país e fazendo amizade com o médico alemão (2004:94). Hutin, vale
salientar, não apresenta nenhuma referência bibliográfica. Os escritos de Fludd,
usando a nomenclatura Rosacruz foram Apologia Compendiaria (1616),
Tratado Apologético da integridade da sociedade da Rosa Cruz e o Tratado
Theológico- Filosófico (1617). A obra mais famosa de Fludd, História do
Microcosmo e do Macrocosmo (1617-1619), foi editada por Theodore de Bry,
alemão do Palatinado. Os escritos de Fludd irritaram setores da igreja católica
francesa, com destaque para Marin Mersenne (1588-1648), atacando o pensamento
do inglês no Questiones in Genesium (1623), o associando com os
rosacruzes, entendidos como falsos magos e blasfemos. De acordo com Mcintosh,
Fludd reconhece, no Summum Bonnum (1629) que há falsos cabalistas que
erroneamente são associados aos rosacruzes, escrevera ainda que a sociedade era
espiritual e cristã estando em atividade citando o convite de um candidato
alemão, não houve maiores detalhes nestes escritos (1987:65-66). Esta foi a
ultima referência de Fludd ao rosacrucianismo, escreveu ainda dois outros
livros, o inacabado Medicina Cathólica (1629-1631) e o Clavis
philosophiae (1633). A disputa entre Fludd e Mersenne faz aparentar uma
ação aberta de rosacruzes em busca por neófitos, um proselitismo que começara
na França em 1623 com a publicação dos famosos Cartazes de Paris, anunciando
aos locais o convite de fazer parte da Sociedade. O lançamento de livros
apologéticos a favor do rosacrucianismo demonstra, além disso, que havia espaço
para a existência material e institucional, em meio à comunidade europeia, para
o funcionamento de uma entidade Rosacruz. Porém, nenhuma documentação de Fludd
o associa a uma entidade organizada e institucional rosacruciana. Sua relação é
apenas de cunho intelectual ou literário.
De acordo com Rebisse, o ilustre René Descartes (1569-1650),
famoso filósofo francês, ao associar-se com Johan Faulhabert (1580-1635),
matemático e engenheiro alemão, escritor de um livro dedicado à Rosacruz em
1615, e ao cabalista e ocultista holandês Isaac Beeckman (1588-1637), foi em
busca de conhecer a fraternidade em 1619 na Boêmia e talvez no Castelo
de Heildelberg, famoso pelas narrativas ocultistas. De fato, Descartes ao
voltar à França, em 1623, foi associado aos Cartazes. Foi interrogado e
admitira que procurou os Rosacruzes, mas não os achou; estava isento dos
Cartazes. Além de Mersenne, o jesuíta François Garasse (1585-1631), autor do A
curiosa doutrina dos belos espíritos deste tempo, de 1623, também atacou os
Cartazes, alegando que a Ordem existia e que havia como secretário Michael
Maier (2012:170-171). As críticas ao ideário Rosacruz estavam de acordo com o
ambiente de pós-Reforma, principalmente nos reinos fiéis ao catolicismo. Na
península Ibérica, aliás, nenhum exemplo foi citado pelos autores analisados. A
difusão do rosacrucianismo se deu em territórios de cunho federativo simpáticos
ao protestantismo, por exemplo Holanda e Alemanha, e na Inglaterra, neste caso
com o total apoio da dinastia Stuart. A tradição hermetista foi outro
facilitador de difusão, principalmente na Alemanha, não à toa país sede dos
Manifestos.
O rosacrucianismo deve ser entendido como um movimento,
apesar de não ser, supostamente, um grupo organizado de pessoas com sede e
estatutos. O movimento rosacruciano se dá no campo das ideias e no imaginário
europeu. A perseguição não era generalizada em todo o continente e não faltava
proselitismo de autores que simulavam a existência desta maravilhosa sociedade.
Por exemplo, de acordo com Sablé, Fludd defendera no Apologia Compendiaria,
que o conhecimento Rosacruz era o mesmo que Deus dera a Adão e as curas eram
feitas pelos dons do Espírito Santo, não pelos santos ou pelo Papa (2006:25);
no História do Macrocosmo e do Microcosmo , o mal cósmico é parte da
ação de Deus e apenas com Cristo terá fim ao devolver o Reino ao seu Pai, a
alma é a intermediária entre corpo e espírito, o arcanjo Miguel habita o Sol e
Deus atua no mundo por intermédio de anjos e demônios (2006:152-154).
Todos os que acreditam que Fludd fosse participante da sociedade Rosacruz, cujo
seu compatriota, Francis Bacon, era Imperator, devem assumir, por coerência,
que estas ideias eram originalmente Rosacruzes, exigindo ainda assim que façam
parte da doutrina de qualquer instituição que conceba Fludd como sendo um
antigo Rosacruz. Além disso, Fludd era tema das discussões por estar associado
ao suposto secretário da Ordem Rosacruz, Michael Maier, não havendo, outrossim,
provas contundentes de que fossem amigos. A percepção de que Maier era
secretário talvez fosse fornecido por seu livro Silêncio após os clamores (1617),
pois ele tenta justificar que a Ordem Rosacruz não aceitava pedidos de
aceitação insinceros. Porém, ele mesmo se declarava não compor a Ordem.
Evidentemente que os franceses não acreditavam, ou pelo menos achavam nele uma
fonte para alimentar o imaginário. Atacar o rosacrucianismo englobava o combate
à alquimia, astrologia e a cabala, ou seja, a tradição hermetista. Na opinião
de Sablé, Maier ajudou na mistificação da fraternidade Rosacruz os entendendo fora
do tempo e do espaço, afirmando que apenas os eleitos eram
conhecidos e por isso aceitos para adentrar à Ordem. Ademais, em seu livro Themis
Aurea (1618), Maier dá historicidade a Christian Rosenkreutz, o colocando
no papel de fundador da fraternidade Rosacruz em 1413, fundamentando os
Manifestos (2006:200-201). Enfim, o discurso relacionado ao imaginário Rosacruz
foi benéfico para ambos autores. Robert Fludd e Michael Maier foram perpetuados
na história da literatura esotérica, especialmente por publicações rosacruzes
que anseiam por elementos estatutários que forneçam autoridade histórica e
filosófica à instituição. Não houve qualquer violência ou perseguição por causa
seus escritos em seus meio ambientes, indiferentemente do silêncio de Fludd com
relação ao rosacrucianismo em seus últimos escritos e da própria negativa de
membresia da parte de Maier, o que não o isentou perante simpatizantes do
imaginário rosacruciano, nem perante seus adversários.
CONCLUSÃO
A tradição hermética, principalmente na Europa Ocidental,
que incluía um conjunto de pensamento que envolvia, no mínimo, alquimia, astrologia
e cabala, estava baseada na crença da Tradição Primordial, cujo principal fator
de promoção eram os mistérios que dissertavam relativamente a medicina
alternativa e orientações sobre comportamentos, esclarecidos de acordo com a
consulta de astros ou entidades espirituais. Não era à toa que as cortes europeias
não dispensavam, por curiosidade ao menos, os hermetistas.
O conhecimento hermético, porém, era disperso. Os escritos
tinham a marca registrada no mito Hermes Trimegistos, mas não tinham uma sequencia
doutrinária. Não havia, além disso, uma forma de ensino institucionalizada para
que estes conhecimentos fossem ensinados, pelo menos por método esotérico. A
obtenção dessa arte sobrenatural de manipulação dos elementos ou de interação
com potências espirituais oferecia ao detentor um enorme prestígio, uma honorabilidade,
por temor ou por reverência, que o fazia importante em qualquer reino. Neste
contexto de mentalidade sobrenaturalista, no século XVII, foram publicados os
Manifestos Rosacruzes. Esta sociedade ou fraternidade, em termos gerais,
tentava agregar a Tradição Primordial, com a possibilidade de exercer ensino e
difusão dos conhecimentos herméticos. Esta pretensa escola mística, além do
fascínio, aumentava o interesse pelo misticismo, pois incitava aspirações de
toda a gente. A autoridade desta nova Ordem estava na figura mítica substituta
de Trimegistos, Christian Rosenkreutz, numa compilação didática dos mistérios
cuja referência eram os Manifestos, e na apresentação pública de seu ideário.
O problema está na falta de contundência de que, pelo menos
na primeira metade do século XVII, esta escola fosse concretizada de modo verossímil.
As narrativas sobre sua existência, independente dos Manifestos, são pouco coerentes
e assumem, muitas vezes, um papel de legitimidade alheia à sua aparente ideia
original. O caso de Francis Bacon é bem interessante, considerado Imperator Rosacruz,
ou seja, líder máximo da sociedade rosacruciana, em seus escritos não há nenhuma
afirmação em que assumisse esta patente ou sequer sua pertença à fraternidade rosacruciana.
A conclusão de que ele estivesse relacionado de alguma maneira aos Rosacruzes
coube a autores posteriores, mais ou menos alinhados com o esoterismo e a representatividade
Rosacruz, especialmente séculos depois, como é o caso de teosofistas e dos
esotéricos afins. No outro caso inglês, de Robert Fludd, houve defesa ao
rosacrucianismo mais como sendo uma entidade imaginária do que sendo um concreto
apoio a uma instituição de ensino hermético ou hermetista. A falta de comprometimento,
enquanto participante institucional, se dera com o alemão, e apontado como
sendo influente na atuação de Fludd e secretario da Ordem, Michael Maier, que
escrevia como sendo defensor do rosacracianismo mas deixou claro que não membro
de qualquer instituição Rosacruz. Além disso, se fossem participantes de uma instituição
de ensino em comum, seus escritos estariam alinhados doutrinariamente, ou pelo
menos estariam referenciando reciprocamente suas ideias pois eram contemporâneos
e, de acordo com os autores entusiastas do rosacrucianismo, eram amigos. A
liberdade que tiveram em publicar suas obras e a posição que assumiam protegidos
por príncipes e reis afasta a ideia de que foram discretos por causa de perseguições.
A atuação de Fludd e Maier, ajudaram, inquestionavelmente, na difusão do ideário
rosacruciano e sua possiblidade institucional no imaginário europeu, mas não em
sua expansão enquanto escola de mistério ou instituição qualquer. Deste modo, temos o movimento Rosacruz como
sendo, na primeira metade do século XVV, uma existência imaginada, infundada
documentalmente e refém de posteriores narrativas interessadas em legitimar
ideias fora de seu verdadeiro escopo.
Os Manifestos, fundamentais para que seja considerada a existência
de uma instituição Rosacruz, foram renegados pelo autor do Terceiro Manifesto,
Valentim Andrea, e o Círculo de Tubigen, provável fonte inspiradora do Fama e
do Confessio discretamente desaparece. A menção ao rosacrucianismo por
Fludd e Maier, de certo modo, os ajudou em suas relações pessoais e agregou muito
em suas carreiras como detentores de poderosos conhecimentos. A mentalidade que
principiava a ideia rosacruciana, o imaginário de um colégio místico e a solenidade
do tema, também foram construídos durante suas atuações.
E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HUTIN, Serge. O esoterismo da História Da Atlântida aos
Estados Unidos De Cagliostro à Mary Poppins. Tradução de Rosana Pontes.
Curitiba: Grande Loja de Jurisdição portuguesa, 2004.
MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução
de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.
REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed.
Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.
SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata
Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.
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