A Maçonaria alinhada ao Deísmo é uma tese que no século XX foi defendida por Bernard Fay, anti-maçom francês e fascista colaborador do Regime de Vichy na França ocupada. De acordo com Alec Mellor: "Bernard Fay, desenvolvendo a ideia de que J. Th. Désagulieurs e os fundadores da Grande Loja teriam pretendido substituir o cristianismo pelo deísmo, não somente cometeu essa confusão, mas misturou equivocadamente a sua hipótese aos Estatutos de Anderson, cujo teísmo é incontestável". Fay é o escritor do livro A Franco-Maçonaria e a revolução intelectual do século XVIII, que justifica um plano de dominação mundial entre judeus e maçons. A ojeriza ao Teísmo a favor do Deísmo, no final do século XX e inícios do século XXI, faz parte, porém, do discurso crítico de determinados medalhões maçons.
MAÇONARIA X DEÍSMO
A Maçonaria tem sido caraterizada
como uma instituição de cunho deísta para uns e teísta para outros. A discussão
se dá em torno das doutrinas ritualísticas, os Ritos maçônicos possuem
arcabouços doutrinários que revelam qual concepção é a trabalhada em Loja.
Naturalmente, por sua história, a Maçonaria salvaguarda a prevalência na crença
em um Princípio Criador, se este é um Ser pessoal e ativo ou impessoal e
inativo é a base da discussão entre teístas e deístas.
Para os maçons fiéis à tradição,
não obstante, esta discussão não deveria ser relevante, pois o teísmo é parte
integrante da doutrina de todos os Ritos mais antigos, que não descartam, por
exemplo, o rogo ao Grande Arquiteto do Universo e ou o uso do Paramento Livro
da Lei aberto em sessão. Estas são algumas das premissas da religiosidade
maçônica. Porém, para os que se familiarizam por uma rejeição à religiosidade,
estas enunciações religiosas são abolidas da ritualística. Por exemplo, para
estes irreligiosos o Livro da Lei deve ficar ritualisticamente fechado e o rogo
ao G.A.D.U omitido, com o pretexto de que a Maçonaria não deve interferir no
foro íntimo do indivíduo. Este, aliás, é um dos discursos deístas que embasam a
perca da identidade maçônica, a subordinando ao gosto do freguês.
A Maçonaria, em seus diversos
Ritos, herdou muitos usos, costumes e formas de compreensão da época Operativa.
Esta herança é baseada numa reverência a Deus, aos ditames do Cristianismo e a
ética judaico-cristã. Todas estas disposições estão fundamentadas na regra de
fé e prática dos cristãos, ou seja, a Bíblia. A Maçonaria em seu período de
formação Especulativa não renega estes fundamentos e assimila todas as
contribuições místicas dos Maçons Aceitos a princípios bíblicos. Porém, com
expansão da Maçonaria Especulativa Obediencial e Regular pelo continente
europeu, ideias de forte repercussão filosófica foram tentadas por alguns
maçons à Ordem. O Iluminismo e outras filosofias que desafiavam a religiosidade
como sendo uma defasada ameaça à ciência estavam na moda do século de XVIII, e
dentre estas estava o Deísmo, oriundo da Inglaterra, berço da Maçonaria, mas
que com a influência do Iluminismo à moda francesa, se torna tese para a
definição do que seria a religiosidade maçônica. Esta teoria aparece, contudo,
tardiamente no século XX, através de ressignificações de documentos e motivados
por interesses diversos.
FILOSOFIA E DEÍSMO
De acordo com o Dicionário Básico
de Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, o Deísmo é uma doutrina
fundada na religião natural, admite a existência de Deus, mas não por revelação
ou dogma sendo este Deus um ser supremo com atributos indeterminados (2006:66).
O adogmatismo e a incognoscibilidade a respeito de Deus representa uma
interferência na construção moral da sociedade de um modo estranho ao que foi
concebido pelas culturas antigas. O conceito de certo ou errado não possui
referências em uma ética religiosa e doutrinária, as leis e os códigos de
comportamento estariam sujeitos a domínios temporais contingenciais e o homem
estaria reduzido a um frio pragmatismo pessonalista sem a elevação de seus
ideais a uma esfera superior e transcendental. A tal religião natural é uma
crença numa divindade passiva, indiferente e irrelevante, sujeito a definições
de escolas filosóficas e relativista. A “religião dos sábios e filósofos”
superestima a razão humana e estava envasada numa fase da Civilização Ocidental
a qual a ciência parecia ser a reposta para todas as angústias do homem, tempos
estes derrocados no atual pós-modernismo o qual a Verdade são verdades.
No entendimento de Nicola
Abbagnanno, no seu Dicionário de Filosofia, o Deísmo é a doutrina de uma
religião natural e racional não fundada na revelação histórica, mas na
manifestação natural da divindade à razão do homem. O Deísmo, que seria uma das
características do Iluminismo, começou na Inglaterra do século XVII com os
postulados de que a religião não contém nada de irracional, a Revelação histórica
é supérflua, a menos que seja racional. As crenças do Deísmo inglês são
existência de Deus, criação e governo do mundo e imortalidade da alma.
Porém, na França, a compreensão do Deísmo foi ampliada para a indiferença de
Deus aos homens. Esta é a proposição de Voltaire, representante desta doutrina
entre os iluministas do século XVIII, apesar de que Rousseau tivesse uma
compreensão mais aproximada com os ingleses. Para Kant, a principal
característica do Deísmo é a recusa dos atributos de Deus baseados nas Bíblia
(2000:238).
O Iluminismo, no século XVIII,
ficou definido como defensor da ciência e racionalidade, criticando a fé, a
superstição e o dogma religioso (2006:142). A razão e o saber eram os
principais elementos emancipadores do homem, o que não era considerado
comprovado cientificamente ou que era incognoscível não mereceria confiança.
Esta crítica repercutiu na filosofia política, Turgot e Montesquieu,
influenciados pelo menosprezo à moral religiosa tradicional, tal como Voltaire,
radicalizaram a Revolução Francesa. Para o Iluminismo, a tradição é uma força
hostil influenciando crenças e preconceitos, e por isso deve ser destruída (2000:535).Deste
modo, seus críticos racionalistas definiram o que é progresso, atraso, certo,
errado, quem iria para a guilhotina ou não.
A representação de Voltaire como
sendo um dos entusiastas do Deísmo, elencado por Abbagnanno, não deve ser
confundido , a priori, com a posição da Maçonaria universal. François-Marie
Arouet, vulgo Voltaire, foi iniciado na Maçonaria, na França, em 1778, com a
ajuda e apoio de Benjamin Franklin, outro entusiasta da filosofia Deísta. A
diferenciação conceitual entre Deísmo e Teísmo seria propalada e aceita a
partir de Kant, filósofo alemão, cujo país o Iluminismo talvez não tenha sido
tão ousado. Não é polêmica que o Grande Oriente de França tentava manter
políticas distintas das da Maçonaria inglesa. O contexto da iniciação de
Voltaire deve ser bem analisado a partir desta premissa. Não era interesse de
Voltaire participar da Maçonaria durante sua atividade intelectual mais ativa,
inclusive quando morou na Inglaterra escrevendo as Cartas Inglesas,
escritos entre 1722 e 1734, obra esta que ele criticava abertamente a
religiosidade e costumes dos cristãos tradicionais. Na época da fundação do
Grande Loja de França, em 1728, também não demonstrou interesse em ingressar na
Maçonaria regular em seu país, nem nos anos posteriores. Seria necessário
receber a influência de Benjamin Franklin, diplomata do recém fundado Estados
Unidos da América, cuja declaração de independência foi em 1776 contra a
Inglaterra, para que o iluminista aceitasse fazer parte da Maçonaria em 1778,
neste ano morreria o já adoecido e velho Voltaire. A Guerra de Independência
dos Estados Unidos durou de 1775 a 1783, em 1776 a Colônia inglesa declara sua
independência e desde esta data Franklin era Diplomata do novo país em guerra
contra sua antiga Metrópole. A França, inimiga e rival histórica da Inglaterra,
aceita Franklin como diplomata de um país ainda não reconhecido pelos ingleses,
ainda em guerra. De todo modo, a França entra na guerra em 1778 ajudando
definitivamente a manutenção do novo país, mesmo ano em que Voltaire fora
iniciado na Maçonaria francesa. De acordo com Aslan, Franklin foi iniciado em
1731 na Loja São João, Filadélfia; em 1734 ele seria nomeado Grão Mestre da
Grande Loja da Pensilvânia. Sua atividade maçônica desaparece no continente
americano após 1762 (2012:518). Foi neste contexto que Voltaire entrou para a
Maçonaria. A Maçonaria no continente americano não ficou caracterizado pelo
deísmo de Franklin. A motivação política parece estar acima das motivações
doutrinárias. Acreditar que a Maçonaria era Deísta por causa da participação
destes deístas é supor que Constantino, que aceitou batismo cristão no leito de
morte, sempre foi cristão, independente de interesses políticos.
Vale salientar que em 1773, por
motivações aquém de doutrinarias, fundam o Grande Oriente de França. A
subordinação da entidade a elementos da nobreza, a exemplo de Luís Felipe
d´Orleans, impulsiona a Maçonaria em solo francês para más ações que ferem e
marcam a Maçonaria naquele país. A deterioração culminará com confusão contra o
cristianismo e aceitação do ateísmo.
A teologia cristã não reconhece o
Deísmo como sendo parte de seu sistema de estudo sobre Deus na dimensão
bíblica. Para Lüke, o Deísmo renega qualquer intervenção de Deus após o ato
criativo, retirando-o da história. O Deísmo está muito influenciado pelo
estoicismo ( teoria da Alma do mundo ) e do epicurismo (o império do prazer
como finalidade da vida), assim como da “teologia natural” dos séculos XVII e XVIII em resposta à ciência natural
moderna ( 2015:140-141). Deste modo, de nenhuma maneira se deve confundir
cristianismo e deísmo ou que sejam relativas ou similares. Aliás, o Deísmo é
uma forma estabelecida de pensamento que desautoriza a fé e, em última
instância, a religiosidade.
LITERATURA MAÇÔNICA E DEÍSMO
A literatura maçônica tem
debatido a influência do Deísmo na formação da Maçonaria Especulativa, com a
divergência entre os autores sobre esta filosofia ser uma representação
autêntica da Ordem ou apenas a perspectiva defendida por alguns intérpretes.
A defesa do deísmo em Maçonaria
está , por exemplo, na obra de Francisco Carvalho, vulgo Xico Trolha, no seu Descristianização
da Maçonaria, lançado em 1997, pela editora A TROLHA. A construção do
discurso favorável ao Deísmo como sendo típico da Maçonaria Especulativa começa
com uma exaltação ao século das Luzes ( século XVIII) em detrimento da
religiosidade que o autor julga ser uma ameaça pelos seus padrões bitolados
por um clero, ou parte de um clero, bitolado e obscuro (1997:47).
Baseado nisto, contextualiza idealizando a Maçonaria Especulativa que sentia a
Reforma Protestante e a Revolução de Gutemberg, ou seja, a debacle da igreja
católica europeia. Baseado em J.R. Clarke, que dizia que a exigência base da
Ordem Maçônica era a mudança a favor do Deísmo, Carvalho faz um jogo de
malabares na intepretação no trecho das Constituições de Anderson que versa
sobre A religião com a qual todos, ou a maioria concorda. Na tradução
utilizada por Carvalho, temos:
1 CONCERNENTE A DEUS E À
RELIGIÃO
Um maçom fica obrigado, por
ocasião de sua Iniciação, a obedecer as leis morais e, se ele entender bem a
Arte, ele nunca será um Ateu Estúpido e, nem tampouco, um Libertino
irreligioso. Porque desde os tempos imemoriais, os Maçons eram obrigados,
em todos os países, a seguir a religião da maioria de seu país de Origem, seja
qualquer que ela fosse; mas atualmente, o Maçom só é obrigado a ter aquela
religião em que todos, ou a maioria concorda. Guardando para si, as suas
opiniões próprias. Isso quer dizer que o Maçom dever ser um homem bom e
verdadeiro e, de muita honestidade e honrado. Mas qualquer que seja a
denominação de suas crenças, pelas quais ele possa se distinguir onde quer que
esteja; a Maçonaria deverá ser sempre o Centro de União e o meio pelo
qual ele possa conseguir a Verdadeira Amizade entre as pessoas. Isso quer
dizer que as opiniões pessoais- Religiosas e Politicas- nunca devem ser
ventiladas, emitidas.( grifos do autor, 1997:49-50).
O autor, Carvalho, inclusive, proclama:
Aqui começa o Deísmo. Noutra tradução do documento, feita por Edilson
Alkmin Cunha, no anexo do Livro de Jean Palou, A Franco-Maçonaria Simbólica
e Iniciática, temos algumas diferenças nos termos que favorecem uma melhor
intepretação:
(...) Mas, embora nos tempos antigos os
maçons fossem obrigados em cada país a pertencer à religião adotada, qualquer
que ela fosse, por esse país ou por essa nação, hoje se considera mais
conveniente apenas obriga-los à religião sobre a qual todos os homens estão de
acordo, deixando a cada qual a sua própria opinião; (...) quaisquer que sejam
as denominações ou confissões que ajudem a distingui-los
(...).( grifos meus 2012:289).
Esta tradução está mais de acordo
com a lógica histórica, os reis na antiguidade apoiavam as religiões nacionais.
A religião era de interesse público e na própria ascensão do cristianismo havia
diferenças entre confissões cristãs, por exemplo a disputa entre cristãos
arianos e trinitarianos no século IV, cujas perseguições dependiam para qual
lado o imperador decidia. No período da Reforma protestante, foi adotado o lema
cujus regio, eius religio como um dos itens da Paz de Augsburgo depois
da guerra entre católicos e protestantes alemães , em 1555, o qual os príncipes
alemães teriam o direito de oficializar o luteranismo em suas terras. No
contexto inglês, o anglicanismo de Henrique VIII, em 1536, começou com a
confusão religiosa que condenava as diversas confissões cristas do país,
criando um ressentimento que pioraria com o tempo as relações entre reis e
Igreja, entre cristãos católicos, anglicanos e puritanos. Este era o quadro que
o autor das Constituições de 1723 estava comentando e não uma aclamação a uma
nova religião baseada no Deísmo. A “religião que todos concordam” é
independente de “denominações ou confissões” ( do original whatever Denominations or Persuasions they
may be distinguish’d;) , ou seja, a religião comum na Inglaterra, que era a
cristã, independente da confissão. Para Carvalho, inspirado em Clarke e em sua
própria aversão ao teísmo, as Constituições de Anderson estavam inaugurando o
Deísmo como fundamentação da Maçonaria Especulativa.
Semanticamente, o antônimo de
ateu é teísta ( atheist x theist, em inglês). No texto das Constituições,
temos uma reação anti-ateísmo e anti-irreligiosidade ( do original, will
never be a stupid Atheist nor an irreligious Libertine) . O Deísmo, além de
não ser mencionado, propõe a irreligiosidade, pois o religare entre
homem e Deus não existe. Esta é a forma maturada do Deísmo no século XVIII, e é
a compreensão dedicada por Carvalho em sua crítica ao Teísmo e defesa ao Deísmo
“maçônico”, ou que isto tenha sido a exigência base da Ordem Maçônica.
Por causa disso, o papa Clemente XII teria feito, em 1738, a Bula De In
Eminenti fazendo sérias ressalvas à Maçonaria, tentando evitar o Deísmo.
Esta Bula, inclusive, não traz em nenhum momento a palavra Deísmo em suas
páginas.
Insistindo que a religião que
todos concordavam fosse o Deísmo, Carvalho acredita que esta Religião
Natural tornava o homem mais compreensivo e racional, o que caracterizaria
a Maçonaria em aceitar homens de ciência e de todos os credos religiosos. A
tradição teísta da Maçonaria é bem antiga, o autor elenca os exemplos da
iniciação do primeiro Maçom Aceito recepcionado na Capela Santa Maria, em 1600;
a reverência à Santa Igreja, no Manuscrito Cook, de 1410; o combate à heresia,
do Manuscrito de William Watson em 1637 e até documentação pós 1723 com
referências a São João , Santíssima Trindade , Cristo e os Apóstolos, como o
Manuscrito Graham de 1726. Porém, a finalidade das Constituições de 1723 seria eliminar
o Teísmo vinculado à Maçonaria, favorecendo a Religião Natural.
Seria este o propósito de Desaguliers, de acordo com Carvalho, pois ele queria quebrar
o monopólio religioso dos mandatários de Roma que desprezavam uma ciência
emergente (...) mantendo uma teocracia rançosa do crê ou morre. Dito
isto, a Maçonaria seria apenas uma entidade de Ordem Filosófica se abrandar
um pouco o intolerante Teísmo (1997:50-51). Esta é a posição do autor com
relação ao Teísmo, ele também responsabiliza o Teísmo por manter o maometismo e
o judaísmo afastados da Maçonaria. O ataque é contra o Cristianismo,
especialmente o catolicismo, mas ele mistura num único pacote Teísmo e
Cristianismo para endossar suas críticas e ao fazer elogios ao maometismo e ao
judaísmo, incluindo seu protesto de um suposto afastamento destas crenças por
parte da Maçonaria, parece que desconhece que estas também são Teístas.
De qualquer modo, o Teísmo em
Maçonaria prevaleceu com a Grande Loja Unida da Inglaterra (1813), o que seria
uma demonstração do fracasso de Desaguliers, exceto se não fosse esse seu
intento. Na verdade, não era seu intento. A quase totalidade dos Ritos
maçônicos reverência o Grande Arquiteto do Universo por meio de rogos; a Loja
Maçônica jamais abandonou sua assimilação de “Loja de São João”; o Livro da
Lei, a Bíblia, é Paramento Maçônico ao lado do Esquadro e Compasso, ou seja, é
parte das Três Grandes Luzes, e sua presença é dispensável e requerida a
leitura para os ritos que guardam a tradição. A Bíblia será a base de
manutenção para o Rito do Grau Três e o conceito de verdadeiro noaquita, constante
nas Constituições de 1738. A Bíblia, principalmente quando está aberta
ritualisticamente, representa a Palavra Revelada de Deus, ou seja, o Teísmo.
A hipótese de Carvalho ainda traz
as opiniões de Sally da Costa Mamede que compara o Teísmo ao irracionalismo e o
Deísmo ao racionalismo, pois este utiliza o método dedutivo e o outro o método
indutivo, e a de C.H. Masse que entende que a tendência da Maçonaria
Especulativa de 1717 era a de Religião Natural, mas que o próprio termo de
Grande Arquiteto do Universo nos dá a ideia daquele que cuida (1997:
59-63).
Com mais discernimento, Nicola
Aslan, no Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbolismo, alerta que
o Deísmo possui dois usos comuns sobre Deus: ou não há relação nenhuma com o
homem ou não há atributos morais para com a humanidade. Porém, não seria o
Deísmo um ateísmo, mas uma crença parecida com o Panteísmo (2012: 367-368). O
panteísmo acredita que Deus não é exterior e transcendente e que Espinoza,
aclamado iluminista, que recusa toda distinção moral, influenciando Marx,
Nietzsche e Freud, era um iminente defensor ensinado que Deus é a única
substância infinita e eterna, da qual todas as coisas existentes são apenas
modos (2006: 92, 211).
O Deísmo não possui, em seu
amadurecimento, preocupação com princípios morais estabelecidos por um
referencial tradicional. Para Aslan, não há uma relação firme entre Deísmo e
moralidade. Deus não é referência, independente da validade bíblica como sendo uma
Verdade Revelada. O Deísmo é muito mais aproximado do ateísmo, pela perspectiva
de que o antropocentrismo é dominante, pois Deus é irrelevante. A moral é
relativa às intempéries do tempo, não ancorado em princípios sagrados. Em
termos de referencial, é fácil entender o porquê de o Deísmo rejeitar a Bíblia:
não é aceitável uma moralidade singularizada. O Deísmo ameaça a Maçonaria, seja
em sua identidade, seja contribuindo para seu esvaziamento espiritual.
De acordo com Allec Mellor, do
Dicionário da Franco Maçonaria e dos Franco Maçons, Deísmo é a crença em Deus
baseado num sistema metafísico próprio inciado na Inglaterra no século
XVII que opunha a religião natural à religião revelada, e mais especialmente
o cristianismo. Bernard Fay idealizou a teoria de que os fundadores da
Grande Loja pretendiam substituir o cristianismo pelo Deísmo, sendo que a proposta
de Desaguliers era abertamente teísta (1989:103). O idealizador Bernard Fay
era um fascista francês colaboracionista do Regime de Vichy na França ocupada,
era notório anti-maçom e acreditava que a Maçonaria fazia parte de um plano
judaico de dominação mundial. Esta é a paternidade do Deísmo em Maçonaria.
CONCLUSÃO
A Maçonaria utiliza
tradicionalmente em seus Ritos uma proposta de reverência e espiritualidade.
Esta mística é a “alma’’ do ritual e nela está fundada a essência da Ordem. A
reverência e espiritualidade são prestadas a Deus. O conceito de G.A.D.U não é
apenas uma forma de reconhecimento social mas da existência do Ser ativo e
participativo. No Rito Escocês Antigo e Aceito, há o rogo a esta nomenclatura e
é comum que a quase totalidade dos Ritos maçônicos possuem inspirações
religiosas fincadas no princípio teísta.
O problema é que há uma
vulgarização de ideias que tentam adequar a Maçonaria ao homem, para estes
ativistas o coelho tirado da cartola está sendo o Deísmo para relativizar a
religiosidade maçônica. O senso comum que estão construindo é de que o Deísmo é
simplesmente uma espécie de ecumenismo. Para defender a liberdade, a igualdade
e a fraternidade, o Deísmo é aquele meio termo conciliador entre os que
acreditam em Deus e os que para isso pouco importa.
Além de fazer parte do discurso
de muitos que não aceitam o cristianismo, ou o catolicismo, o Deísmo é
instrumentalizado por indivíduos que carregam enroladas em bandeiras
político-partidárias mudanças estruturais na Maçonaria. Os ataques
especialmente contra o Rito Escocês Antigo e Aceito, pela sua alta atividade no
Brasil, problematizações sobre a composição maçônica e o uso da “crítica pela
crítica” são itens daqueles que exaltam o Deísmo como sendo uma “verdade
maçônica”.
O Deísmo começa na Inglaterra,
como uma ideia aproximada com o Teísmo, mas foi na França que ela amadurece,
recebendo a fama de religião dos filósofos iluministas. O Iluminismo inspirou e
idealizou a Revolução Francesa, com todas as suas consequências que afetaram
até mesmo a Maçonaria, negativamente. O lema de Igualdade, Fraternidade e
Liberdade, adotado pela Maçonaria e inspirado nesta Revolução, não era concretizado
na sociedade nem nos tribunais, servindo de disparidade para a moral maçônica.
A idealização do Deísmo oferece à
Maçonaria a rejeição da meta transcendental do homem, o reduzindo ao imanente,
substituindo a Sabedoria atemporal atribuída a Deus e ancorada na Bíblia, pela
inconstância das ideologias fadadas ao tempo.
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https://freemasoninformation.com/masonic-education/books/andersons-constitutions-of-1723/(acessado em 10/02/2021)
https://fliphtml5.com/rehp/nmat/basic (Bula In Eminenti, Clemente XII, 1738. Acessado em 10/02/2021)
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