Páginas

terça-feira, 13 de abril de 2021

A DIFUSÃO DO IDEÁRIO ROSACRUZ NA EUROPA OCIDENTAL-SÉCULO XVII

 



O rosacrucianismo, assimilado ao hermetismo, recebera uma tentativa de organização a partir do Círculo de Tubingen, na Alemanha, com a publicação dos Manifestos Fama Fraternitatis (1614), Confessio Fraternitatis (1615) e o Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreutz (1616). Porém, estes Manifestos não foram publicações de uma entidade reconhecida com sede própria ou de reuniões estatutárias em qualquer espaço. O que se difundia era um ideário hermetista, baseado em figuras mitológicas, como o Irmão I.O ou o suposto fundador da Ordem Rosacruz, Christian Rosenkreutz. O apelo rosacrucianista estava calcado em práticas de alquimia e medicina alternativa, sendo o mistério maior que os fatos e a publicidade deste fenômeno sustentada pela curiosidade de pessoas de todas as classes sociais, incluindo cientistas e reis.

A mentalidade europeia, nesta época, estava disposta a receber teorias e doutrinas que abarcassem fundamentos alternativos de entendimento de mundo de uma forma mais prática que as oferecidas pelo discurso religioso tradicional. O Renascimento influiu na ideia de que o homem era capaz de controlar a natureza em proveito próprio, a medicina estava a ser pesquisada com este intuito. As inovações orientais apresentadas pelos muçulmanos, aliadas à deduções fantásticas e de fontes maravilhosas, entusiasmaram os cientistas europeus, adeptos do Renascimento como sendo uma nova forma de conceber sua prática experimental, a buscarem uma interdisciplinaridade entre a ciência e a mística. A dificuldade, imposta pelo contexto cultural da época, no estudo do hermetismo aumentara a aura de mistérios e o interesse comum dos pesquisadores em descobrir coisas novas, ampliando o leque de misticismos e mistificações.

A Sociedade ou fraternidade Rosacruz seria esta escola de hermetismo, oferecendo conhecimentos que tornavam poderosos seus detentores em muitas esferas, seja no campo da alquimia, transformando elementos; seja no campo da medicina, curando doenças, dentre outros. A busca por esta entidade foi algo que afligia muitos estudiosos e expunha à fama àqueles que, por esperteza ou não, usavam do ideário Rosacruz em publicações ou promoções pessoais. A mentalidade e anseio por uma comunidade Rosacruz foi instituída de modo esparso pelo continente europeu em sua porção ocidental, sedenta e maravilhada com os mistérios do oriente. A Rosacruz deve ser analisada neste contexto como sendo uma instituição imaginária. Todas as formas de proselitismo envolvendo o movimento Rosacruz não foi concretizado em uma comunidade organizada com reuniões conhecidas ou periódicas, com a utilização de um espaço aberto ou fechado. A defesa de que era uma sociedade secreta e por isso desconhecida ou invisível, não está de acordo com a prática proselitista, por exemplo, dos Manifestos, dos Cartazes parisienses (1623) e das publicações em nome e em defensão da Ordem. Outrossim, a marca Rosacruz ajudava em tornar famoso este ou aquele escritor, atento ao desejo da população interessada nas façanhas alquímicas.

A TRADIÇÃO HERMETISTA COMO ENCETATIVO DIFUSOR DO ROSACRUCIANISMO

O Rosacrucianismo, idealizado na Alemanha, foi muito bem recebido em terras inglesas, principalmente em ambientes hermetistas, não muito desconhecidos das cortes. O hermetismo na Inglaterra e Alemanha foi popularizado por John Dee (1527-1608), alquimista da corte de Eduardo VI, desde 1551, e amigo do Imperador do Sacro-Império, Maximiliano II, a quem dedicou sua obra máxima, a Mônada Hieroglífica, de 1564, que influenciaria os Manifestos Rosacruzes e seria parte da ilustração do Bodas alquímicas, de Valentim Andrea.

No contexto da formação e divulgação dos Manifestos, talvez o mais conhecido e referencial nome fosse o do inglês Francis Bacon (1561-1626), político de índole discutível, mas afamado nos meios ocultistas europeus do século XVII, foi ainda um dos fundadores do método experimental. Com suas predileções em hermetismo e astrologia, foi convidado a fazer parte da corte de Jaime Stuart I em 1613, do Conselho privado do rei em 1616 e finalmente, em 1617, Lorde Chanceler. A teoria aceita por Bacon era a de que os astros influenciavam o comportamento e a matéria humana, o que o relacionava com os ensinamentos da Tradição Primordial dos ocultistas. De acordo com Eric Sablé, em Dicionário dos Rosacruzes, autores especialistas em Ordem Rosacruz afirmam que Bacon era chefe dos rosacruzes, ou seu Imperator (2006:41-43). Para Christian Rebisse, em Rosa Cruz – História e Mistérios, livro editado pela AMORC, o hermetismo era conhecido na Inglaterra antes do século XVII, com o cabalista de Henrique VIII, John Doget, além de Francisco Giorgi, Henri Cornélio Agrippa, dentre outros. O destaque, porém, era para Dee, provável influenciador de Valentim Andrea, e Francis Bacon, o primeiro Imperator (2012:178-179). O autor analisa a construção do discurso do Bacon Imperator, John Heydon, a quem Rebisse alerta de ser afeito a exageros, fez uma alusão a esta hipótese em O Guia Sagrado que leva à maravilha do mundo ( 1662), relacionando a viagem ao país dos rosacruzes com a Nova Atlântida, obra de Bacon, considerando ainda que a casa de Salomão, escrita por Bacon, fosse um Templo Rosacruz; outro autor, Nicolas de Bonneville, autor de A Maçonaria escocesa comparada com as três profissões e o segredo dos templários do século XIV (1788), defende que Bacon fundara uma sociedade Rosacruz, a Brâmanes do Norte, influenciadora da Royal Society; mas por esta não estar em conformidade com o juramento Rosacruz outra sociedade foi criada, usando símbolos que seriam aproveitados pela Maçonaria. Bonneville acreditava que existia uma antiga Ordem Rosacruz refundada por Valentim Andrea na Alemanha e por Dee na Inglaterra. Os mais fantasiosos diriam que Bacon foi o autor das peças de Shakespeare e de que fundara a Maçonaria (2012:179-180). A herdeira do movimento teosófico, no século XX, Annie Besant, no seu livro Os Mestres, de 1912, achou por bem ensinar que Bacon seria a reencarnação de Christian Rosenkreutz ; o Direito Humano, através de H. Clarke e Katherine Betts, no livro Os Rosacruzes, de 1913, afirmam que Bacon era o escritor dos Manifestos Rosacruzes (2012:180-181). A mais evocada relação entre Bacon e o rosacrucianismo se dá por causa de três símbolos utilizados em seu livro A Nova Atlântida (1627), publicada postumamente, que seriam uma cruz similar ao que está no Fama Fraternitatis, um personagem que usa turbante branco com uma cruz vermelha no topo e a qualidade dos antlantis em serem discretos quando visitavam outras sociedades. Estas conjecturas são suficientes para os entusiastas da Ordem Rosacruz, porém Rebisse acrescenta que Bacon era conhecedor do rosacrucianismo através de Frederico V do Palatinado, conhecido protetor dos Rosacruzes, casado desde 1613 com a filha de Jaime Stuart I, seu padrinho político e afeito a misticismos (2012:187). Não é impossível que Bacon tenha ouvido falar em fraternidade Rosacruz ou em rosacrucianismo, o que é pouco provável seria que ele tenha sido participante de tal fraternidade, ou menos ainda seu Imperator. Os argumentos a favor são muito frágeis. Por exemplo, a abreviatura que está no Livro T no Fama, as iniciais FBMPA, são traduzidas como sendo Francis Bacon Magister Provinciae Angliae, sendo que há outras siglas que seriam, de acordo com esta tese, a sigla para outros Magister Provinciae, o que não isola Bacon na condição de Imperator. Aliás, nenhuma hipótese destas aplica iniciais a Valentim Andrea, um dos “refundadores” da Ordem Rosacruz, como citado anteriormente, ou a Michael Maier (1568-1622), outro personagem importante na difusão rosacruciana. O próprio hermetismo em Bacon é reconsiderado para que ele seja entendido como Imperator Rosacruz, sem perder sua legitimidade de místico. Para Francis Yates, citada por Rebisse, Bacon se afastara do paracelsismo, que seria uma medicina alternativa baseada no hermetismo, a favor da reforma das ciências, fundamentado a Royal Society como academia de cientistas, a mais renomada da Inglaterra (2012:182). Desse modo, Bacon se torna um reformador não apenas da ciência de seu tempo, mas da crença rosacruciana, de tradição hermética, papel adequado a um Imperator, tal como a autora acredita que ele fosse (2006:43). O mais provável é que Bacon não tenha sido mesmo um rosacruciano.

Nada impediria Bacon em assumir sua crença Rosacruz ou exercer a chefia da instituição. Durante seu período de influência nas cortes do Palatinado ou da Inglaterra estava em boa situação política para apoiar a fraternidade. Nenhum de seus escritos declara abertamente qualquer relação com a Rosacruz. As referências exteriores e com intepretações alheias, às vezes ridículas. A existência da sociedade Rosacruz, sendo uma instituição organizada, com periodicidade de reuniões em locais determinados, ou não, e com estatutos de filiação, é altamente duvidosa. Não há documentação que forneça fundamentação de veracidade à fraternidade Rosacruz, parece mais ser uma sociedade imaginada, ou pelo menos um discurso mítico. 

Outra personalidade inglesa relacionada ao hermetismo é o aclamado Robert Fludd (1574-1637), consirado por Eric Sablé como sendo o primeiro representante do movimento rosacruciano na Inglaterra. Como todo hermetista que se preze era entusiasta da terapêutica paracelsiana , era médico desde 1605 mas foi liberado para exercer seu método em 1609; seu tratamento era baseado em consultas astrológicas, regras de higiene e muitas preces (2006:105-106). Não havia menção à Rosacruz em seus escritos desta época, Sablé acredita que seu conhecimento sobre rosacrucianismo está relacionado ao Fama (1614). Porém, Christopher McIntosh, em Os Mistérios da Rosa Cruz, diz que Fludd, com a visita de Michael Maier, médico hermetista alemão, à corte de Jaime Stuart I, em 1612, conhecera a fraternidade antes dos Manifestos. Para Serge Hutin, em O esoterismo da história, Fludd conhecera Maier na Alemanha, antes de 1612, sendo iniciado neste país e fazendo amizade com o médico alemão (2004:94). Hutin, vale salientar, não apresenta nenhuma referência bibliográfica. Os escritos de Fludd, usando a nomenclatura Rosacruz foram Apologia Compendiaria (1616), Tratado Apologético da integridade da sociedade da Rosa Cruz e o Tratado Theológico- Filosófico (1617). A obra mais famosa de Fludd, História do Microcosmo e do Macrocosmo (1617-1619), foi editada por Theodore de Bry, alemão do Palatinado. Os escritos de Fludd irritaram setores da igreja católica francesa, com destaque para Marin Mersenne (1588-1648), atacando o pensamento do inglês no Questiones in Genesium (1623), o associando com os rosacruzes, entendidos como falsos magos e blasfemos. De acordo com Mcintosh, Fludd reconhece, no Summum Bonnum (1629) que há falsos cabalistas que erroneamente são associados aos rosacruzes, escrevera ainda que a sociedade era espiritual e cristã estando em atividade citando o convite de um candidato alemão, não houve maiores detalhes nestes escritos (1987:65-66). Esta foi a ultima referência de Fludd ao rosacrucianismo, escreveu ainda dois outros livros, o inacabado Medicina Cathólica (1629-1631) e o Clavis philosophiae (1633). A disputa entre Fludd e Mersenne faz aparentar uma ação aberta de rosacruzes em busca por neófitos, um proselitismo que começara na França em 1623 com a publicação dos famosos Cartazes de Paris, anunciando aos locais o convite de fazer parte da Sociedade. O lançamento de livros apologéticos a favor do rosacrucianismo demonstra, além disso, que havia espaço para a existência material e institucional, em meio à comunidade europeia, para o funcionamento de uma entidade Rosacruz. Porém, nenhuma documentação de Fludd o associa a uma entidade organizada e institucional rosacruciana. Sua relação é apenas de cunho intelectual ou literário. 

De acordo com Rebisse, o ilustre René Descartes (1569-1650), famoso filósofo francês, ao associar-se com Johan Faulhabert (1580-1635), matemático e engenheiro alemão, escritor de um livro dedicado à Rosacruz em 1615, e ao cabalista e ocultista holandês Isaac Beeckman (1588-1637), foi em busca de conhecer a fraternidade em 1619 na Boêmia e talvez no Castelo de Heildelberg, famoso pelas narrativas ocultistas. De fato, Descartes ao voltar à França, em 1623, foi associado aos Cartazes. Foi interrogado e admitira que procurou os Rosacruzes, mas não os achou; estava isento dos Cartazes. Além de Mersenne, o jesuíta François Garasse (1585-1631), autor do A curiosa doutrina dos belos espíritos deste tempo, de 1623, também atacou os Cartazes, alegando que a Ordem existia e que havia como secretário Michael Maier (2012:170-171). As críticas ao ideário Rosacruz estavam de acordo com o ambiente de pós-Reforma, principalmente nos reinos fiéis ao catolicismo. Na península Ibérica, aliás, nenhum exemplo foi citado pelos autores analisados. A difusão do rosacrucianismo se deu em territórios de cunho federativo simpáticos ao protestantismo, por exemplo Holanda e Alemanha, e na Inglaterra, neste caso com o total apoio da dinastia Stuart. A tradição hermetista foi outro facilitador de difusão, principalmente na Alemanha, não à toa país sede dos Manifestos.

O rosacrucianismo deve ser entendido como um movimento, apesar de não ser, supostamente, um grupo organizado de pessoas com sede e estatutos. O movimento rosacruciano se dá no campo das ideias e no imaginário europeu. A perseguição não era generalizada em todo o continente e não faltava proselitismo de autores que simulavam a existência desta maravilhosa sociedade. Por exemplo, de acordo com Sablé, Fludd defendera no Apologia Compendiaria, que o conhecimento Rosacruz era o mesmo que Deus dera a Adão e as curas eram feitas pelos dons do Espírito Santo, não pelos santos ou pelo Papa (2006:25); no História do Macrocosmo e do Microcosmo , o mal cósmico é parte da ação de Deus e apenas com Cristo terá fim ao devolver o Reino ao seu Pai, a alma é a intermediária entre corpo e espírito, o arcanjo Miguel habita o Sol e Deus atua no mundo por intermédio de anjos e demônios (2006:152-154). Todos os que acreditam que Fludd fosse participante da sociedade Rosacruz, cujo seu compatriota, Francis Bacon, era Imperator, devem assumir, por coerência, que estas ideias eram originalmente Rosacruzes, exigindo ainda assim que façam parte da doutrina de qualquer instituição que conceba Fludd como sendo um antigo Rosacruz. Além disso, Fludd era tema das discussões por estar associado ao suposto secretário da Ordem Rosacruz, Michael Maier, não havendo, outrossim, provas contundentes de que fossem amigos. A percepção de que Maier era secretário talvez fosse fornecido por seu livro Silêncio após os clamores (1617), pois ele tenta justificar que a Ordem Rosacruz não aceitava pedidos de aceitação insinceros. Porém, ele mesmo se declarava não compor a Ordem. Evidentemente que os franceses não acreditavam, ou pelo menos achavam nele uma fonte para alimentar o imaginário. Atacar o rosacrucianismo englobava o combate à alquimia, astrologia e a cabala, ou seja, a tradição hermetista. Na opinião de Sablé, Maier ajudou na mistificação da fraternidade Rosacruz os entendendo fora do tempo e do espaço, afirmando que apenas os eleitos eram conhecidos e por isso aceitos para adentrar à Ordem. Ademais, em seu livro Themis Aurea (1618), Maier dá historicidade a Christian Rosenkreutz, o colocando no papel de fundador da fraternidade Rosacruz em 1413, fundamentando os Manifestos (2006:200-201). Enfim, o discurso relacionado ao imaginário Rosacruz foi benéfico para ambos autores. Robert Fludd e Michael Maier foram perpetuados na história da literatura esotérica, especialmente por publicações rosacruzes que anseiam por elementos estatutários que forneçam autoridade histórica e filosófica à instituição. Não houve qualquer violência ou perseguição por causa seus escritos em seus meio ambientes, indiferentemente do silêncio de Fludd com relação ao rosacrucianismo em seus últimos escritos e da própria negativa de membresia da parte de Maier, o que não o isentou perante simpatizantes do imaginário rosacruciano, nem perante seus adversários.

CONCLUSÃO

A tradição hermética, principalmente na Europa Ocidental, que incluía um conjunto de pensamento que envolvia, no mínimo, alquimia, astrologia e cabala, estava baseada na crença da Tradição Primordial, cujo principal fator de promoção eram os mistérios que dissertavam relativamente a medicina alternativa e orientações sobre comportamentos, esclarecidos de acordo com a consulta de astros ou entidades espirituais. Não era à toa que as cortes europeias não dispensavam, por curiosidade ao menos, os hermetistas. 

O conhecimento hermético, porém, era disperso. Os escritos tinham a marca registrada no mito Hermes Trimegistos, mas não tinham uma sequencia doutrinária. Não havia, além disso, uma forma de ensino institucionalizada para que estes conhecimentos fossem ensinados, pelo menos por método esotérico. A obtenção dessa arte sobrenatural de manipulação dos elementos ou de interação com potências espirituais oferecia ao detentor um enorme prestígio, uma honorabilidade, por temor ou por reverência, que o fazia importante em qualquer reino. Neste contexto de mentalidade sobrenaturalista, no século XVII, foram publicados os Manifestos Rosacruzes. Esta sociedade ou fraternidade, em termos gerais, tentava agregar a Tradição Primordial, com a possibilidade de exercer ensino e difusão dos conhecimentos herméticos. Esta pretensa escola mística, além do fascínio, aumentava o interesse pelo misticismo, pois incitava aspirações de toda a gente. A autoridade desta nova Ordem estava na figura mítica substituta de Trimegistos, Christian Rosenkreutz, numa compilação didática dos mistérios cuja referência eram os Manifestos, e na apresentação pública de seu ideário. 

O problema está na falta de contundência de que, pelo menos na primeira metade do século XVII, esta escola fosse concretizada de modo verossímil. As narrativas sobre sua existência, independente dos Manifestos, são pouco coerentes e assumem, muitas vezes, um papel de legitimidade alheia à sua aparente ideia original. O caso de Francis Bacon é bem interessante, considerado Imperator Rosacruz, ou seja, líder máximo da sociedade rosacruciana, em seus escritos não há nenhuma afirmação em que assumisse esta patente ou sequer sua pertença à fraternidade rosacruciana. A conclusão de que ele estivesse relacionado de alguma maneira aos Rosacruzes coube a autores posteriores, mais ou menos alinhados com o esoterismo e a representatividade Rosacruz, especialmente séculos depois, como é o caso de teosofistas e dos esotéricos afins. No outro caso inglês, de Robert Fludd, houve defesa ao rosacrucianismo mais como sendo uma entidade imaginária do que sendo um concreto apoio a uma instituição de ensino hermético ou hermetista. A falta de comprometimento, enquanto participante institucional, se dera com o alemão, e apontado como sendo influente na atuação de Fludd e secretario da Ordem, Michael Maier, que escrevia como sendo defensor do rosacracianismo mas deixou claro que não membro de qualquer instituição Rosacruz. Além disso, se fossem participantes de uma instituição de ensino em comum, seus escritos estariam alinhados doutrinariamente, ou pelo menos estariam referenciando reciprocamente suas ideias pois eram contemporâneos e, de acordo com os autores entusiastas do rosacrucianismo, eram amigos. A liberdade que tiveram em publicar suas obras e a posição que assumiam protegidos por príncipes e reis afasta a ideia de que foram discretos por causa de perseguições. A atuação de Fludd e Maier, ajudaram, inquestionavelmente, na difusão do ideário rosacruciano e sua possiblidade institucional no imaginário europeu, mas não em sua expansão enquanto escola de mistério ou instituição qualquer.  Deste modo, temos o movimento Rosacruz como sendo, na primeira metade do século XVV, uma existência imaginada, infundada documentalmente e refém de posteriores narrativas interessadas em legitimar ideias fora de seu verdadeiro escopo. 

Os Manifestos, fundamentais para que seja considerada a existência de uma instituição Rosacruz, foram renegados pelo autor do Terceiro Manifesto, Valentim Andrea, e o Círculo de Tubigen, provável fonte inspiradora do Fama e do Confessio discretamente desaparece. A menção ao rosacrucianismo por Fludd e Maier, de certo modo, os ajudou em suas relações pessoais e agregou muito em suas carreiras como detentores de poderosos conhecimentos. A mentalidade que principiava a ideia rosacruciana, o imaginário de um colégio místico e a solenidade do tema, também foram construídos durante suas atuações. 

E.L. Mendonça
À.G.D.G.A.D.U.
Saluctem Punctis Trianguli


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HUTIN, Serge. O esoterismo da História Da Atlântida aos Estados Unidos De Cagliostro à Mary Poppins. Tradução de Rosana Pontes. Curitiba: Grande Loja de Jurisdição portuguesa, 2004.

MCINTOSH, Christopher. Os mistérios da Rosa-Cruz. Tradução de Ayudano Arruda. São Paulo: IBRASA,1987.

REBISSE, Christian. Rosa Cruz História e Mistérios. 2 ed. Curitiba: Grande Loja da Jurisdição portuguesa, 2012.

SABLÉ, Erik. Dicionário dos Rosa-Cruzes. Tradução de Renata Maria Parreira Cordeiro. São Paulo: Madras, 2006.


Nenhum comentário:

Postar um comentário