As origens da Maçonaria é um tema que deriva sua importância da necessidade de localizar seu registro de identidade histórica e geograficamente. A análise hermenêutica de documentos deve ser bem feita, a Maçonaria era uma sociedade secreta e muitos de seus registros eram apagados ou eram metodizados oralmente. As orientações ritualísticas eram traçadas ao chão e depois deletados para que não houvesse conhecimento cedido aos profanos. Este é um modelo clássico de como a Maçonaria, em sua fase original, desempenhava sua ritualística. Autores antigos e hodiernos, maçons ou profanos, apresentam teorias que tentam fundamentar suas teses do nascedouro da Maçonaria, muitas vezes são percebidas orientações de cunho ideológico ou que assumam diretrizes pessoais que narram a história da Maçonaria de acordo com um ideário preocupado em atender demandas modernas ou modernistas.
No métier de fazer
história, autores apresentam teorias com a intenção de organizar
cronologicamente os fatos maçônicos, sendo a mais conhecida a de denominar a
divisão da entidade em Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa, cujo marco
divisório seria a data histórica de fundação do sistema obediencial maçônico,
em 1717, com a fundação da Grande Loja de Londres, momento o qual a Maçonaria
assumiria um papel de instituição esotérica com fundamentos religiosos e
simbologia apropriada. Antes deste período, assim sendo, a Maçonaria estaria um
pouco perdida na noite dos tempos, com sua origem sendo poetizada por autores
antigos, sua função variante entre associação profissional de construtores e
confraria religiosa e sua essência disputada entre materialistas e
espiritualistas. Os poucos documentos que são considerados canônicos da fase
denominada operativa são Manuscritos que instituem a sociedade perante a
sociedade e suas autoridades, assim como reconhecer contratualmente as relações
entre os partícipes. Apesar disso, principalmente a partir do século XVII, a
instituição maçônica recebe maiores documentações de cunho registrador, sem, no
entanto, desvelar qualquer ritualística comprometedora diante a sociedade
envolvida na estreiteza religiosa e denominacional. Esta divisão cronologia do
desenvolvimento da Maçonaria e sua afirmação institucional possui teorias que
variam entre os que acham que a Ordem foi transformada no período da transição,
com seu maior expoente sendo Alec Mellor, autor do Dicionário de Franco
Maçonaria e dos Franco-Maçons (1989), e os que defendem que a Maçonaria
apenas amadureceu e assumiu o que sempre foi, uma sociedade esotérica com fins espiritualistas,
sendo um de seus defensores Paul Naudon, autor de A franco-maçonaria a
história, a doutrina, os ritos, as obediências (1966).
As disputas entre os teóricos
escondem, em parte, o ideário de cada escola de pensamento, uns defendem que a
Maçonaria seja entendida como uma mera convenção social de estrita finalidade
filantrópica, outros como sendo uma sociedade tipicamente esotérica de fundo
místico e fator filantrópico. Independente das posições, a Maçonaria deve ser
considerada naquilo que a fez estar presente durante séculos, que a fez ter
rituais, doutrinas e simbologias, o que definitivamente a faz distinta de um
clube de amigos cuja serventia seja divertimentos profanos.
Para análise de como a
história da Maçonaria é interpretada no Brasil, estudemos um pouco do
pensamento teórico-historiográfico de Theobaldo Varoli Filho, autor do livro Simbologia
e Simbolismo da Maçonaria, o qual há dissertação sobre Maçonaria Operativa.
A ideia do autor foi a de dar cientificismo, a seu modo, à intepretação da
história do período operativo, com a intenção de defender uma versão que
salvasse a Maçonaria de más influências.
POR UMA SALVAÇÃO DA MAÇONARIA
HISTÓRICA?!
O intuito de Varoli Filho em
apresentar a história da Maçonaria seria a de que a Sublime Instituição
precisaria ser redimida de plágios e de deturpações das correntes
filosóficas (2000:54). Com espírito cruzadista, defende a Maçonaria contra
os mistificadores, aqueles que afirmam uma antiguidade remota da
Sublime Instituição. Para bom entendedor, nosso autor tenta salvar a
Maçonaria daqueles que a fundamentaram, principalmente os Constitucionalistas
de 1723, que poetizaram as origens da Maçonaria a relacionando com a Criação do
Mundo, além dos autores das Old Charges, que possuíam a mesma narrativa
poética. Buscando aliados para seu intuito, faz um recorte entre os autores
maçônicos, isentando os por ele chamados de Maçons autênticos, conceito
bastante utilizado em seu empreendimento. Estes Maçons são os que recebem a
confiança de Varoli Filho em sua discursividade. Interessantemente, há um
ataque ao rosacrucianismo, ainda na intenção de estabelecer suas bases teóricas,
pois os rosacruzes fazem parte de uma seita mística e a Maçonaria não é
religião nem seita. Talvez este alerta seja para rotular a personalidade de
Elias Ashmole que será debatida posteriormente em seu libelo. Assusta ao autor,
ao que parece, credos de misticidade no meio maçônico, pois a Maçonaria é
apenas uma Instituição de Ética Universal (sic).
Porém, a Sublime Instituição é
iniciática discreta e mantém segredos. Para o autor, ao que
parece, iniciático é apenas sinônimo de secreto ou segredos discretos (?), o
que subestima o conceito de iniciação e a cerimônia inclusa no mundo maçônico.
Na luta desmistificadora, alerta que não há confundir (sic) usos e costumes profissionais
da antiga Arte de construir com as origens legítimas da instituição, a
Maçonaria Especulativa adotou regras antigas dos trabalhadores e
construtores dos templos, restritos a um escopo moral. Nisso, a
iniciação seria apenas uma inovação dos especulativos, pois a antiga Arte não
estava para além do escopo moral. O que parece inconclusivo na tese é a
validade histórica da iniciação, pois houve a contextualização de
desmistificação e costumes profissionais, não elucidando a temporalidade do uso
do cerimonial iniciático e seus elementos.
Analisando os documentos
históricos com a caneta desmistificadora, Varoli Filho evoca o autor,
certamente Maçom autêntico, Lionel Vibert, do Freemasonry Before the
Existence of Grand Lodges (1956) para avisar que a Maçonaria não se
originou da Babilônia, nem do Egito, nem do Templo de Salomão nem dos Essênios,
acrescentando os Collegia de Numa Pompílio e os Mestres Comancinos. O
problema em Vibert está em subestimar o estilo literário de contar a história
utilizado pelos maçons operativos, modelo perfeitamente adotado pelos
especulativos e reproduzido pelos maçons oitocentistas, ou seja, eles
utilizavam uma linguagem poética que legitimava a Maçonaria por sua tradição,
que seria uma herança dos tempos antediluvianos. A intenção dos maçons
fundadores não era de iludir os neófitos ou de demonstrar estupidez
artificiosa, mas de romantizar ao máximo a ideia de origem com uma narração que
a familiarizasse com epopeias e personagens bíblicos. O que temos em autores
como Vibert, Varoli Filho e outros, que exarcebam um criticismo ingênuo, são
erros metodológicos que causam pauperização à Maçonaria e a sua profundidade
literária. No entanto, muitos autores, sérios e competentes, maçons ou não, não
hesitam na problemática de considerar influências dos Collegia ou dos Mestres
Comancinos, nem sua historicidade, sobre a formulação da Maçonaria. Um dos
maiores pensadores de Maçonaria do século XVIII, contemporâneo dos fundadores
da Grande Loja de Londres e um dos idealizadores da Grande Loja dos Antigos,
autor do aclamado livro Illustrations of Masonry (1772), William
Preston, foi de taxado por Varoli Filho de imaginoso e descuidado devido
a esta bobagem: Podemos encontrar indícios dos alicerces da Maçonaria
desde a própria origem do mundo. Outro autor, George Oliver (The
Antiquities of Free-Masonry, 1823), que influenciou as pesquisas de Albert
Mackey, não escapou à ira desmistificadora, recebendo a balda de um dos
mistificadores mais ousados, pois acatava as antigas tradições maçônicas
que diziam ser a ciência maçônica existente antes da criação do universo e
que a instituição maçônica é semelhante, em princípios, com a
primitiva constituição que vigorava no Paraíso. Estas representações eram simbólicas,
ora Oliver era um sacerdote cristão, atuante pela defesa do evangelho. Não
estava colocando a instituição Maçonaria, historicamente, no ato da Criação do
Mundo. Escandalizado, Varoli Filho faz um apelo que certos maçons não
contaminem a Sublime Ordem, atemorização estendida a religiosos e
ocultistas (2000:60). O problema, além de histórico, também é ritualístico.
Os símbolos maçônicos,
conforme Varoli Filho, foram enxertados com interpretações hermetistas. Porém,
antes de analisarmos esta suposta violação, o maçom autêntico José Castellani,
no livro Manias e crendices, o acusou de encampar ideias do incrível
Ragon, misturadas às do místico Guénon (2002:68-69). A disputa se deu
porque para Castellani a letra G possui a única interpretação, seja no
Oriente ou no Ocidente, na Estrela Flamejante ou não, de Geometria. O
desmistificador Varoli Filho, no entanto, defende que a letra G,
associada à Estrela Flamejante seja unicamente entendida por Gnose no seu Curso
de Maçonaria Simbólica Tômo II (1976:82). A crítica recebida surtira
efeito, pois no livro Simbologia e Simbolismo na Maçonaria, objeto de
nosso estudo,ele enfatiza que a letra G sempre significou apenas Geometria,
porém, teima no mesmo parágrafo que na Alemanha é inicial para Gessell, ou seja
Companheiro, que Geometria é o entendimento apenas para ocasião em que está
entre Esquadro e Compasso, sendo que nas igrejas o G significava Deus
(2000:92). Ora, portanto, nem sempre o G foi Geometria e a Gnose sumiu
das certezas do autor.
A batalha pelo salvacionismo
da Maçonaria ideal, apesar disso, continua. Na teoria aceita e autenticada por
Varoli Filho, a Maçonaria é originária na Idade Média, com as guildas e as
corporações. Suas ideias são baseadas em autênticos autores ingleses e alemães,
pois, alerta, que poucos franceses foram autênticos, pondo Ragon e
Ramsey em seu índex. Esta predileção a autores ingleses não o faz deixar de
criticar Elias Ashmole o identificando com o rosacrucianismo, forma de
pensamento execrada por Varoli Filho no início de seu libelo. Porém, a sanha
que o indispõe talvez seja explicada pelo que Ashmole representa para a Maçonaria.
O inglês, tendo sido iniciado em 1646, é vitimado por Varoli Filho como
desistente de sua qualidade de Maçom (2000:63). Não raramente esta
intepretação é dada por autores que desconstroem a mística maçônica e ojerizam
a espiritualidade maçônica, especialmente sua influência hermetista. Na
verdade, Ashmole foi convidado a participar de uma sessão maçônica na Mason´s
Hall, de Londres, em 1682, na qualidade de decano dos Companheiros,
intepretação aceita e defendida por vários historiadores de Maçonaria
franceses, inclusive Jean Palou no seu livro (2012:64). Esta participação de
Ashmole neste evento descarta totalmente sua desistência à Maçonaria, pelo
menos fosse ausente, mas não houve abandono de sua identidade maçônica. Na
mesma publicação, Varoli Filho, incrivelmente, afirma que Ashmole era o mais
antigo Maçom na sessão do Mason´s Hall e que suas especulações à lenda de
Osiris foi uma das bases para a lenda do 3º Grau (2000:102).
Analisando a fundação da
Grande Loja de Londres, contextualizando com a época do Aceitos, o autor
acredita que o esoterismo maçônico é dado início no século XVII, na Inglaterra,
pois inexistia qualquer tipo de Ritual no tempo operativo. Por isso, os
reverendos James Anderson e Jean T. Desaguliers, que eram rosicrucianos
(sic), fundaram a Maçonaria especulativa (2000:65). A revelação de que Anderson
e Desaguliers eram rosicrucianos é autêntica de Varoli Filho, que também
afirma ser o abade Valentim Andrea o autor do Fama Fraternitatis,
que é o primeiro Manifesto do movimento Rosacruz, de 1614, apresentando uma
teoria muito contestada por pesquisadores do rosacrucianismo. O que se sabe, ao
certo, é que Valentim andrea não era abade, e sim pastor protestante; que ele
não é o autor do primeiro Manifesto, que não possui assinatura de ninguém, mas
do Terceiro Manifesto, o Bodas Alquímicas, de 1616, que posteriormente ridicularizará,
que não existe este termo de rosicrucianismo, mas sim rosacrucianismo, sendo
que Anderson e Desaguliers jamais foram nem uma coisa nem outra.
Irritado com a linguagem
poética das Constituições de York, Varoli Filho a desqualifica por suas fábulas
mal contadas e que nunca foi adotada no século X, porém, aceita como
autêntico o Poema Regius, cientificamente escrito no do século XIII,
o qual cita que Euclides interagiu com os ensinamentos de Cristo, que a Torre
de Babel foi construída por Nabucodonosor para resistir a outro Dilúvio e que
os Quatro Coroados foram maçons executados porque não eram idólatras. A
linguagem poética é terminantemente aceita por Varoli Filho no Poema Regius,
mas por motivos incoerentes ele exclui outros documentos, a exemplo das
Constituições de York, por suas fábulas e falta de cientificidade.
Noutra incoerência, Varoli
Filho considera ser a verdadeira Aceitação típica do século XVII, tentando
refutar que senhores feudais, reis e príncipes, não eram feitos maçons por participarem
das fraternidades e assembleias. Desse modo, o primeiro Maçom Aceito
fora John Boshwell (sic) da Capela Santa Maria, em 1600, Edimburgo, na Escócia.
Porém, defenderá que foi na Mason´s Hall que se instalou a Aceitação
(2000:104). A Mason´s Hall, segundo o autor, é da segunda metade do século
XVII, localizado em solo inglês. Finalmente, a Maçonaria Especulativa da Grande
Loja de Londres de 1717 formará um sistema obediencial, que criará o Grau de
Mestre e com ritualística supostamente baseada em movimentações de guildas
militares (2000:107). O especulativismo é associado ao esoterismo como uma evolução
da Aceitação no meio maçônico.
CONCLUSÃO
A História da Maçonaria possui
narrativas que estão embasadas por modelos de intepretação que tentam definir o
que ela é ou que deveria ser na atualidade. O apelo para os que tentam retocar
ou ressignificar a Maçonaria é apresentar uma Maçonaria originalmente pura, vitimada
por malvadões ritualistas que enxertaram maledicências. Assim sendo, temos a
História da Maçonaria como um instrumental de mudanças naquilo que se pratica maçônicamente,
ou seja, na ritualística, indiferentemente se esta mudança seja, na verdade,
uma invenção autoral de algum crítico ritualista que deseje por seu nome nos arquivos
da Potência que esteja assumindo este determinado serviço.
Theobaldo Varoli Filho é um excelente
exegeta, um autêntico, que merecendo críticas, possui uma admirável presença na
Maçonaria nacional. Não estamos discutindo sua contribuição pessoal à Ordem
Maçônica, apenas demonstrando que sua disposição à fazer História da Maçonaria sofreu
com falhas, compreensíveis, mas que serviu à crítica pela crítica. Os erros de
método e as incoerências narrativas o colocam num meio criticista que não o
fazia único desta seara. A irritação com a linguagem poética e sua incompreensão
também faz parte de outros autores respeitados no meio maçônico, que nada
contribuem em tonar ridícula a construção discursiva da doutrina maçônica e
patetear os pais fundadores. A falta de doutrinação que tenha fundamentação apologética
dos símbolos maçônicos ou de sua ritualística contribuem em certa medida para
que os rituais sejam terra arrasada a espera de um salvador que o recupere. Este
salvacionismo é comum na proposta de Varoli Filho, independente de que nada
seja proposto ao final.
A Ordem Maçônica ao ser tida
como uma entidade anistórica parece ser convidativa para salvacionistas que não
ajudam a desenvolver respeitosamente uma justa compreensão daquilo que é praticado.
Este é um dos maiores problemas da crítica vazia e rancorosa. Nada há que seja
evolutivo retirar da Maçonaria aquilo que a fez ser uma entidade secular e bem
sucedida, ou seja, destruir sua mística, seus mistérios e sua índole esotérica.
Rituais que antes eram reverenciados por sua beleza estética e esotérica estão
sendo tornados ínfimos e vazios. A evolução esotérica da Maçonaria não recebe a
reverência que merece, seja por sua contribuição nas nomenclaturas, seja por
sua atração espiritualista que a fez diferenciar e criar identidade própria,
muitas vezes superando tradições esotéricas institucionais tradicionais. Este
esvaziamento da Maçonaria, esta falta de mentalidade poética que a ampare nas
mais aceitas tradições humanas, a inferioriza espiritualmente. A Ordem Maçônica
está sendo consumida pelo pós modernismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLANI, José. Manias e crendices em nome da Maçonaria. Londrina:
Editora Maçônica A TROLHA, 2002.
MELLOR, Alec. Dicionário da Franco-Maçonaria e dos
Franco-Maçons. Tradução: Sociedade das Ciências Antigas revisado por Marina
Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
NAUDON, Paul. A Maçonaria. Tradução de Octávio Mendes
Cajado. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966.
PALOU, Jean. A Franco Maçonaria Simbólica e Iniciática.
Tradução de Edilson Alkmin Cunha. 5 Ed.
São Paulo: Editora Pensamento, 2012.
VAROLI FILHO, Theobaldo. Curso de Maçonaria Simbólica:
Companheiro. São Paulo: A Gazeta Maçônica, 1976.
VAROLI FILHO, Theobaldo. Simbologia e Simbolismo da
Maçonaria. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2000.
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