Este estudo tem como propósito apresentar subsídios para a
compreensão e reflexão da conceituação de espiritualidade no meio maçônico. O
livro em análise, uma espécie de ensaio filosófico, merece ser criticado como
opinião daquilo que se concebe como sendo identidade maçônica, relacionada à
sua ideia de Deus e divindade. O título, inclusive, aborda de modo generalizado
o que seria esta relação entre homem e Deus, o que caracteriza, geralmente, a
espiritualidade.
O PENSAMENTO RELIGIOSO: DEÍSMO E MAÇONARIA
O autor começa sua crítica esquematizando uma fórmula de
rotulação histórica baseada em Giambattista Vico, filósofo italiano e considerado,
no século XIX, como pensador Iluminista. A divisão de tempo, elaborada por
Vico, concebia a história humana dividida em três épocas: deuses, heróis e
homens. A primeira das eras é caracterizada pelos homens estúpidos, insensatos
e horríveis animais, dominados pelos sentidos, paixões e desprovido de
reflexão. Esta era a fase pré-racional ou época dos deuses, pois os
homens em tudo atribuíam os fenômenos da natureza aos deuses. Com mente
infantil, os humanos tinham a ideia de que as divindades eram terríveis e
punidoras e os costumes eram salpicados de religião e piedade. A
comunicação dos deuses, a exemplo de Júpiter, deus do trovão, para os homens
estava baseado em augúrios da natureza. Este tipo de linguagem era de
adivinhação, o que os gregos chamavam de Teologia, que quer dizer ciência de
falar aos deuses.
O período dos deuses é sucedido pelo período dos heróis,
caracterizado pela predominância da fantasia sobre a reflexão, onde a
consciência racional ainda não amadurecera completamente. A estrutura
social é baseada na autoridade indiscutida e indiscutível pois era
expressão dos deuses e, a exemplo de Homero, era uma sociedade de ideal másculo
e guerreiro, fascinado pelo sangue, costumes rudes e homens quais
crianças pela franqueza da mente. Esta é sucedida pelo período dos Homens,
a era racional. Escudado em Vico, o autor apresenta a nova sociedade, centrada
no Homem. Esta é a Era de ampliação da mente humana e em que a plebe era de
igual natureza que os nobres. Este novo pensamento, ou forma de pensar, é o das
revoluções de emancipação social. A metafísica fantasiosa seria
mudada a favor da metafísica racional. Nos períodos anteriores, a ideia
de justiça e verdade era de sabedoria parca, mas no período dos homens a história
baseia-se numa natureza racional que reconhece a consciência, a razão e o dever.
Desse modo, a natureza humana é a base da igualdade, da justa
sociedade e da razão.
O homem pré-moderno, com sua incapacidade de julgamento crítico, tentava aplacar as forças da natureza com orações, prendas e intervenções, a religião sobrenaturalista. Relacionado este tipo de homem, o autor apresenta os séculos XIX e XX e metodiza teístas de um lado e deístas e ateus, do outro. O discurso em unir deístas e ateus é muito importante para a mensagem subliminar, pois estão contrapostas duas vertentes de pensamento e não três, como deveria ser para o bom entendedor, pois o ateu não acredita em nenhuma forma de Deus ou pensamento religioso. Ressalvo que o autor, até o fim do capítulo, não fará nenhuma relação ou comentário sobre ateus ou ateísmo, ficando tudo à incumbência do deísmo e o contraponto teísta. Isso transparece que, na verdade, seriam mesmo duas vertentes em discussão: teísmo e deísmo-ateísmo.
O teísmo, sobrenaturalista, crê em milagres , curas
sobrenaturais, Deus pessoal, graças, promessas, oferendas, encarnações (sic),
escrituras e relíquias milagrosas sem critério de autenticidade. O teísta, de que
a verdade revelada não pode ser reduzida a uma verdade racional é do de
crença na revelação sobrenatural, que seria o conjunto de verdades
(mandamentos) que são conhecidos do homem, mas que ficam reafirmadas por sua
procedência divina, ou um conjunto de mistérios ( dogmas) inacessíveis à razão
humana, mas aceitáveis em razão de constituir a palavra divina, o que irrita
por demais um racionalista que somente aceita algo submetido à luz da razão.
Contestando o conceito religioso de Revelação, o autor apresenta uma lista de
sobrenaturalistas divididos em tradicionalistas, liberais, modernistas,
dogmáticos (!), etc.
O teísmo, pelo método de argumento utilizado, está situado
ne período negativado da história ou época dos deuses e dos heróis, sendo seu
produto. Deste modo, encerra a contribuição da análise teísta. Segue-se o
Iluminismo... A época dos homens é a da razão e liberdade de consciência,
das informações, do serviço da inteligência e do livre pensamento. O autor,
citando Ragon: a filosofia liberta o espírito de toda crença vã.
A razão crítica, elenca o autor, é do conhecimento científico, melhora progressiva
das condições espirituais e materiais da humanidade, rejeitando a dogmáticos
sistemas das religiões, defendendo o deísmo. Este deísmo, pensamento
religioso moderno, é naturalista e racional, sendo o sobrenatural,
irracional.
O deísmo, integrante do Iluminismo, é a religião racional
e natural à qual se vinculou uma moralidade laica, é tudo e só aquilo que a
razão humana pode admitir. Escreve ainda o autor que com relação a Deus,
este criou o mundo físico e moral, e admite a vida futura que
receberá julgamento pelo bem e pelo mal que realizou e cita Voltaire: Por
religião natural devemos entender os princípios morais comuns a todo gênero
humano. Porém, é bom neste momento fazer uma rápida análise conceitual. De
acordo com o Dicionário de Filosofia, de Abbagnanno, esta assertiva de que o
deísmo discursa sobre “vida futura e julgamento” é destoante com o pensamento
de Voltaire. Como será discutido, o deísmo possui duas vertentes, a inglesa,
original e mais levada ao “espiritualismo”, e a francesa, ou continental, mais materialista.
Nesta concepção afrancesada de deísmo deve ser contextualizado Voltaire, que
era de pensamento mais crítico às formas espiritualistas. Outra intepretação
entende que o deísmo amadureceu no continente do século XVII ao século XVIII,
sendo que a intepretação dada pelo Iluminismo francês, com Voltaire sendo o
representante, a forma maturada desta teoria. O discurso apresentado pelo autor
é de que as duas vertentes dialogam, com Voltaire sendo o porta voz, mas é esta
ideia anacrônica.
O homem de espírito científico não entende que Deus
seja a causa dos fenômenos naturais, mas como criador de suas causas,
deixadas como Lei imutável e universal. O Deus do naturalismo religioso
não é mágico ou passional, mas sábio criador. O homem moderno purifica
seus conceitos religiosos e o Grande Criador do Universo, racionalmente, não
faz prodígios em milagres e graças, como se fosse jogo pedagógico,
baseado em orações e sacrifícios. As revelações típicas da época do
período dos deuses e dos heróis, ou dos homens pré modernos, deram lugar às ciências
médicas e psíquicas.
O deísmo, em sua forma radical, não há noção de Deus, nem de
religião revelada, renegando o providencialismo, a graça e redenção. Outras
correntes deístas excluem a noção de pecado ou de mal. O autor, neste caso, não
especifica quais são estas correntes. O mais compreensível é de que seja o
deísmo uma forma que foi evoluindo ao longo do tempo e finalmente encontra sua
plenitude e lógica com a antirreligiosidade. O que não é, porém, admito no
texto.
É interessante analisar como o autor trabalha a ideia de
providencialismo e governo. Textualmente, Deus governa o mundo
(Providência), que castiga os maus e recompensa os bons, inclusive na vida futura.
Ora, este tipo de providencialismo no mundo não é deísmo. A ideia deísta é de
que a natureza obedece às Leis deixadas por Deus, isto é estático e não há
intervencionismo. As Leis da natureza são o governo do mundo, pois qualquer
intervenção em sua perfeição faz de Deus uma pessoa que interage com a Criação.
O castigo aos maus e recompensa aos bons é muito mais um “jogo pedagógico” do
que uma “racionalidade” estática deixada à inteligência humana. O Deus
intervencionista, pessoal e “pedagógico”, é um Deus Teísta. As atribuições
teístas, neste caso, são transferidas, pelo autor, para o arcabouço teórico
deísta.
A Maçonaria recebera do iluminismo e do deísmo a qualidade
de abandonar sobrenaturalismos, dados agora como superstições. A
liberdade de pensamento e tolerância religiosa, assim como o ideal de república
democrática, combatendo os absolutismos, também estão entre as qualidades
iluministas e deístas. Novamente citando Ragon, seria o deísmo a crença na
existência de Deus sem revelação nem culto, ou a religião da razão.
A defesa à liberdade de pensamento é devido a postura esclarecida e reflexiva
perante a crença num Ente supremo, longe de fanatismo e obscurantismo.
Como uma forma de não rejeitar completamente o teísmo em Maçonaria, o autor
escreve que a entidade respeita o teísmo e o deísmo.
ANÁLISE DO CAPÍTULO
O pensamento do autor do livro está baseado nas definições
deste capítulo. A teoria de que o deísmo possui virtudes espiritualistas,
embasamento e apoio de maçons como Voltaire e Ragon, além da proteção dada
contra o teísmo, são as bases utilizadas para enaltecimento deísta e sua
adequação ao arcabouço doutrinário maçônico. O bom entendimento deste capítulo alerta
ao leitor de que o autor defende uma nova concepção de fazer maçonaria.
O filosofo e historiador Giambattista Vico (1668-1744), dividindo a história, em 1725, na obra Princípios de uma Nova Ciência, não estava focado em criticar o teísmo ou suas formas, mas sim as formas de governo do mundo. O princípio religioso seria apenas uma das suas causas e não fator determinante. A era dos homens seria o ápice da filosofia engajada de Vico. De acordo com Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, no Dicionário básico de filosofia, Vico era crente na condição da natureza humana, capaz de governar de acordo com empatia e igualdade (2006:277). Para o História da Filosofia, de Bernadette Siqueira Abrão (org.), Coleção Os Pensadores, a teria de Vico não seria linear, como dá entender, mas cíclica. A República Romana, por exemplo, é o ápice, por sua forma de governo “racional”, da era dos homens. Porém, os vícios degeneraram os homens e o ciclo foi encerrado para dar início a outro, de repetições comuns (2004: 263). Desse modo, o engajamento do autor o faz entender que o sistema republicano é o topo do racionalismo. Mas os vícios humanos fazem o belo sistema falhar, ou seja, a natureza humana decai moralmente em ciclos e, apesar de imbuídos de razão, esta não é suficiente para o definitivo avanço da humanidade. Noutras palavras, a simples razão humana não é fundamento de estabilidade.
Para a definição acabada de homem pré-moderno, o autor faz
um enquadramento teísmo-irracionalismo- regime opressor. O homem moderno,
presunçosamente iluminista, justo e racional, está representado pela liberdade,
igualdade e fraternidade. O alerta de Vico, de que os regimes racionais
reiniciam por ações que demonstram falhas da natureza humana, é desatendido. O
homem moderno inaugura a era da razão, confundida como a era dos homens. Não
foi contemporânea de Vico a Revolução Francesa. Neste regime, por exemplo, o
conceito de liberdade foi relativizado, em 1793, pelo “Comitê de Salvação
Pública”, com a criação do conceito de “despotismo da liberdade”, que
legitimava execuções penais fraudulentas, perseguições e assassinatos a
religiosos. Foi o período denominado Terror. O povo foi a bucha para os canhões
revolucionários. O conceito de “despotismo da liberdade” seria, tempos depois,
irmanado com a ideia de “Ditadura do Proletariado”, sob o tacão do “socialismo
científico”. As duas noções de governo exaltavam a razão humana e rejeitavam o
Sagrado. Em termos de fatos históricos, as duas concepções foram derrubadas
pelos “vícios humanos”. Nestes casos, o Teísmo não foi base filosófica, nem
para o “despotismo da liberdade”, nem para a Ditadura do Proletariado”. Portanto,
além da filosofia de Vico não endossar uma nova era permanente da razão, temos
que foi a “fé” na razão humana que fez com quem as virtudes pretendidas fossem
derrubadas pelos vícios, inerentes ao homem.
Os ataques ao Teísmo nos fazem buscar compreender e estudar
um pouco mais esta definição. De modo bastante resumido, temos que Teísmo é um
conceito que está baseado em duas qualidades: Deus é uma pessoa e exerce
providência na Criação. De acordo com o Dicionário Básico de Filosofia, é doutrina
que afirma a existência de um Deus único onipotente, onipresente, e onisciente,
criador do universo, tal como na tradição judaico-cristã (2006:264). Deste
modo, Japiassú e Marcondes, entendem, inclusive, que a referência monoteísta é
a principal para o entendimento do termo. Para Nicola Abbagnanno, em seu
Dicionário de Filosofia, o Deus, no teísmo, atua por Revelação e não está
subordinado à razão pura do homem; como diria Kant, o teísmo tem por
característica o Deus vivo. Deste modo, o Teísmo é um aspecto
essencial do espiritualismo (ou personalismo) contemporâneo (2000:238). Os
manuais de Filosofia não entendem que o Teísmo seja uma ameaça à razão humana
ou um fundamento irracional para imposição de regimes opressores, esta é a
interpretação “engajada” de autores que são inimigos da religiosidade como
sendo meio de composição política e social. O espiritualismo, essencial no
Teísmo, não está muito bem contextualizado ao modo de conceber na típica
deísta.
O Teísmo, segundo Nicola Ciola, no Léxicon, ao admitir um absoluto
pessoal e transcendente é o oposto ao ateísmo, negação de Deus, e ao
deísmo, afirmação de um Deus impessoal e distante da natureza e da história, e
da consequente impossibilidade do milagre. Além destes, o Teísmo está oposto,
ainda, ao panteísmo, do Deus como o todo da criação, e ao niilismo, que
proclama a morte de Deus como sendo espírito de uma época característico da
pós-modernidade filosófico teológica (2003: 724-725).
O Teísmo não é uma conceituação que implique em desvirtuar a
paz social e política entre as sociedades humanas. O Ser superior “pedagogo”
foi a mentalidade que resultou na primeira legislação oficial escrita, o Código
de Hamurabi ( aproximadamente 1772 a.C), dádiva do deus Shamash, que unificou o regulamento social no império
babilônico, normatizando a ética daquela civilização. A mentalidade religiosa
foi uma aliada ao desenvolvimento as civilizações e a introspecção do homem em
sua elevação espiritual está muito mais relacionada à compreensão de um Deus
pessoal e ativo do que a uma divindade impessoal e indiferente. Exceto para os
desconstrutores sociais, à moda materialista ou pós-modernista, é de fácil
entendimento e percepção que o desenvolvimento cultural e o respeito entre os
elementos da comunidade são derivados da inteligibilidade de textos sagrados e
sua constância atemporal.
A descrença deísta não apresentou para os europeus uma
sociedade satisfatória aos anseios populares, ficou reservada a abastados
filósofos inquietos e preocupados em massagear o ego na intenção de colocarem-
se acima de Deus. A falta de certezas científicas, que concluíssem o modo de
conceber o universo, deu ao deísmo um discurso falacioso de crença em Deus,
pois é retirado do homem sua ascese espiritual, seu deus é a Razão comportada
pelo seu próprio ego. A filosofia deísta é presunçosa e egocêntrica, redunda em
materialismo, e este é o responsável por momentos históricos de “despotismo da
liberdade”, como o Terror jacobino revolucionário francês, ou da “Ditadura do
Proletariado” dos Gulags soviéticos.
O autor também ataca o Revelacionismo, acessório do Teísmo e
sua forma de comunicabilidade. Para Eva Carlota Rava, no Léxicon, Revelação é
o ato livre com que Deus comunica seu mistério à humanidade convidando-a à
partilha. A revelação constitui o fundamento da fé e sua referência constante;
a teologia, que nasce da revelação, procura compreender o mistério à luz da
inteligência. A comunicação de Deus com o homem é baseado na Palavra, mas
também é observada na natureza criada, pela história e os fatos humanos, pelos
profetas em tempos de resgate, e, finalmente, na encarnação do Jesus Cristo. A
Revelação, de qualquer modo, demonstra que Deus é Pai atuante, cuidador dos
filhos e os amadurecendo no reconhecimento que são criaturas (2003:663). De
acordo com Japiassu e Marcondes, a manifestação divina não é incompatível com a
inteligência humana. As verdades divinas dos textos sagrados são revelações de inspirações
divinas (2006:240-241). A beleza textual e filológica das composições são
exemplos das contribuições que a religiosidade dispôs à cultura das
civilizações. A Palavra Revelada é uma doutrina dos Paramentos Maçônicos, a
Bíblia Aberta recebendo o Esquadro e Compasso. Este é o símbolo da
fundamentação espiritual maçônica, integrada à religiosidade.
A relação entre Teísmo e Revelação também está associada
entre seus pares, Religião e Espiritualidade. A religião, na definição de
Japiassú e Marcondes, é a crença em Deus baseada em celebrações rituais e
admite a dissociação entre ordem natural e ordem sacral ou
sobrenatural (2006: 239). Não à toa que o Maçonaria adotou o termo “profanos”
para os que não estão “dentro do Templo”, uma aberta demonstração do conteúdo
conceitual e usual da religiosidade maçônica. De acordo com Hans-Joachim
Sander, no Novo Léxico de teologia católica, religião é a vinculação duradoura
a um poder que transcende o ser humano e o mundo ou os que fundamenta em sua
profundeza. A terminologia religare é uma espiritualidade da ligação
permanente com Deus (2015:403). A espiritualidade, na compreensão de Japiassú e
Marcondes, é o privilégio do espírito ou a alma em relação à matéria ou corpo,
sendo o espírito constituído de natureza autônoma, mais puro e elevado
(2006:93). Na concepção de Asseldonk, no Léxicon, a espiritualidade é a causa
da unidade mística com Deus (2003:253), posição adequada também em
Bertram Stubenrauch, no Novo Léxico, pois a terminologia espiritualidade é criada
de Spiritus Dei , ação do Espírito atuar sobre os homens na forma de
entender a Deus. Não há relação desligada ou dissociada entre espiritualidade e
religiosidade, seja no campo da filosofia, teologia ou história, a
espiritualização é uma elevação ao Ser Divino (2015: 200-202). A
espiritualidade para o discurso teísta, este sim, é algo compreensível e
justificado.
PROBLEMATIZAÇÃO DAS IDEIAS DISCUTIDAS
O título “O pensamento religioso: Deísmo e Maçonaria” está
inadequado conceitualmente. O Deísmo, de acordo com Abbagnanno, começa na
Inglaterra, principalmente nos escritos de Herbert Cherbury, em De Veritate
(1624), e John Toland, em Cristianismo sem mistérios (1696), neste tempo, o que
seria denominado de Deísmo, ainda se falaria em “Religião Natural” com
peculiaridades aproximadas ao Teísmo, como criação e governo divino do
mundo, retribuição do bem e do mal em vida futura. Porém, ao difundir-se na
Europa como elemento do Iluminismo, os deístas, a começar por
Voltaire, negam que Deus se ocupe dos homens e lhe atribuem a mais radical
diferença quanto seu destino (2000:238). Neste caso, temos que o Deísmo em
sua comparação e finalidade filosófica, oposta ao Teísmo, amadurece em sua
natureza de oposição e perde qualquer referência de tipologia espiritualista.
Como analisado, o espiritualismo ou espiritualidade exige a crença em uma
existência imaterial distante de qualquer comprovação científica e fruto de uma
mentalidade baseada no Revelacionismo, incluindo a terminologia provinda do
vocábulo Spiritus Dei. O autor apresenta uma ideia de que existe tipos
de Deísmo, mas ao que parece , ao citar que
“Deus governa o mundo (Providência), que castiga os maus e recompensa os
bons, inclusive na vida futura”, está confundindo com a fase imatura do Deísmo,
quando não estava plenamente conceitualizado. A natureza deísta, por sua lógica
de oposição ao Teísmo, não dá procedência à disposições doutrinárias oriundas
da Revelação.
O uso de Voltaire como sendo um atestado de que a Maçonaria
é deísta é falho e carente de conjunturas. A relação de Voltaire com a
Maçonaria é incongruente. De acordo com Japiassú e Marcondes, Voltaire era um panfletário
inimigo da religiosidade. O livro O século de Luís XIV (1756), além de
elogiar o rei, ataca a religião; desenvolvendo a ideia de que
obscurantismo é sinônimo de religiosidade, oposto à razão sendo esta contra a
idiotice e a crença. O Cristianismo é abertamente combatido no Dicionário
filosófico (1762), o considerando infame (2006:279). Durante o auge de
seu prestígio e apoio das cortes, nunca foi interessado à Maçonaria. A atuação
maçônica na França começa, obediencialmente, em 1728 com o nome de Grande Loja
da França. Com a atuação eivada de política, a Maçonaria na França é modificada
em 1773 com a influência de Luis Filipe d´Oleans, que trouxe costumes estranhos
a tradição maçônica. A iniciação de Voltaire ocorre no contexto do Grande
Oriente de França, potência que pretendia rivalizar com a original inglesa. De
acordo com Nicola Aslan, a iniciação foi parte da inciativa de Benjamin
Franklin, com Voltaire muito debilitado. A iniciação foi no mesmo ano de sua
morte, 1778, não havendo qualquer imersão maçônica. Franklin tinha uma
participação ativa na Maçonaria americana, herdeira das tradições inglesas, até
1762, mas desde 1776 a 1785 engaja na maçonaria francesa, principalmente na
afamada loja Nove Irmãs (2012:518). Contextualizando a atuação de Benjamin
Franklin na França, temos um aparente abandono da Maçonaria em seu solo pátrio.
Os Estados Unidos estavam em guerra contra a Inglaterra (1775-1783) e
possivelmente as relações maçônicas estavam abaladas. O Deísmo estaria
contrariado com ritualística maçônica de cunho bíblico (revelacionista) e o uso
doutrinário da nomenclatura Grande Arquiteto do Universo, abolido pelo Grande
Oriente de França em 1877, principalmente com a Lenda de Hiramita.
O Deísmo não estaria muito adequado àquela época à sua
finalidade filosófica. A ritualística espiritualista estava mais afim com o
Teísmo do que a frieza deísta. Nisto temos Ragon, outro maçom que o autor tenta
associar ao Deísmo. José Maria Ragon (1781-1866), foi um dos responsáveis pelo
Rito Misraim na França e ocultista declarado, também ficou conhecido pelo seu combate
aos Altos Graus e ao escocesimo. Seu livro mais conhecido, o Ortodoxia Maçônica
(1853), deixou de ser reeditado, de acordo com Aslan, devido suas inúmeras
inexatidões (2012: 1140). O perfil de Ragon, não está muito bem adequado
com os princípios deístas, talvez sua indisposição com o R.E.A.A. o tenha
afamado e tivesse merecida menção por aqueles que criticam o escocesismo.
Enfim, Ragon não é uma referência conceituada para quem critica crença vã.
Outra problemática são as críticas aos Revelacionismo, este
modo de desprezar a Bíblia (no âmbito do país de maioria cristã) não está de
acordo com o ternário dos Paramentos, ou Luzes Maiores, da Maçonaria. Os
Paramentos Maçônicos são Esquadro, Compasso e Livro da Lei, ou Livro Sagrado.
De acordo com José Castellani, no Dicionário etimológico maçônico, as Três
Grandes Luzes Emblemáticas da Maçonaria, um dos símbolos máximos maçônicos,
é habitual na maior parte dos Ritos (2004:75). Por exemplo, no R.E.A.A. o Livro
da Lei ou Volume Sagrado, ou simplesmente Bíblia, deve estar aberto, pois
simboliza exatamente a Revelação que doutrina cada Grau em sua ritualística:
Salmos 133 ou João 1.1-5; Amós 7.7-8; e Ecl 12. 1-7. Qualquer discurso com
intuito de menosprezar o Revelacionismo bíblico é desrespeitar, não apenas o
R.E.A.A., um dos mais tradicionais do país, mas afeta ainda a religião dos
crentes cristãos que participam dos Ritos acertadamente teístas, pois estão de
acordo com sua concepção de fé.
A intenção de adequar a Maçonaria a uma ideia pessoal de Deísmo
deve ser entendido como um empecilho ao bom entendimento do que seja a
instituição. Seria muito mais eficaz que autores com concepções próprias de Maçonaria
fossem apresentados por editores em sua graduação de Rito ou qual Rito
participam. Isso evitaria um a ideia indistinta do que é Maçonaria, servindo
para uma melhor exposição e entendimento. Apresentar a Maçonaria numa versão
“deísta” recheado de críticas ao “Revelacionismo” não é um bom serviço, ou pelo
menos não é uma opinião firmada no modo de fazer Maçonaria, na sua forma
habitual e tradicional.
CONCLUSÃO
O capítulo do livro analisado começa com uma oração
conhecida como oração da serenidade, amplamente difundido pelos Alcoólicos
Anônimos, sendo uma prece de apelo a Deus por sua intervenção e providência.
Para se falar de Deus, o autor defenderá o Deísmo e usará como argumento a
figura de simbólica de Voltaire. Porém, como discutido, Voltaire não tinha uma
imersão maçônica que o valesse como entendido e estudioso das tradições maçônicas.
A ideia de Deísmo no Iluminismo, referendado por Voltaire, não crê que Deus se
ocupe dos homens e lhe atribuem a mais radical indiferença (2000: 238).
Dificilmente o deísta do Iluminismo, período de máxima racionalidade
“viconiana”, faria uma “oração da serenidade” apelando por uma providência
divina. Esta é a crítica a ser feita em debater qual a compreensão exata de
Deísmo. A ação providencialista de Deus é parte essencial do Teísmo, crença
professada pelo autor da oração da serenidade, o teólogo evangélico Reinhold
Neibuhr.
As críticas à religiosidade e ao Revelacionismo não ajudam
ao entendimento do conceito de espiritualidade. A espiritualidade, de
etimologia Spiritus Dei, está intrínseca à ideia fornecida pela Bíblia, Palavra
Revelada. A religiosidade, etimologicamente relacionada ao religare, ou à
Palavra Revelada, não é à parte da Bíblia. A interação do homem com Deus, não
estranha à crença Teísta e a sua Palavra Revelada, é perturbador para um
“racionalista deísta”, pois não aceita uma divindade pessoal. A
espiritualidade, sem interação do homem com Deus, é um conceito atribuído ao
Deísmo de modo incomum. A principal característica do Teísmo é o relacionamento
do homem com Deus, pela sua Palavra Revelada, inteligibilidade, rogos e
interação. A “espiritualidade” Deísta é alheia ao “religare”, ao Spiritu Dei e
a interação do homem com a divindade. Maçônicamente, o Teísmo é,
autenticamente, o modelo da maioria dos Ritos. Esclarecendo o assunto, Alec
Mellor, em seu Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons, escreve que
o Deísmo é uma oposição ao cristianismo e que foi utilizado pelo autor anti
maçonaria, Bernard Fay, para induzir os leitores de que a Grande Loja de Londres
tinha como pretensão, em sua fundação, desfazer-se do Cristianismo a favor do Deísmo.
Porém, os Estatutos de Anderson eram teístas (1989: 103).
Espiritualidade não combina com Deísmo, e este não combina
com a Maçonaria clássica. A ideia de que existe vertentes variadas de Deísmo,
havendo radicalismo, também não está muito bem fundamentada, muito menos se o
referencial de autoridade argumentativa estiver baseado em Voltaire. Não há
outras vertentes além da inglesa e francesa, com esta sendo o amadurecimento
daquela. A crença na racionalidade humana como sendo a solução para os problemas
da humanidade, sendo a religiosidade Revelada, por exemplo, um mal, está
defendida na omissão dos males causados pela política revolucionária que exclui
o Deus Revelado de seus parâmetros. No âmbito da Maçonaria, a associação com o
Deísmo, com alusão ao ateísmo, ameaça não apenas a participação de maçons cristãos,
mas confunde a maioria dos Ritos, que são teístas. A tradição maçônica ao ser
honrada manterá o dever místico de transformar o homem. Sem a mística maçônica,
a Ordem será um clube social de filosofia vã e perdida , troféu para os céticos
e materialistas.
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