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sábado, 15 de janeiro de 2022

MAÇONARIA OPERATIVA: HISTORIOGRAFIA NO DISCURSO DE THEOBALDO VAROLI FILHO

 

As origens da Maçonaria é um tema que deriva sua importância da necessidade de localizar seu registro de identidade histórica e geograficamente. A análise hermenêutica de documentos deve ser bem feita, a Maçonaria era uma sociedade secreta e muitos de seus registros eram apagados ou eram metodizados oralmente. As orientações ritualísticas eram traçadas ao chão e depois deletados para que não houvesse conhecimento cedido aos profanos. Este é um modelo clássico de como a Maçonaria, em sua fase original, desempenhava sua ritualística. Autores antigos e hodiernos, maçons ou profanos, apresentam teorias que tentam fundamentar suas teses do nascedouro da Maçonaria, muitas vezes são percebidas orientações de cunho ideológico ou que assumam diretrizes pessoais que narram a história da Maçonaria de acordo com um ideário preocupado em atender demandas modernas ou modernistas.

No métier de fazer história, autores apresentam teorias com a intenção de organizar cronologicamente os fatos maçônicos, sendo a mais conhecida a de denominar a divisão da entidade em Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa, cujo marco divisório seria a data histórica de fundação do sistema obediencial maçônico, em 1717, com a fundação da Grande Loja de Londres, momento o qual a Maçonaria assumiria um papel de instituição esotérica com fundamentos religiosos e simbologia apropriada. Antes deste período, assim sendo, a Maçonaria estaria um pouco perdida na noite dos tempos, com sua origem sendo poetizada por autores antigos, sua função variante entre associação profissional de construtores e confraria religiosa e sua essência disputada entre materialistas e espiritualistas. Os poucos documentos que são considerados canônicos da fase denominada operativa são Manuscritos que instituem a sociedade perante a sociedade e suas autoridades, assim como reconhecer contratualmente as relações entre os partícipes. Apesar disso, principalmente a partir do século XVII, a instituição maçônica recebe maiores documentações de cunho registrador, sem, no entanto, desvelar qualquer ritualística comprometedora diante a sociedade envolvida na estreiteza religiosa e denominacional. Esta divisão cronologia do desenvolvimento da Maçonaria e sua afirmação institucional possui teorias que variam entre os que acham que a Ordem foi transformada no período da transição, com seu maior expoente sendo Alec Mellor, autor do Dicionário de Franco Maçonaria e dos Franco-Maçons (1989), e os que defendem que a Maçonaria apenas amadureceu e assumiu o que sempre foi, uma sociedade esotérica com fins espiritualistas, sendo um de seus defensores Paul Naudon, autor de A franco-maçonaria a história, a doutrina, os ritos, as obediências (1966).

As disputas entre os teóricos escondem, em parte, o ideário de cada escola de pensamento, uns defendem que a Maçonaria seja entendida como uma mera convenção social de estrita finalidade filantrópica, outros como sendo uma sociedade tipicamente esotérica de fundo místico e fator filantrópico. Independente das posições, a Maçonaria deve ser considerada naquilo que a fez estar presente durante séculos, que a fez ter rituais, doutrinas e simbologias, o que definitivamente a faz distinta de um clube de amigos cuja serventia seja divertimentos profanos.

Para análise de como a história da Maçonaria é interpretada no Brasil, estudemos um pouco do pensamento teórico-historiográfico de Theobaldo Varoli Filho, autor do livro Simbologia e Simbolismo da Maçonaria, o qual há dissertação sobre Maçonaria Operativa. A ideia do autor foi a de dar cientificismo, a seu modo, à intepretação da história do período operativo, com a intenção de defender uma versão que salvasse a Maçonaria de más influências.

POR UMA SALVAÇÃO DA MAÇONARIA HISTÓRICA?!

O intuito de Varoli Filho em apresentar a história da Maçonaria seria a de que a Sublime Instituição precisaria ser redimida de plágios e de deturpações das correntes filosóficas (2000:54). Com espírito cruzadista, defende a Maçonaria contra os mistificadores, aqueles que afirmam uma antiguidade remota da Sublime Instituição. Para bom entendedor, nosso autor tenta salvar a Maçonaria daqueles que a fundamentaram, principalmente os Constitucionalistas de 1723, que poetizaram as origens da Maçonaria a relacionando com a Criação do Mundo, além dos autores das Old Charges, que possuíam a mesma narrativa poética. Buscando aliados para seu intuito, faz um recorte entre os autores maçônicos, isentando os por ele chamados de Maçons autênticos, conceito bastante utilizado em seu empreendimento. Estes Maçons são os que recebem a confiança de Varoli Filho em sua discursividade. Interessantemente, há um ataque ao rosacrucianismo, ainda na intenção de estabelecer suas bases teóricas, pois os rosacruzes fazem parte de uma seita mística e a Maçonaria não é religião nem seita. Talvez este alerta seja para rotular a personalidade de Elias Ashmole que será debatida posteriormente em seu libelo. Assusta ao autor, ao que parece, credos de misticidade no meio maçônico, pois a Maçonaria é apenas uma Instituição de Ética Universal (sic).

Porém, a Sublime Instituição é iniciática discreta e mantém segredos. Para o autor, ao que parece, iniciático é apenas sinônimo de secreto ou segredos discretos (?), o que subestima o conceito de iniciação e a cerimônia inclusa no mundo maçônico. Na luta desmistificadora, alerta que não há confundir (sic) usos e costumes profissionais da antiga Arte de construir com as origens legítimas da instituição, a Maçonaria Especulativa adotou regras antigas dos trabalhadores e construtores dos templos, restritos a um escopo moral. Nisso, a iniciação seria apenas uma inovação dos especulativos, pois a antiga Arte não estava para além do escopo moral. O que parece inconclusivo na tese é a validade histórica da iniciação, pois houve a contextualização de desmistificação e costumes profissionais, não elucidando a temporalidade do uso do cerimonial iniciático e seus elementos.

Analisando os documentos históricos com a caneta desmistificadora, Varoli Filho evoca o autor, certamente Maçom autêntico, Lionel Vibert, do Freemasonry Before the Existence of Grand Lodges (1956) para avisar que a Maçonaria não se originou da Babilônia, nem do Egito, nem do Templo de Salomão nem dos Essênios, acrescentando os Collegia de Numa Pompílio e os Mestres Comancinos. O problema em Vibert está em subestimar o estilo literário de contar a história utilizado pelos maçons operativos, modelo perfeitamente adotado pelos especulativos e reproduzido pelos maçons oitocentistas, ou seja, eles utilizavam uma linguagem poética que legitimava a Maçonaria por sua tradição, que seria uma herança dos tempos antediluvianos. A intenção dos maçons fundadores não era de iludir os neófitos ou de demonstrar estupidez artificiosa, mas de romantizar ao máximo a ideia de origem com uma narração que a familiarizasse com epopeias e personagens bíblicos. O que temos em autores como Vibert, Varoli Filho e outros, que exarcebam um criticismo ingênuo, são erros metodológicos que causam pauperização à Maçonaria e a sua profundidade literária. No entanto, muitos autores, sérios e competentes, maçons ou não, não hesitam na problemática de considerar influências dos Collegia ou dos Mestres Comancinos, nem sua historicidade, sobre a formulação da Maçonaria. Um dos maiores pensadores de Maçonaria do século XVIII, contemporâneo dos fundadores da Grande Loja de Londres e um dos idealizadores da Grande Loja dos Antigos, autor do aclamado livro Illustrations of Masonry (1772), William Preston, foi de taxado por Varoli Filho de imaginoso e descuidado devido a esta bobagem: Podemos encontrar indícios dos alicerces da Maçonaria desde a própria origem do mundo. Outro autor, George Oliver (The Antiquities of Free-Masonry, 1823), que influenciou as pesquisas de Albert Mackey, não escapou à ira desmistificadora, recebendo a balda de um dos mistificadores mais ousados, pois acatava as antigas tradições maçônicas que diziam ser a ciência maçônica existente antes da criação do universo e que a instituição maçônica é semelhante, em princípios, com a primitiva constituição que vigorava no Paraíso. Estas representações eram simbólicas, ora Oliver era um sacerdote cristão, atuante pela defesa do evangelho. Não estava colocando a instituição Maçonaria, historicamente, no ato da Criação do Mundo. Escandalizado, Varoli Filho faz um apelo que certos maçons não contaminem a Sublime Ordem, atemorização estendida a religiosos e ocultistas (2000:60). O problema, além de histórico, também é ritualístico.

Os símbolos maçônicos, conforme Varoli Filho, foram enxertados com interpretações hermetistas. Porém, antes de analisarmos esta suposta violação, o maçom autêntico José Castellani, no livro Manias e crendices, o acusou de encampar ideias do incrível Ragon, misturadas às do místico Guénon (2002:68-69). A disputa se deu porque para Castellani a letra G possui a única interpretação, seja no Oriente ou no Ocidente, na Estrela Flamejante ou não, de Geometria. O desmistificador Varoli Filho, no entanto, defende que a letra G, associada à Estrela Flamejante seja unicamente entendida por Gnose no seu Curso de Maçonaria Simbólica Tômo II (1976:82). A crítica recebida surtira efeito, pois no livro Simbologia e Simbolismo na Maçonaria, objeto de nosso estudo,ele enfatiza que a letra G sempre significou apenas Geometria, porém, teima no mesmo parágrafo que na Alemanha é inicial para Gessell, ou seja Companheiro, que Geometria é o entendimento apenas para ocasião em que está entre Esquadro e Compasso, sendo que nas igrejas o G significava Deus (2000:92). Ora, portanto, nem sempre o G foi Geometria e a Gnose sumiu das certezas do autor.

A batalha pelo salvacionismo da Maçonaria ideal, apesar disso, continua. Na teoria aceita e autenticada por Varoli Filho, a Maçonaria é originária na Idade Média, com as guildas e as corporações. Suas ideias são baseadas em autênticos autores ingleses e alemães, pois, alerta, que poucos franceses foram autênticos, pondo Ragon e Ramsey em seu índex. Esta predileção a autores ingleses não o faz deixar de criticar Elias Ashmole o identificando com o rosacrucianismo, forma de pensamento execrada por Varoli Filho no início de seu libelo. Porém, a sanha que o indispõe talvez seja explicada pelo que Ashmole representa para a Maçonaria. O inglês, tendo sido iniciado em 1646, é vitimado por Varoli Filho como desistente de sua qualidade de Maçom (2000:63). Não raramente esta intepretação é dada por autores que desconstroem a mística maçônica e ojerizam a espiritualidade maçônica, especialmente sua influência hermetista. Na verdade, Ashmole foi convidado a participar de uma sessão maçônica na Mason´s Hall, de Londres, em 1682, na qualidade de decano dos Companheiros, intepretação aceita e defendida por vários historiadores de Maçonaria franceses, inclusive Jean Palou no seu livro (2012:64). Esta participação de Ashmole neste evento descarta totalmente sua desistência à Maçonaria, pelo menos fosse ausente, mas não houve abandono de sua identidade maçônica. Na mesma publicação, Varoli Filho, incrivelmente, afirma que Ashmole era o mais antigo Maçom na sessão do Mason´s Hall e que suas especulações à lenda de Osiris foi uma das bases para a lenda do 3º Grau (2000:102).

Analisando a fundação da Grande Loja de Londres, contextualizando com a época do Aceitos, o autor acredita que o esoterismo maçônico é dado início no século XVII, na Inglaterra, pois inexistia qualquer tipo de Ritual no tempo operativo. Por isso, os reverendos James Anderson e Jean T. Desaguliers, que eram rosicrucianos (sic), fundaram a Maçonaria especulativa (2000:65). A revelação de que Anderson e Desaguliers eram rosicrucianos é autêntica de Varoli Filho, que também afirma ser o abade Valentim Andrea o autor do Fama Fraternitatis, que é o primeiro Manifesto do movimento Rosacruz, de 1614, apresentando uma teoria muito contestada por pesquisadores do rosacrucianismo. O que se sabe, ao certo, é que Valentim andrea não era abade, e sim pastor protestante; que ele não é o autor do primeiro Manifesto, que não possui assinatura de ninguém, mas do Terceiro Manifesto, o Bodas Alquímicas, de 1616, que posteriormente ridicularizará, que não existe este termo de rosicrucianismo, mas sim rosacrucianismo, sendo que Anderson e Desaguliers jamais foram nem uma coisa nem outra.

Irritado com a linguagem poética das Constituições de York, Varoli Filho a desqualifica por suas fábulas mal contadas e que nunca foi adotada no século X, porém, aceita como autêntico o Poema Regius, cientificamente escrito no do século XIII, o qual cita que Euclides interagiu com os ensinamentos de Cristo, que a Torre de Babel foi construída por Nabucodonosor para resistir a outro Dilúvio e que os Quatro Coroados foram maçons executados porque não eram idólatras. A linguagem poética é terminantemente aceita por Varoli Filho no Poema Regius, mas por motivos incoerentes ele exclui outros documentos, a exemplo das Constituições de York, por suas fábulas e falta de cientificidade.

Noutra incoerência, Varoli Filho considera ser a verdadeira Aceitação típica do século XVII, tentando refutar que senhores feudais, reis e príncipes, não eram feitos maçons por participarem das fraternidades e assembleias. Desse modo, o primeiro Maçom Aceito fora John Boshwell (sic) da Capela Santa Maria, em 1600, Edimburgo, na Escócia. Porém, defenderá que foi na Mason´s Hall que se instalou a Aceitação (2000:104). A Mason´s Hall, segundo o autor, é da segunda metade do século XVII, localizado em solo inglês. Finalmente, a Maçonaria Especulativa da Grande Loja de Londres de 1717 formará um sistema obediencial, que criará o Grau de Mestre e com ritualística supostamente baseada em movimentações de guildas militares (2000:107). O especulativismo é associado ao esoterismo como uma evolução da Aceitação no meio maçônico.

CONCLUSÃO

A História da Maçonaria possui narrativas que estão embasadas por modelos de intepretação que tentam definir o que ela é ou que deveria ser na atualidade. O apelo para os que tentam retocar ou ressignificar a Maçonaria é apresentar uma Maçonaria originalmente pura, vitimada por malvadões ritualistas que enxertaram maledicências. Assim sendo, temos a História da Maçonaria como um instrumental de mudanças naquilo que se pratica maçônicamente, ou seja, na ritualística, indiferentemente se esta mudança seja, na verdade, uma invenção autoral de algum crítico ritualista que deseje por seu nome nos arquivos da Potência que esteja assumindo este determinado serviço.

Theobaldo Varoli Filho é um excelente exegeta, um autêntico, que merecendo críticas, possui uma admirável presença na Maçonaria nacional. Não estamos discutindo sua contribuição pessoal à Ordem Maçônica, apenas demonstrando que sua disposição à fazer História da Maçonaria sofreu com falhas, compreensíveis, mas que serviu à crítica pela crítica. Os erros de método e as incoerências narrativas o colocam num meio criticista que não o fazia único desta seara. A irritação com a linguagem poética e sua incompreensão também faz parte de outros autores respeitados no meio maçônico, que nada contribuem em tonar ridícula a construção discursiva da doutrina maçônica e patetear os pais fundadores. A falta de doutrinação que tenha fundamentação apologética dos símbolos maçônicos ou de sua ritualística contribuem em certa medida para que os rituais sejam terra arrasada a espera de um salvador que o recupere. Este salvacionismo é comum na proposta de Varoli Filho, independente de que nada seja proposto ao final.

A Ordem Maçônica ao ser tida como uma entidade anistórica parece ser convidativa para salvacionistas que não ajudam a desenvolver respeitosamente uma justa compreensão daquilo que é praticado. Este é um dos maiores problemas da crítica vazia e rancorosa. Nada há que seja evolutivo retirar da Maçonaria aquilo que a fez ser uma entidade secular e bem sucedida, ou seja, destruir sua mística, seus mistérios e sua índole esotérica. Rituais que antes eram reverenciados por sua beleza estética e esotérica estão sendo tornados ínfimos e vazios. A evolução esotérica da Maçonaria não recebe a reverência que merece, seja por sua contribuição nas nomenclaturas, seja por sua atração espiritualista que a fez diferenciar e criar identidade própria, muitas vezes superando tradições esotéricas institucionais tradicionais. Este esvaziamento da Maçonaria, esta falta de mentalidade poética que a ampare nas mais aceitas tradições humanas, a inferioriza espiritualmente. A Ordem Maçônica está sendo consumida pelo pós modernismo.

À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLANI, José. Manias e crendices em nome da Maçonaria. Londrina: Editora Maçônica A TROLHA, 2002.

MELLOR, Alec. Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons. Tradução: Sociedade das Ciências Antigas revisado por Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

NAUDON, Paul. A Maçonaria. Tradução de Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966.

PALOU, Jean. A Franco Maçonaria Simbólica e Iniciática. Tradução de Edilson Alkmin Cunha. 5 Ed.  São Paulo: Editora Pensamento, 2012.

VAROLI FILHO, Theobaldo. Curso de Maçonaria Simbólica: Companheiro. São Paulo: A Gazeta Maçônica, 1976.

VAROLI FILHO, Theobaldo. Simbologia e Simbolismo da Maçonaria. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2000.


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