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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

INSTRUMENTOS DO APRENDIZ: MAÇO E CINZEL (PAINEL FRANCÊS R.E.A.A)


 

Os Instrumentos do Aprendiz Maçom compõem o Painel Simbólico de inspiração deísta francês. Nesta versão, o maço e o cinzel representam o desbaste da Pedra localizada na Coluna do Norte tal qual são utilizados no Ritual de Iniciação. O presente trabalho analisa sua finalidade esotérica e apresenta propostas que estejam concatenadas com a doutrina maçônica.
Trabalho dedicado ao IrJoão Estevam Fernandes Neto


O Painel Francês de Aprendiz para o R.E.A.A

O Grande Oriente do Brasil adotou o Painel Francês como sendo oficial para o Rito Escocês Antigo e Aceito em 1981, durante o Grão Mestrado de Osíris Teixeira. Este Painel francês é envolto de mistérios em sua origem, pois não há uma datação oficial e precisa. O G.O.B entende que este Painel é único e suficiente para o R.E.A.A, não havendo a utilização do outro Painel, o inglês, também denominado de alegórico. 

Não raramente, os dois painéis eram encontrados em Lojas Simbólicas havendo uma sutil distinção entre o francês simbólico e o inglês, alegórico. Esta distinção é superficial, levando em consideração que seja um arranjo para compatibilizar as duas tradições.

O Painel Inglês, ou Painel de Harris, foi pintado em 1823 por John Harris praticante do Rito de Emulação, sendo este Painel utilizado por outras Obediências e Ritos “a partir de 1846” durante o desenvolvimento de outros Ritos , a exemplo do R.E.A.A (Juk, 2007:93). Este Painel ainda é utilizado para o Ritual de Aprendiz em outras Potências, exceto G.O.B. 

O Painel de Harris é muito conhecido e como fazia parte do Ritual de Aprendiz de modo amplo entre as Lojas Regulares brasileiras, seu estudo e exegese é comum entre os autores maçônicos consagrados, sendo sua aceitação na Maçonaria brasileira ainda legítima e estudada como parte do entendimento dos símbolos para o Grau de Aprendiz. 

Os instrumentos do Aprendiz, porém, para o Painel francês, recebe modificações que faz parte do ideário deísta de seu ensinamento. Além da omissão do Livro da Lei aberto ou fechado, o Painel traz apenas dois instrumentos se comparado com o inglês, que tem três: o Maço, Cinzel e Régua de 24 polegadas.

Os Painéis são de uso da Maçonaria Operativa, denominados de tracing board ou ‘’tábua de delinear’’. Nas Lojas primitivas, o Cobridor desenhava no chão símbolos secretos que depois da sessão extintos. No século XVIIl, os painéis dos três Graus eram desenhados em tapetes, de fácil remoção, e no século XlX, com John Harris, o Painel recebe o moderno material, símbolos e funcionalidade, inclusive com a didática referente a sessão. A “ritualística do Painel” cabe ao Oficial da Loja Mestre de Cerimônias que descobre e cobre o Painel do Grau.

Exegese dos Instrumentos unidos do Aprendiz

A análise do Maço e Cinzel é adequada se analisada em conjunto, é desta forma e com este conteúdo que está no Painel. A analise em separado não está esotericamente aceito pois estes instrumentos se completam. 

Nicola Aslan, citando Jean Pierre Bayard, escreve: “(...) A forma dinâmica das ferramentas é uma ordem de potência, permite seguir as leis dos antigos e além de sua utilidade prática seria preciso acrescentar-lhes um poder mágico próprio e reforçar o gesto manual. Da sacralidade própria à ferramenta nasce um Rito” ( 2006: 197). 

A interação destas ferramentas se dá com o homem, que com suas mãos ativa sua energia e faz seu serviço de desbaste. O homem primitivo transformava os materiais como um poder mágico, decorrente de sua evolução mental.

Na Coluna do Norte está a Pedra Bruta, a Consciência do Iniciado em estado disforme. O Aprendiz é instruído em desbastar esta pedra, esotericamente é o começo de seu aperfeiçoamento como pedra na construção do Templo simbólico, o Sião do Salmo 133. Para este intuito recebe o Maço, que representa a força física, e o Cinzel , que representa a força intelectual; o lado direito segura o Maço, ativo, é energia da Força e o lado esquerdo, passivo e receptivo, do Cinzel, é a Inteligência (Aslan, 2006: 199). Separados, estes instrumentos são nulos e sozinhos não fazem o serviço. 

O Maço e o Cinzel, em conjunto, representam duas energias, ou seja, a Força de vontade e a Inteligência, a Força de vontade é a energia que justifica e é necessário para o desbaste da Pedra, ela é primordial e por isso ativa, a Inteligência é a energia que recebe ( por isso passiva) esta Força e por sua qualidade modela dando contorno ao desbaste. O esoterismo da mão direita como elemento místico de primordialidade é herança de povos antigos, em especial da tradição judaico-cristã.

Para Pedro Juk, o Maço é a vontade e o Cinzel é a inteligência, a união destes instrumentos favorece o desbastar, sendo que o Maço representa a ação do espírito sobre a materialidade ( 2007:115). Considerando que o espírito seja a força ativa do G.A.D.U influenciando o Iniciado, essa análise de Juk é plausível e corrobora a tese de que o Maço segue o princípio ativo de Força estando à mão direita.

Proposição para a inspiração deísta dos instrumentos.

Os elementos do Painel francês são comumente analisados por grupos ternários, por exemplo Paramentos ou Joias Fixas, ou com símbolos esporadicamente agrupados em ternários, por exemplo corda-laços-borlas ou colunas-pórtico-Delta (incluindo a exegese das Colunas que por proposição formam um ternário B-J-Romãs, com estas sendo uma síntese), apenas o Maço e o Cinzel estão sob a dualidade aparente. No Painel inglês, os instrumentos estão sob o ternário Maço, Cinzel e Régua de 24 polegadas. 

A mística do número três não apenas embeleza a lógica do Painel do Grau, mas por sua finalidade tradicional está associada ao Delta Sagrado, o Triângulo Equilátero, que tradições antigas denominam de Triângulo Sagrado.

A dualidade no Painel também está no Pavimento Mosaico, parte do ternário dos Ornamentos, que por proposição são arquétipos da Orla Dentada, figuras em forma do Triângulo Sagrado . Neste caso, o Pavimento faz interação com o próprio Maçom, sendo ele a terceira ponta metamorfoseado com sua veste sagrada branca e preta do R.E.A.A. A proposta para exegese dos Instrumentos segue este método, a dualidade em si para a exegese do Painel de Aprendiz é uma incoerência esotérica e a terceira ponta da dualidade positiva-ativa-Força e negativa-passiva-Inteligência será o Homem, síntese e Manifestação das energias. 

De acordo com a Lei do Triângulo, nenhuma manifestação perfeita é feita sem a participação de dois pólos opostos( Glossário Rosacruz, 2015:294). Os Instrumentos duais estando intrínsecos em sua natureza manifestam o desbastar pelo Homem, o Homem é o Três, sendo o Um, princípio ativo motriz da Força, o Dois, a passividade da Inteligência. Ora, no ideário tipicamente Iluminista, o qual o deísmo encontra sua forma mais conhecida e conceitual, o Homem em sua razão é o centro das decisões e de seu devenir , não Deus. Este “apenas” criou o mundo e afastou-se dos homens.

Considerando que o Painel francês é deísta, pois não traz em seu arcabouço ilustrativo o Livro da Lei, ou a Bíblia, comparando ao Painel Teísta inglês, temos neste as três ferramentas que auxiliam o Homem, ou seja, há um ternário exclusivo que é suficiente em si para ser utilizado pelo Aprendiz. Desse modo, o Homem não uma Manifestação da dualidade pois ele é exterior ao ternário fechado pelos instrumentos. No caso deísta, o Homem é interior e parte dos instrumentos pois sem ele não há tríade do simbolismo do instrumento para desbaste da Pedra. Vale ressaltar que este método aplicado, também, ao Pavimento o faz em sua exegese separadamente pois o Pavimento, repito, é parte de um agrupamento ternário, os Ornamentos. 

Resumidamente, não é à toa a presença de apenas dois instrumentos para o Aprendiz Maçom, nesta versão francesa há uma influência do deísmo no esoterismo deste símbolo pois salienta a importância do Homem como inserido na aparente dualidade do Maço e Cinzel, ele é a Manifestação oculta no simbolismo e sem ele não há desbaste. O deísmo Iluminista confiava ao Homem e em sua razão cartesiana toda verdade e consciência.

Conceitualmente, o deísmo admite a existência de Deus de modo indiferente ao Homem. Sua revelação está na Natureza, não em tradições históricas ou formas místicas de relacionamento. Para JAPIASSÚ e MARCONDES, seus atributos são totalmente indeterminados (Dicionário Básico de Filosofia, 2006: 66). ABBAGNANO defende que este deísmo começou na Inglaterra com um ideário de manutenção moral de Deus sobre a criação com uma denominação de “religião natural”, mas encontra maturidade no Iluminismo e torna-se parte integrante, os deístas franceses, a começar por Voltaire, negam que Deus se ocupe dos homens , ou seja, não há relação religiosa entre Deus e Homem (Dicionário de Filosofia, 2000: 238).

Proposição para o esoterismo dos Instrumentos do Aprendiz Maçom : Conscientização

A Consciência é a motivadora para que haja a convicção daquilo que o Aprendiz Maçom faz em Loja. Sem haver Conscientização , nenhuma das qualidades místicas oferecidas pela Ordem em sua função de desbastar a Pedra Bruta terá validade. A palavra Consciência está associada a conhecimento em comum de acordo com sua etimologia latina de conscientia ( Dicionário Larousse, 1992:256). No campo filosófico, “tomada de consciência é o ato pela qual a consciência intelectual do sujeito se apodera de um dado da experiência ou de seu próprio conteúdo” (Dicionário Básico de Filosofia, 2006: 53-54). Desse modo, maçônicamente, o desbaste é o ato, o dado da experiência é o ser Maçom e o próprio conteúdo é a Maçonaria. A consciência em ser maçom é dada pela utilização dos Instrumentos.

No Dicionário de Filosofia de Abbagnano, consciência é a possibilidade de dar atenção aos próprios modos de ser e as próprias ações, bem como exprimi-las com a linguagem (2000:185). Maçônicamente, o “ser” Maçom “dá atenção” ou deve saber o que está fazendo, utilizando a “linguagem” simbólica do Maço e do Cinzel. 

Na literatura maçônica, o conceito está associada a alma, pois esta é a sede da consciência, seja pelas faculdades intelectuais e morais, seja como vida dada ao corpo(ASLAN, 2012: 320-321). Resumidamente, a consciência é um estado mental e a alma um princípio exclusivamente pensante. Para Rizzardo da Camino, Consciência é uma evolução mental do Homem, é o “conhecimento” de que possui “Alma”, arquétipo da sala dos passos perdidos, sendo a subconsciência o Átrio e a hiperconsciência, o Templo, a parte divina. ( 2018:114). Resumidamente e tendo o Templo maçônico por modelo, Consciência é a descoberta da alma do homem a partir de uma evolução mental. Esta Consciência não está limitada em si, havendo categorias que são a subconsciência e a hiperconsciência. Para a Maçonaria, em geral, Consciência é um atributo da Alma, que nas tradição grega era denominada de Psiqué e na tradição judaico-cristã, Nefesh.

Na síntese maçônica, Consciência é um atributo sediado na Alma, em parte relacionado ao conhecimento. Numa aplicação filosófica, consciência maçônica é dominar a doutrina e experimentar, através do Rito, sua essência. O conhecimento comum da Maçonaria é base de sua conscientização. A Pedra simboliza a Consciência disforme do Iniciado recém capacitado para deixar a profanidade.

CONCLUSÃO

Os Instrumentos do Grau de Aprendiz Maçom, de acordo com o Painel de inspiração francesa e deísta, são o Maço e o Cinzel. Seu esoterismo revela a Conscientização do Homem em Maçonaria, fundamental para sua evolução na Ordem e sua efetivação. A Consciência, inata ao Homem e atributo de sua Alma, aplicada aos seus conhecimentos maçônicos o faz atestar seu sentimento de pertença e a melhor contribuir com a irmandade, sendo um esmerado partícipe da Força e Estabilidade maçônica.
À.G.D.G.A.D.U.
Emanoel L. de Mendonça Jr
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

REFERÊNCIAS 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti.4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ASLAN, Nicola. Comentários ao Ritual de Aprenzi, Vade Mecum Iniciático. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2006.

___________. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”,2012.

CAMINO, Rizzardo da. Dicionário Maçônico. 5 ed. São Paulo: Madras, 2018.

CASTELLANI, José. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História Doutrina Prática. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2006.

Dicionário Larousse da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1992.

FACHIN, Luiz. Virtude e Verdade Graus simbólicos Tomo I. 2 ed. Porto Alegre: Editora Agir, 2015.

HERNANDES, Paulo Antonio Outeiro. Curso de Formação de Aprendizes do R.E.A.A. 2 ed. Londrina:Editora Maçônica “A TROLHA”, 2017.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

JUK, Pedro. Exegese Simbólica para o Aprendiz Maçom. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2007.


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