A Maçonaria em sua história e afirmação especulativa tradicionalmente
conserva valores espiritualistas, relacionados principalmente ao teísmo. As constituições
de Anderson e a formação de Ritos durante os séculos XVIII e primeira metade do
século XIX, seguem princípios que resguardam a religiosidade entre uma das principais
características que definem o maçom. Historicamente, os documentos deste período
de tempo não destoam desta prerrogativa, nem sequer apresentam alternativas estranhas
de releituras ou reinterpretação. Mudanças politicas e ideológicas, porém, a níveis
materialistas, faz com que discursos alienadores apareçam e tentem redefinir a
Maçonaria em sua essência.
A Maçonaria, desde sua antiguidade denominada operativa, tem
como características virtudes de cunho religioso. A tradição que formalizou a
Maçonaria em termos conceituais está consolidada em filosofias onde a presença
de Deus é ativa e atuante entre os maçons. A mística do ritualismo maçônico
sugere o culto a esta Potência Criadora, que ficou conhecida pelo termo de
Grande Arquiteto do Universo, forma de reconhecimento maçônico de que Deus
existe, de modo ativo e participativo, recebendo nossos rogos em sessões. Este
sentimento da presença de Deus era comum e aceita como sendo identidade
maçônica em diversos momentos, incluindo a fundação do sistema Obediencial
(1717) e a afirmação da Grande Loja Unida (1813). O respeito da Maçonaria como
sendo uma linhagem tradicional e proveniente da fundação do mundo, ou universo,
está atestada pelas Constituições de Anderson de 1723 e consolidada em 1738,
com a inclusão do termo Noaquita, sendo esta uma categoria especial de detentores
da Verdade moral divina revelada pela Bíblia, que sejam os maçons.
A Maçonaria Obediencial naturalmente se expande da
Inglaterra para a porção continental da Europa, sendo a França o principal
recipiente da Maçonaria ao modo especulativo. Cumprindo a regularidade maçônica em seus princípios, funda-se a Grande Loja de França em 1728. Infelizmente, o
período era bastante conturbado politicamente. Os Stuarts, com uma forma de
Maçonaria não obediencial, a Maçonaria Jacobita, estavam exilados na França e
foram estes que apresentaram a Maçonaria aos franceses. O exílio esta dinastia
escocesa se deu na segunda metade do século XVII, além de motivações políticas
estava também influindo motivações religiosas. Todos tinham mesma religião na
Inglaterra, eram cristãos, mas diferenciavam em credos ou confissões,
principalmente entre católicos, anglicanos e puritanos. Lamentavelmente, quando
um dos grupos subiam ao poder irrompiam contra os demais. Por exemplo, foram os
puritanos de Oliver Cromwell que, no poder pela Guerra Civil, decidiriam pela
morte de Carlos I Stuart em 1649; com a morte natural de Cromwell, retorna ao
trono os Stuarts com Carlos II, em 1660, que inclusive tinha bom relacionamento
com a Maçonaria, ainda não formalizada e obediencial, seja com a nomeação de Christopher Wren, “Maçom Aceito” para a
reconstrução de Londres após o incêndio de 1666, seja pela fundação da Royal
Society, em 1660, local de encontro de vários maçons. O rei era casado com
Catarina de Bragança, filha do rei português João IV, de criação católica. A
influencia católica sobre os Stuarts ainda será forte com o sucessor do trono,
Jaime II, duque de York, abertamente católico e por isso foi substituído pelo
protestante e liberal calvinista estrangeiro e genro de Jaime II, o holandês
Guilherme de Orange. Novamente, os Stuarts são exilados na França, com a
Maçonaria Jacobita optando por uma política conspiracionista de retorno. Esta é
a Maçonaria que a Grande Loja de Londres tentou evitar ao fundar o sistema
obediencial, evitando divisões políticas e religiosas. Foi com esta bandeira
branca que fundaram a Grande Loja de França. Esta Potência, ao longo dos tempos
e com a desistência dos Stuarts de retomar o trono, foi se harmonizando com as
virtudes escocesistas de comprometimento com a religiosidade, cavalheirismo e
esboços de esoterismos.
Na década de sessenta do século XVIII, durante a coroa de
Luís XV, o reino da França está encrencado com a perda das colônias na Índia e
do Canadá (Tratado de Paris 1763) para a Inglaterra. O sentimento de rivalidade
e desconfiança durará até necessidade da França fazer parte da Tríplice
Entente, ao lado da Inglaterra, no século XX contra a Alemanha e aliados. A
pressão das cortes que estavam impressionadas com a liberalidade iluminista, a
disputa contra os jesuítas e a expulsão da Companhia de Jesus, e as crises
moral, política, social e econômica, marcaram o início da década de setenta,
contextualizando a fundação do Grande Oriente de França, em 1773,
desconsiderando a Grande Loja. O Grão Mestre desta organização foi Luis Filipe
II, primo de quem seria o futuro rei Luís XVI. De posição
liberalizante, Luís Filipe começa em desmantelar a tradição maçônica tomando
posições constrangedoras para a Maçonaria Obediencial, a exemplo de inaugurar
loja espúria. Traidor celerado, trai o primo Luís XVI colaborando com sua
execução pelos revolucionários e trai também os próprios revolucionários. A sede de poder termina com sua execução pela própria Revolução. Este modo de
conceber Maçonaria, na França, sempre implicando contra a fundamentação
maçônica original e contra qualquer iniciativa que aludisse a Reino Unido,
redundou com a abolição da nomenclatura do G.A.D.U. e sua evocação em Loja, bem
como desafiar a ideia de Revelação, fechando ritualisticamente o Livro da Lei.
Essa decisão foi tomada em 1877, sendo que recentemente, em 1865, havia sido
aprovado uma Constituição com a manutenção desta virtude maçônica. Interessante que
o Rito francês, que fez esta mudança, alardeia que não baniu a crença em Deus e
na Imortalidade da alma de suas lojas, mas que por respeito à liberdade
“absoluta” de consciência decidiu retirar o símbolo de religiosidade, antigo e
original da Maçonaria. "Respeito" esse cuja balança pendeu para anular a posição
teísta tradicional da Maçonaria histórica. O Rito dos “Livre Pensadores”,
título costumeiro entre seus afins, talvez entenda que os maçons teístas não
sejam livres pensadores, porém este título esconde, possivelmente, a
justificativa em aceitar ateus em sua iniciação. A presença de ateus no Grande
Oriente de França é a cereja do bolo na comemoração da implosão da Maçonaria.
Hodiernamente, a qualificação para esta prática tem sido denominada de
agnosticismo.
FILOSOFIA E AGNOSTICISMO
O termo agnosticismo, de acordo com Hilton Japiassú e Danilo
Marcondes, significa desconhecido e foi criado por Huxley, na segunda metade do
século XIX para designar a incapacidade de conhecimento de tudo o que
extrapola os sentidos. O conhecimento fora do âmbito científico, ou
metafísico, é impossível. Para Hume, todo conhecimento abstrato, sem
raciocínios experimentais, deve ser lançado ao fogo, pois só contém
sofismas e ilusões. O agnosticismo, segundo os autores, não pretende
negar a existência de Deus, mas somente reconhecer que não podemos afirma-la
ou negá-la. Porém, estes mesmos autores, no verbete “Agnóstico”
esclarecem: Diz-se do indivíduo que não acredita no sobrenatural, em Deus ou
no divino. Em outras palavras, agnóstico é alguém que declara ser
incognoscível tudo o que se encontra para além da experiência sensível
(2006:4).
Eufemismos à parte, se o agnosticismo poupa conceitualmente
o fator ateísta, o gnóstico, individualmente, caracteriza ou qualifica, o
cético a tudo que seja divino. Esta confusão entre teoria e prática reúne mais
fundamentos pró ateísmo que qualquer outra coisa.
No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnanno, agnosticismo
indica a atitude de quem se recusa a admitir soluções para os problemas que não
podem ser tratados com métodos a ciência positiva, sobretudo os problemas
metafísicos e religiosos. O termo criado pelo evolucionista Huxley, foi uma
referência aos gnósticos da igreja primitiva, em sua forma crítica. Os ditos agnósticos Spencer e Du-Bois Raymond, por exemplo, recusaram aceitaram a origem
sobrenatural das coisas, pois estava fora da ciência, ou seja, não creram que houve Criação. O agnosticismo é parte integrante da redução
do objeto da religião a simples mistério e que cuja intepretação os
símbolos usados são de todo inadequado (2000: 22). Contextualizando o
pensamento de T.H. Huxley, bom que saiba que ele era a favor de uma Bíblia
editada, retirando aquilo que ele considerava inadequado para homens da
ciência, com este acinte sendo, inclusive, oferecida às crianças nas escolas.
Além de defender a deturpação do sentido original da Bíblia, Huxley era
anti-catolicismo e dizia que não confiava no que a Igreja ensinava sobre Jesus
Cristo (cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Henry_Huxley).
Este o ponto de partida da tese agnóstica, militância antirreligiosa.
Filosoficamente, o agnosticismo é inadequado à Maçonaria. A
espiritualidade é simplesmente impossível, a simbologia de referência
espiritual se torna vazia e a ritualística sem o menor sentido e sem sintonia
com aspirações elevadas, apenas um mimetismo cansativo e passivo de rejeição.
Sem qualquer meta de aspiração espiritual e sem o propósito de reverenciar o
autor de uma regra estabelecida que sintonize o homem ao seu Criador, a
Maçonaria é tida por uma instituição desnecessária em sua natureza iniciática.
Num ambiente agnóstico, os maçons não prestam satisfação a nenhuma aspiração
elevada cujo referencial esteja acima deles mesmos. O referencial será apenas as
aspirações pessoais, pois a meta é o homem em si mesmo. O bom e o ruim será
aquilo que satisfaz a pessoa em seu mundo individual, pois ele não será o filho
a prestar serviço ao Pai, ele é a redução que confunde o filho com o Pai, ou
seja, o maçom se torna um ser autossuficiente e deus de si mesmo. Ambientado
neste mundinho, onde o homem basta a si, qualquer ideia de Igualdade, Liberdade
e, principalmente, Fraternidade, é conversa para boi dormir. Isso faria da
Maçonaria uma instituição cujo anseio pessoal estaria referenciado como base
filosófica. O pessoalismo e autoafirmação social do indivíduo, antiética
combatida pela Maçonaria, seria a aspiração de todo maçom preocupado com seu
mundo em particular criado não por Deus, mas pelo acaso.
A ideia de que , no mínimo, Deus seja causa de dúvida,
retira todo o sentido de uma sessão Maçônica, cujos símbolos estão cheios de
significados esotéricos que não estão limitados a ética temporal humana mas
ancorados a princípios metafísicos, sendo o referencial a crença em Deus, o Nó
central. Este Deus é ativo, providente e nomeado por Grande Arquiteto do
Universo, sendo sua função de Criador uma correlação entre sua Criatura por
meio da alma, que é sua emanação. Nisto consiste a espiritualidade do homem e de todo
Rito Maçônico original. O Teísmo é a essência religiosa da Maçonaria, por isso
a reverência ao G.A.D.U. está coerente com a fundação do Especulativismo e isso
não é adequado a dúvidas ou negacionismos à religiosidade, exceto quando o
G.OdF, no final do século XIX, decidiu exterminar a crença em Deus de suas
exigências a favor de ateus. Esta rejeição à doutrina do G.A.D.U. está inserido
no contexto de atribuladas convulsões políticas e ideológicas na Europa,
especialmente na porção Ocidental, onde lançaram a noção de rito agnóstico.
No âmbito teológico, Coda, no Léxicon, entende que o
agnosticismo seja a doutrina da incognoscibilidade de tudo aquilo que
transcende o nível do conhecimento fenomênico e empírico. O homem que não
provar a existência de Deus empiricamente ou por métodos positivistas não é
adequado ou aceito, de acordo com o agnóstico (2003:09). A cognoscibilidade de
Deus, na perspectiva de Hans-Joachim Sander, no Novo Léxico de Teologia
Dogmática Católica, é possível pela compreensão do homem a partir da interação
com a autocomunicação de Deus através de experiências religiosas. Negar a
cognoscibilidade de Deus é negar toda a religiosidade (2015:90-91). Em
termos maçônicos, uma Loja que permite a
dúvida na crença em Deus também não permite a possibilidade da experiência
religiosa. Não é raro, por exemplo, exegetas da “modernidade”, combater
intepretações místicas ou conceituais ao esoterismo a respeito do termo
Egrégora ou Cadeia de União, defendendo inclusive parâmetros institucionais para condenar ao esvaziamento do sentido espiritual ou debochando de autores que
apresentam propostas espiritualistas para, por exemplo, o Rito Escocês Antigo e
Aceito.
O desafio feito pela lógica agnosticista faz com que o
crente esteja sujeito ao terreno da materialidade para que seja aceito. Como a
espiritualidade é outro campo de cognoscibilidade, resta ao agnóstico impor W.O
(Walkover) ao Teísmo, oferecendo ao indivíduo o ateísmo, por falta de provas
atestadas cientificamente da crença em Deus. Esta é a finalidade prática do agnosticismo e não
à toa que o pai do termo, T. Huxley, era um inimigo da tradição bíblica e da
autoridade de magistério teológico. A diferença de agnóstico para ateu é quase
nenhuma, mas de agnóstico para o crente é abissal.
AGNOSTICISMO E LITERATURA MAÇÔNICA
Nicola Aslan, no seu Dicionário, diz ser o
agnosticismo a Doutrina que declara o Absoluto inacessível ao espírito
humano. E um expoente do agnosticismo na Inglaterra, Hamilton (1788-1856),
resume o agnosticismo ‘A última e a mais alta consagração de toda verdadeira
religião deve ser um altar, Ághnosto Théo, ao Deus desconhecido e
incognoscível’. Citando Mário Ferreira dos Santos, Aslan alerta que o
agnosticismo contesta a gnoscibilidade de Deus pela luz natural da razão
humana, ou até por revelação, além do que, Deus não é um phaemenon, o
homem, por conseguinte, não pode conhecê-lo . Neste caso, para o
agnosticismo, Deus é um ideal atraente e não um ser pessoal (2012:65). O
agnosticismo, em outras palavras, é uma forma discursiva de negação da
possibilidade do homem adorar a Deus, tornando isso uma irracionalidade. Este
ateísmo atenuado utiliza uma forma de axioma para determinar inválida a crença
em Deus, ou ao menos instrumentaliza a concepção divina contra a própria
possibilidade de crença, colocando o homem em tal redução que torna impossível
qualquer relação entre homem e Deus. O ateísmo é uma filosofia antirreligiosa.
Por exemplo, coerente com esta disposição, o agnosticismo
aplicado à Maçonaria repugna qualquer referência à religiosidade. O símbolo, um
dos mais atacados, que sofre com redimensões e desconstruções é o Livro da Lei,
originalmente representado como sendo a Palavra Revelada, pela sua disposição
aberta no painel do Grau de Aprendiz, o de Harris, de 1825. O símbolo Livro da Lei é parte
dos Paramentos Maçônicos, ao lado do Esquadro e do Compasso. Para os militantes
do agnosticismo, a Livro Sagrado é substituído pela Constituição da Potência,
pela Constituição do país, pela Constituição de Anderson, ou por outro livro
considerado sagrado, mas jamais em sua forma doutrinária relacionada com a
prevalência do Compasso sobre o Esquadro, ou seja, do Espírito sobre a Matéria.
Isso é incentivado pelo agnóstico porque, em última análise, é irracional a
religiosidade, cabendo apenas o materialismo ser o veredicto da verdade humana. O
painel francês, atribuído ao R.E.A.A., absurdamente sequer traz o símbolo do
Livro da Lei-Bíblia Sagrada-Palavra Revelada, que é o norteamento de toda a
ritualística simbólica exercida em Loja.
Esta exclusão da religiosidade não é a Maçonaria das
Constituições de Anderson, que denomina o maçom esclarecido e atuante como
noaquita. A natureza maçônica, por seu fator iniciático, é religiosa. Retirar
da Maçonaria sua mística de transformação do indivíduo, sob a égide do sagrado,
é a pior das deturpações de sua essência e o mais cínico dos perjuros.
Motivações políticas e a perversão de filosofias materialistas foram capazes de
importunar a Maçonaria em seu conteúdo mais caro.
As Constituições de 1738, aprimorando a anterior de 1723,
ratificando o compromisso contra o ateísmo ou a irreligiosidade nos apresenta
que : A primeira obrigação 1- Com
relação a Deus e à religião: (...) na qualidade de um verdadeiro noaquita, e se
compreender o ofício, não será jamais um ateu estúpido, nem um libertino
irreligioso, nem agirá contra sua consciência (...) pois todos estão de acordo
com os três artigos de Noé, o suficiente para preservar o cimento da Loja
(...). Este cimento da Loja, os três artigos de Noé, de acordo com René
Guenón, citado por Aslan, são: paternidade divina, fraternidade humana e
imortalidade (2012: 886). O patriarca Noé aparecera no Manuscrito Graham
(1726) para incrementar a doutrina da Lenda de Hiram, de imortalidade da alma.
Para Alec Mellor, os artigos de Noé eram: Abster-se da idolatria, honrar o Nome
Santo de Deus e não ser homicida (1989:192). Estas são lições da Lenda de
Hiram. De acordo com Albert G. Mackey, o Noaquita simplesmente defende a
existência de Deus e a imortalidade da alma (2008: 16-19). Com o acinte
agnóstico dentro da Maçonaria, nada disso faz sentido. O tal agnóstico, aceito
em meio maçônico, é totalmente inadequado às tradições e ditames das Constituições.
Para que o agnóstico seja aceito, a Loja ou Potência Maçônica, deve
desconsiderar a letra e perverter o sentido das Constituições fundadoras da
Ordem Maçônica Especulativa Obediencial.
Nas palavras de Rizzardo da Camino, no seu Dicionário Maçônico,
o agnosticismo pressupõe antes de tudo, a impotência de Deus Criador para que
seja plenamente bondoso, resultando disso o seu fracasso na criação, isso
porque, à frente de Deus preexistia uma força impeditiva para o poder pleno ;
e com relação à Maçonaria escreve: A Maçonaria passou incólume por todas
essas fases e, posto o agnosticismo exercesse grande influência nos século XIX,
os princípios maçônicos subsistiram , porque sua fé foi sempre depositada no
Supremo Ser, traduzido na linguagem maçônica de Grande Arquiteto do Universo,
Justo e Perfeito (2008:25).
O Dicionário Etimológico Maçônico, de José Castellani, diz que
Agnóstico é aquele que professa o agnosticismo e esta é a doutrina que declara
que o Absoluto é inacessível ao espírito humano. Ritos maçônicos
auto-intitulados agnósticos não devem ter esta atitude confundida ao ateísmo
(2004:21). Esta afirmação merece uma problematização: para o Grande Oriente de
França, com seu Rito, não foi bastante deixar em aberto esta perspectiva,
decidindo renegar ativamente seu reconhecimento à religiosidade e tomando
partido pela finalidade agnóstica, pois aboliu a nomenclatura de Grande
Arquiteto do Universo de seu documento. Esta bizarrice irreligiosa fez com que
uma instituição com nome de maçonaria dispensasse Deus, renegasse toda a
“tradição noaquita” e adequasse um rito aos ensejos dos ateus que queriam
“iniciar” nos “mistérios” maçônicos. Estranho que ateus considerem a validade
de um ritual iniciático.
O agnosticismo, ao lado do Deísmo e do ateísmo, são
filosofias que tornam irrelevante crença em Deus e a torna irrelevante em
qualquer forma de ritualística. Seria difícil de se falar em liberdade de total de
consciência para um descrente materialista, pois este estaria submetido a um mínimo de
ritualística inspirada em esoterismo. O ateu é impassível , por exemplo, com
Lenda de Hiram ou com “Cavaleiro Rosa Cruz” ou simbologia de fênix” ou qualquer
ideia considerada puerilidade humana. Não há sentimentalismo para o ateu, ou
agnóstico, como queiram, de qualquer noção de espiritualidade, no mínimo que
seja, pois o reducionismo teórico da incognoscibilidade, despedindo a
religiosidade, faz do homem um fim em si, e nenhum mistério existe ou mereça
ser celebrado.
O negacionismo agnóstico, essencialmente descrente,
interfere na conscientização do maçom que facilmente perceberá, na lógica
“moderna”, que nada daquilo que se dedica a fazer em Loja faz sentido e que
todo simbolismo é vazio.
Na opinião de Renato Alencar, na Enciclopédia histórica do
mundo maçônico, a supressão ou exclusão da ideia na existência de Deus em 1877
pelo Grande Oriente de França foi uma confissão ateia que escandalizou a
Maçonaria Regular (1979:99-100). Esta reação de repúdio fez com que os
“agnósticos” saíssem à francesa com um discurso invasivo de liberdade de
pensamento.
A decisão tomada revolucionariamente pela França é defendida
no artigo de Frederico Guilherme da Costa, no Caderno de Estudos Maçônicos
questões controvertidas da Arte Real, volume cinco, prefaciado por Assis
Carvalho, vulgo Xico Trolha, que antes escrevera um espécie de libelo
anticatólico, o "Descristianização da Maçonaria", fazendo uma defesa aberta do
Deísmo em Maçonaria. Desta feita, o Xico utiliza termos como crucifixo
pendurado para comparar instituições públicas que usam este símbolo cristão,
mas que não são entidades religiosas, com a Maçonaria, que usa símbolos religiosos,
mas que, segundo ele, não é religiosa. Este é um redimensionamento discursivo
apoiado pelos antirreligiosos que fazem uma maçonaria adequada a eles, não sendo exatamente
o que ela é originalmente. Na manifestação de Costa, o que ele denomina de reforma de 1877,
que declara a Franco-Maçonaria não deísta, nem ateia, nem positivista, que respeita
a liberdade de consciência e estranha todo dogma e todo credo
religioso, fez com que a Maçonaria francesa, excluindo a ideia de Deus, fosse
uma instituição aberta a todos os progressos, a todas as ideias morais
elevadas a todas as aspirações grandiosas e liberais . Esta seria (in)consistência
moral do agnosticismo, que não afirma que Deus exista, ou não (2000: 162-163).
A empatia entre Xico Trolha e Frederico Guilherme da Costa deixa transparecer
que Deísmo e agnosticismo, na prática, são confundidos com a mesma substância antirreligiosa,
e até mesmo preconceituosa com relação a fé cristã.
O uso dos termos usados por Carvalho e Costa são religião
e dogma, uma forma apelativa para distinguir a Maçonaria de seita ou
igreja. O termo religiosidade não é utilizado. No entanto, a posição antirreligiosa
seja ponto pacífico. A faceta ateia do documento da “reforma” de 1877 não traz
o termo “religiosidade”, o que seria inviável para uma melhor aceitação, pois atacando
em termos religião e dogma seria mais fácil camuflar a intenção do
desmancho à tradição.
Partindo para uma rápida exposição do rito subsidiário ao
Grande Oriente de França, Costa compara o agnosticismo, utilizado na sindicância,
com o racionalismo. O Rito Moderno ou francês, para ele, corresponde a exigência
fundamental da filosofia e da ciência , pois a ideia da cognoscibilidade do
homem é travada pela instabilidade frente a dinâmica humana; por isso
não há racionalidade na teleologia que é dogma sustentado pela fé e
pela revelação (2000:164). A dinâmica humana, ao que parece são as
mudanças engendradas pelas ideologias políticas que atacam a tradição e os
valores. O que se propõe é que a Maçonaria seja um caniço agitado pelo vento. Esta
é a moda defendida pelos tais "racionalistas".
CONCLUSÃO
O agnosticismo tem a oferecer à Maçonaria fatores de
desagregação, pois não está atrelada às tradições ou doutrinas fundadoras da
Ordem. Para os entusiastas do agnosticismo, parece que a Maçonaria nasceu em
1877, com a tal “reforma”. A falácia de isenção não confundiu os ingleses, hoje
chamados de “teístas exacerbados” por “medalhões” de fama, que imediatamente repudiaram
esta rebeldia. O período aproveitado pelos revolucionários, que rasgaram a constituição
que havia sido, até então, recentemente aprovada em 1786 mantendo a defesa ao
teísmo, reproduzido na manutenção da nomenclatura Grande Arquiteto do Universo,
foi o conflituoso período de decadência da monarquia de Napoleão III. A derrota
para os alemães na guerra de 1870 e desequilíbrios sociais e econômicos deu
alento para doutrinas materialistas permearem todos os campos institucionais,
inclusive a Maçonaria.
A Grande Loja Nacional francesa, de 1913, foi uma reação
tardia da tradicional Maçonaria Regular em território francês. O discurso agnóstico
é similar à proposta de Era do Vazio, o individualismo pós-moderno na tradução
filosófica de Gilles Lipovetsky, os valores são repensados com base no
relativismo, pois não há uma referência estável, de nada. A crítica à
maturidade é a base de toda instabilidade, esta é a “virtude” da falta de
elementos agregadores. O consumismo e a “globalização
do individualismo”, faz, no caso aplicado à Maçonaria, uma Ordem ao gosto do freguês.
Isso é lamentável.
A instrumentalização ideológica da Maçonaria pelos “progressistas”
ou pelos “isentões” que não possuem identificação, autodenominados “racionalistas”,
utilizam razões desconstrutivistas cujo interesse está na reinterpretação da
Maçonaria. Por isso, atacam o que é considerado tradicional. O Rito Escocês
Antigo e Aceito, o maior praticado no Brasil, a religiosidade, cimento de
inspiração espiritual entre maçons, e qualquer conceituação mística ou teísta, são
as mais prediletas vítimas destes calamitosos cavaleiros. Não raramente, os
mais afoitos, palestrantes que balançam a bandeira da genuflexão da Maçonaria
ao mainstream das causas consumistas identitárias sociais, ameaçam a
Maçonaria com sua baioneta de borracha a tornando refém da vontade da moda do
momento. A omissão e a desfaçatez, aliada a falta de comprometimento e estudo,
estão corroendo as Colunas da Força e Estabilidade.
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