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sábado, 20 de fevereiro de 2021

AGNOSTICISMO E MAÇONARIA: UMA ANÁLISE.

 


A Maçonaria em sua história e afirmação especulativa tradicionalmente conserva valores espiritualistas, relacionados principalmente ao teísmo. As constituições de Anderson e a formação de Ritos durante os séculos XVIII e primeira metade do século XIX, seguem princípios que resguardam a religiosidade entre uma das principais características que definem o maçom. Historicamente, os documentos deste período de tempo não destoam desta prerrogativa, nem sequer apresentam alternativas estranhas de releituras ou reinterpretação. Mudanças politicas e ideológicas, porém, a níveis materialistas, faz com que discursos alienadores apareçam e tentem redefinir a Maçonaria em sua essência.  


A Maçonaria, desde sua antiguidade denominada operativa, tem como características virtudes de cunho religioso. A tradição que formalizou a Maçonaria em termos conceituais está consolidada em filosofias onde a presença de Deus é ativa e atuante entre os maçons. A mística do ritualismo maçônico sugere o culto a esta Potência Criadora, que ficou conhecida pelo termo de Grande Arquiteto do Universo, forma de reconhecimento maçônico de que Deus existe, de modo ativo e participativo, recebendo nossos rogos em sessões. Este sentimento da presença de Deus era comum e aceita como sendo identidade maçônica em diversos momentos, incluindo a fundação do sistema Obediencial (1717) e a afirmação da Grande Loja Unida (1813). O respeito da Maçonaria como sendo uma linhagem tradicional e proveniente da fundação do mundo, ou universo, está atestada pelas Constituições de Anderson de 1723 e consolidada em 1738, com a inclusão do termo Noaquita, sendo esta uma categoria especial de detentores da Verdade moral divina revelada pela Bíblia, que sejam os maçons.

A Maçonaria Obediencial naturalmente se expande da Inglaterra para a porção continental da Europa, sendo a França o principal recipiente da Maçonaria ao modo especulativo. Cumprindo a regularidade maçônica em seus princípios, funda-se a Grande Loja de França em 1728. Infelizmente, o período era bastante conturbado politicamente. Os Stuarts, com uma forma de Maçonaria não obediencial, a Maçonaria Jacobita, estavam exilados na França e foram estes que apresentaram a Maçonaria aos franceses. O exílio esta dinastia escocesa se deu na segunda metade do século XVII, além de motivações políticas estava também influindo motivações religiosas. Todos tinham mesma religião na Inglaterra, eram cristãos, mas diferenciavam em credos ou confissões, principalmente entre católicos, anglicanos e puritanos. Lamentavelmente, quando um dos grupos subiam ao poder irrompiam contra os demais. Por exemplo, foram os puritanos de Oliver Cromwell que, no poder pela Guerra Civil, decidiriam pela morte de Carlos I Stuart em 1649; com a morte natural de Cromwell, retorna ao trono os Stuarts com Carlos II, em 1660, que inclusive tinha bom relacionamento com a Maçonaria, ainda não formalizada e obediencial, seja com a nomeação  de Christopher Wren, “Maçom Aceito” para a reconstrução de Londres após o incêndio de 1666, seja pela fundação da Royal Society, em 1660, local de encontro de vários maçons. O rei era casado com Catarina de Bragança, filha do rei português João IV, de criação católica. A influencia católica sobre os Stuarts ainda será forte com o sucessor do trono, Jaime II, duque de York, abertamente católico e por isso foi substituído pelo protestante e liberal calvinista estrangeiro e genro de Jaime II, o holandês Guilherme de Orange. Novamente, os Stuarts são exilados na França, com a Maçonaria Jacobita optando por uma política conspiracionista de retorno. Esta é a Maçonaria que a Grande Loja de Londres tentou evitar ao fundar o sistema obediencial, evitando divisões políticas e religiosas. Foi com esta bandeira branca que fundaram a Grande Loja de França. Esta Potência, ao longo dos tempos e com a desistência dos Stuarts de retomar o trono, foi se harmonizando com as virtudes escocesistas de comprometimento com a religiosidade, cavalheirismo e esboços de esoterismos.

Na década de sessenta do século XVIII, durante a coroa de Luís XV, o reino da França está encrencado com a perda das colônias na Índia e do Canadá (Tratado de Paris 1763) para a Inglaterra. O sentimento de rivalidade e desconfiança durará até necessidade da França fazer parte da Tríplice Entente, ao lado da Inglaterra, no século XX contra a Alemanha e aliados. A pressão das cortes que estavam impressionadas com a liberalidade iluminista, a disputa contra os jesuítas e a expulsão da Companhia de Jesus, e as crises moral, política, social e econômica, marcaram o início da década de setenta, contextualizando a fundação do Grande Oriente de França, em 1773, desconsiderando a Grande Loja. O Grão Mestre desta organização foi Luis Filipe II, primo de quem seria o futuro rei Luís XVI. De posição liberalizante, Luís Filipe começa em desmantelar a tradição maçônica tomando posições constrangedoras para a Maçonaria Obediencial, a exemplo de inaugurar loja espúria. Traidor celerado, trai o primo Luís XVI colaborando com sua execução pelos revolucionários e trai também os próprios revolucionários. A sede de poder termina com sua execução pela própria Revolução. Este modo de conceber Maçonaria, na França, sempre implicando contra a fundamentação maçônica original e contra qualquer iniciativa que aludisse a Reino Unido, redundou com a abolição da nomenclatura do G.A.D.U. e sua evocação em Loja, bem como desafiar a ideia de Revelação, fechando ritualisticamente o Livro da Lei. Essa decisão foi tomada em 1877, sendo que recentemente, em 1865, havia sido aprovado uma Constituição com a manutenção desta virtude maçônica. Interessante que o Rito francês, que fez esta mudança, alardeia que não baniu a crença em Deus e na Imortalidade da alma de suas lojas, mas que por respeito à liberdade “absoluta” de consciência decidiu retirar o símbolo de religiosidade, antigo e original da Maçonaria. "Respeito" esse cuja balança pendeu para anular a posição teísta tradicional da Maçonaria histórica. O Rito dos “Livre Pensadores”, título costumeiro entre seus afins, talvez entenda que os maçons teístas não sejam livres pensadores, porém este título esconde, possivelmente, a justificativa em aceitar ateus em sua iniciação. A presença de ateus no Grande Oriente de França é a cereja do bolo na comemoração da implosão da Maçonaria. Hodiernamente, a qualificação para esta prática tem sido denominada de agnosticismo.

FILOSOFIA E AGNOSTICISMO

O termo agnosticismo, de acordo com Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, significa desconhecido e foi criado por Huxley, na segunda metade do século XIX para designar a incapacidade de conhecimento de tudo o que extrapola os sentidos. O conhecimento fora do âmbito científico, ou metafísico, é impossível. Para Hume, todo conhecimento abstrato, sem raciocínios experimentais, deve ser lançado ao fogo, pois só contém sofismas e ilusões. O agnosticismo, segundo os autores, não pretende negar a existência de Deus, mas somente reconhecer que não podemos afirma-la ou negá-la. Porém, estes mesmos autores, no verbete “Agnóstico” esclarecem: Diz-se do indivíduo que não acredita no sobrenatural, em Deus ou no divino. Em outras palavras, agnóstico é alguém que declara ser incognoscível tudo o que se encontra para além da experiência sensível (2006:4).

Eufemismos à parte, se o agnosticismo poupa conceitualmente o fator ateísta, o gnóstico, individualmente, caracteriza ou qualifica, o cético a tudo que seja divino. Esta confusão entre teoria e prática reúne mais fundamentos pró ateísmo que qualquer outra coisa.

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnanno, agnosticismo indica a atitude de quem se recusa a admitir soluções para os problemas que não podem ser tratados com métodos a ciência positiva, sobretudo os problemas metafísicos e religiosos. O termo criado pelo evolucionista Huxley, foi uma referência aos gnósticos da igreja primitiva, em sua forma crítica. Os ditos agnósticos Spencer e Du-Bois Raymond, por exemplo, recusaram aceitaram a origem sobrenatural das coisas, pois estava fora da ciência, ou seja, não creram que houve Criação.  O agnosticismo é parte integrante da redução do objeto da religião a simples mistério e que cuja intepretação os símbolos usados são de todo inadequado (2000: 22). Contextualizando o pensamento de T.H. Huxley, bom que saiba que ele era a favor de uma Bíblia editada, retirando aquilo que ele considerava inadequado para homens da ciência, com este acinte sendo, inclusive, oferecida às crianças nas escolas. Além de defender a deturpação do sentido original da Bíblia, Huxley era anti-catolicismo e dizia que não confiava no que a Igreja ensinava sobre Jesus Cristo (cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Henry_Huxley). Este o ponto de partida da tese agnóstica, militância antirreligiosa.

Filosoficamente, o agnosticismo é inadequado à Maçonaria. A espiritualidade é simplesmente impossível, a simbologia de referência espiritual se torna vazia e a ritualística sem o menor sentido e sem sintonia com aspirações elevadas, apenas um mimetismo cansativo e passivo de rejeição. Sem qualquer meta de aspiração espiritual e sem o propósito de reverenciar o autor de uma regra estabelecida que sintonize o homem ao seu Criador, a Maçonaria é tida por uma instituição desnecessária em sua natureza iniciática. Num ambiente agnóstico, os maçons não prestam satisfação a nenhuma aspiração elevada cujo referencial esteja acima deles mesmos. O referencial será apenas as aspirações pessoais, pois a meta é o homem em si mesmo. O bom e o ruim será aquilo que satisfaz a pessoa em seu mundo individual, pois ele não será o filho a prestar serviço ao Pai, ele é a redução que confunde o filho com o Pai, ou seja, o maçom se torna um ser autossuficiente e deus de si mesmo. Ambientado neste mundinho, onde o homem basta a si, qualquer ideia de Igualdade, Liberdade e, principalmente, Fraternidade, é conversa para boi dormir. Isso faria da Maçonaria uma instituição cujo anseio pessoal estaria referenciado como base filosófica. O pessoalismo e autoafirmação social do indivíduo, antiética combatida pela Maçonaria, seria a aspiração de todo maçom preocupado com seu mundo em particular criado não por Deus, mas pelo acaso.

A ideia de que , no mínimo, Deus seja causa de dúvida, retira todo o sentido de uma sessão Maçônica, cujos símbolos estão cheios de significados esotéricos que não estão limitados a ética temporal humana mas ancorados a princípios metafísicos, sendo o referencial a crença em Deus, o Nó central. Este Deus é ativo, providente e nomeado por Grande Arquiteto do Universo, sendo sua função de Criador uma correlação entre sua Criatura por meio da alma, que é sua emanação. Nisto consiste a espiritualidade do homem e de todo Rito Maçônico original. O Teísmo é a essência religiosa da Maçonaria, por isso a reverência ao G.A.D.U. está coerente com a fundação do Especulativismo e isso não é adequado a dúvidas ou negacionismos à religiosidade, exceto quando o G.OdF, no final do século XIX, decidiu exterminar a crença em Deus de suas exigências a favor de ateus. Esta rejeição à doutrina do G.A.D.U. está inserido no contexto de atribuladas convulsões políticas e ideológicas na Europa, especialmente na porção Ocidental, onde lançaram a noção de rito agnóstico.

No âmbito teológico, Coda, no Léxicon, entende que o agnosticismo seja a doutrina da incognoscibilidade de tudo aquilo que transcende o nível do conhecimento fenomênico e empírico. O homem que não provar a existência de Deus empiricamente ou por métodos positivistas não é adequado ou aceito, de acordo com o agnóstico (2003:09). A cognoscibilidade de Deus, na perspectiva de Hans-Joachim Sander, no Novo Léxico de Teologia Dogmática Católica, é possível pela compreensão do homem a partir da interação com a autocomunicação de Deus através de experiências religiosas. Negar a cognoscibilidade de Deus é negar toda a religiosidade (2015:90-91). Em termos  maçônicos, uma Loja que permite a dúvida na crença em Deus também não permite a possibilidade da experiência religiosa. Não é raro, por exemplo, exegetas da “modernidade”, combater intepretações místicas ou conceituais ao esoterismo a respeito do termo Egrégora ou Cadeia de União, defendendo inclusive parâmetros institucionais para condenar ao esvaziamento do sentido espiritual ou debochando de autores que apresentam propostas espiritualistas para, por exemplo, o Rito Escocês Antigo e Aceito.

O desafio feito pela lógica agnosticista faz com que o crente esteja sujeito ao terreno da materialidade para que seja aceito. Como a espiritualidade é outro campo de cognoscibilidade, resta ao agnóstico impor W.O (Walkover) ao Teísmo, oferecendo ao indivíduo o ateísmo, por falta de provas atestadas cientificamente da crença em Deus. Esta é a finalidade prática do agnosticismo e não à toa que o pai do termo, T. Huxley, era um inimigo da tradição bíblica e da autoridade de magistério teológico. A diferença de agnóstico para ateu é quase nenhuma, mas de agnóstico para o crente é abissal. 

AGNOSTICISMO E LITERATURA MAÇÔNICA

Nicola Aslan, no seu Dicionário, diz ser o agnosticismo a Doutrina que declara o Absoluto inacessível ao espírito humano. E um expoente do agnosticismo na Inglaterra, Hamilton (1788-1856), resume o agnosticismo ‘A última e a mais alta consagração de toda verdadeira religião deve ser um altar, Ághnosto Théo, ao Deus desconhecido e incognoscível’. Citando Mário Ferreira dos Santos, Aslan alerta que o agnosticismo contesta a gnoscibilidade de Deus pela luz natural da razão humana, ou até por revelação, além do que, Deus não é um phaemenon, o homem, por conseguinte, não pode conhecê-lo . Neste caso, para o agnosticismo, Deus é um ideal atraente e não um ser pessoal (2012:65). O agnosticismo, em outras palavras, é uma forma discursiva de negação da possibilidade do homem adorar a Deus, tornando isso uma irracionalidade. Este ateísmo atenuado utiliza uma forma de axioma para determinar inválida a crença em Deus, ou ao menos instrumentaliza a concepção divina contra a própria possibilidade de crença, colocando o homem em tal redução que torna impossível qualquer relação entre homem e Deus. O ateísmo é uma filosofia antirreligiosa.

Por exemplo, coerente com esta disposição, o agnosticismo aplicado à Maçonaria repugna qualquer referência à religiosidade. O símbolo, um dos mais atacados, que sofre com redimensões e desconstruções é o Livro da Lei, originalmente representado como sendo a Palavra Revelada, pela sua disposição aberta no painel do Grau de Aprendiz, o de Harris, de 1825. O símbolo Livro da Lei é parte dos Paramentos Maçônicos, ao lado do Esquadro e do Compasso. Para os militantes do agnosticismo, a Livro Sagrado é substituído pela Constituição da Potência, pela Constituição do país, pela Constituição de Anderson, ou por outro livro considerado sagrado, mas jamais em sua forma doutrinária relacionada com a prevalência do Compasso sobre o Esquadro, ou seja, do Espírito sobre a Matéria. Isso é incentivado pelo agnóstico porque, em última análise, é irracional a religiosidade, cabendo apenas o materialismo ser o veredicto da verdade humana. O painel francês, atribuído ao R.E.A.A., absurdamente sequer traz o símbolo do Livro da Lei-Bíblia Sagrada-Palavra Revelada, que é o norteamento de toda a ritualística simbólica exercida em Loja.

Esta exclusão da religiosidade não é a Maçonaria das Constituições de Anderson, que denomina o maçom esclarecido e atuante como noaquita. A natureza maçônica, por seu fator iniciático, é religiosa. Retirar da Maçonaria sua mística de transformação do indivíduo, sob a égide do sagrado, é a pior das deturpações de sua essência e o mais cínico dos perjuros. Motivações políticas e a perversão de filosofias materialistas foram capazes de importunar a Maçonaria em seu conteúdo mais caro.

As Constituições de 1738, aprimorando a anterior de 1723, ratificando o compromisso contra o ateísmo ou a irreligiosidade nos apresenta que : A primeira obrigação 1-  Com relação a Deus e à religião: (...) na qualidade de um verdadeiro noaquita, e se compreender o ofício, não será jamais um ateu estúpido, nem um libertino irreligioso, nem agirá contra sua consciência (...) pois todos estão de acordo com os três artigos de Noé, o suficiente para preservar o cimento da Loja (...). Este cimento da Loja, os três artigos de Noé, de acordo com René Guenón, citado por Aslan, são: paternidade divina, fraternidade humana e imortalidade (2012: 886). O patriarca Noé aparecera no Manuscrito Graham (1726) para incrementar a doutrina da Lenda de Hiram, de imortalidade da alma. Para Alec Mellor, os artigos de Noé eram: Abster-se da idolatria, honrar o Nome Santo de Deus e não ser homicida (1989:192). Estas são lições da Lenda de Hiram. De acordo com Albert G. Mackey, o Noaquita simplesmente defende a existência de Deus e a imortalidade da alma (2008: 16-19). Com o acinte agnóstico dentro da Maçonaria, nada disso faz sentido. O tal agnóstico, aceito em meio maçônico, é totalmente inadequado às tradições e ditames das Constituições. Para que o agnóstico seja aceito, a Loja ou Potência Maçônica, deve desconsiderar a letra e perverter o sentido das Constituições fundadoras da Ordem Maçônica Especulativa Obediencial.

Nas palavras de Rizzardo da Camino, no seu Dicionário Maçônico, o agnosticismo pressupõe antes de tudo, a impotência de Deus Criador para que seja plenamente bondoso, resultando disso o seu fracasso na criação, isso porque, à frente de Deus preexistia uma força impeditiva para o poder pleno ; e com relação à Maçonaria escreve: A Maçonaria passou incólume por todas essas fases e, posto o agnosticismo exercesse grande influência nos século XIX, os princípios maçônicos subsistiram , porque sua fé foi sempre depositada no Supremo Ser, traduzido na linguagem maçônica de Grande Arquiteto do Universo, Justo e Perfeito (2008:25).

O Dicionário Etimológico Maçônico, de José Castellani, diz que Agnóstico é aquele que professa o agnosticismo e esta é a doutrina que declara que o Absoluto é inacessível ao espírito humano. Ritos maçônicos auto-intitulados agnósticos não devem ter esta atitude confundida ao ateísmo (2004:21). Esta afirmação merece uma problematização: para o Grande Oriente de França, com seu Rito, não foi bastante deixar em aberto esta perspectiva, decidindo renegar ativamente seu reconhecimento à religiosidade e tomando partido pela finalidade agnóstica, pois aboliu a nomenclatura de Grande Arquiteto do Universo de seu documento. Esta bizarrice irreligiosa fez com que uma instituição com nome de maçonaria dispensasse Deus, renegasse toda a “tradição noaquita” e adequasse um rito aos ensejos dos ateus que queriam “iniciar” nos “mistérios” maçônicos. Estranho que ateus considerem a validade de um ritual iniciático.

O agnosticismo, ao lado do Deísmo e do ateísmo, são filosofias que tornam irrelevante crença em Deus e a torna irrelevante em qualquer forma de ritualística. Seria difícil de se falar em liberdade de total de consciência para um descrente materialista, pois este estaria submetido a um mínimo de ritualística inspirada em esoterismo. O ateu é impassível , por exemplo, com Lenda de Hiram ou com “Cavaleiro Rosa Cruz” ou simbologia de fênix” ou qualquer ideia considerada puerilidade humana. Não há sentimentalismo para o ateu, ou agnóstico, como queiram, de qualquer noção de espiritualidade, no mínimo que seja, pois o reducionismo teórico da incognoscibilidade, despedindo a religiosidade, faz do homem um fim em si, e nenhum mistério existe ou mereça ser celebrado.

O negacionismo agnóstico, essencialmente descrente, interfere na conscientização do maçom que facilmente perceberá, na lógica “moderna”, que nada daquilo que se dedica a fazer em Loja faz sentido e que todo simbolismo é vazio.

Na opinião de Renato Alencar, na Enciclopédia histórica do mundo maçônico, a supressão ou exclusão da ideia na existência de Deus em 1877 pelo Grande Oriente de França foi uma confissão ateia que escandalizou a Maçonaria Regular (1979:99-100). Esta reação de repúdio fez com que os “agnósticos” saíssem à francesa com um discurso invasivo de liberdade de pensamento.

A decisão tomada revolucionariamente pela França é defendida no artigo de Frederico Guilherme da Costa, no Caderno de Estudos Maçônicos questões controvertidas da Arte Real, volume cinco, prefaciado por Assis Carvalho, vulgo Xico Trolha, que antes escrevera um espécie de libelo anticatólico, o "Descristianização da Maçonaria", fazendo uma defesa aberta do Deísmo em Maçonaria. Desta feita, o Xico utiliza termos como crucifixo pendurado para comparar instituições públicas que usam este símbolo cristão, mas que não são entidades religiosas, com a Maçonaria, que usa símbolos religiosos, mas que, segundo ele, não é religiosa. Este é um redimensionamento discursivo apoiado pelos antirreligiosos que fazem uma maçonaria adequada a eles, não sendo exatamente o que ela é originalmente. Na manifestação de Costa, o que ele denomina de reforma de 1877, que declara a Franco-Maçonaria não deísta, nem ateia, nem positivista, que respeita a liberdade de consciência e estranha todo dogma e todo credo religioso, fez com que a Maçonaria francesa, excluindo a ideia de Deus, fosse uma instituição aberta a todos os progressos, a todas as ideias morais elevadas a todas as aspirações grandiosas e liberais . Esta seria (in)consistência moral do agnosticismo, que não afirma que Deus exista, ou não (2000: 162-163). A empatia entre Xico Trolha e Frederico Guilherme da Costa deixa transparecer que Deísmo e agnosticismo, na prática, são confundidos com a mesma substância antirreligiosa, e até mesmo preconceituosa com relação a fé cristã.

O uso dos termos usados por Carvalho e Costa são religião e dogma, uma forma apelativa para distinguir a Maçonaria de seita ou igreja. O termo religiosidade não é utilizado. No entanto, a posição antirreligiosa seja ponto pacífico. A faceta ateia do documento da “reforma” de 1877 não traz o termo “religiosidade”, o que seria inviável para uma melhor aceitação, pois atacando em termos religião e dogma seria mais fácil camuflar a intenção do desmancho à tradição.

Partindo para uma rápida exposição do rito subsidiário ao Grande Oriente de França, Costa compara o agnosticismo, utilizado na sindicância, com o racionalismo. O Rito Moderno ou francês, para ele, corresponde a exigência fundamental da filosofia e da ciência , pois a ideia da cognoscibilidade do homem é travada pela instabilidade frente a dinâmica humana; por isso não há racionalidade na teleologia que é dogma sustentado pela e pela revelação (2000:164). A dinâmica humana, ao que parece são as mudanças engendradas pelas ideologias políticas que atacam a tradição e os valores. O que se propõe é que a Maçonaria seja um caniço agitado pelo vento. Esta é a moda defendida pelos tais "racionalistas".

CONCLUSÃO

O agnosticismo tem a oferecer à Maçonaria fatores de desagregação, pois não está atrelada às tradições ou doutrinas fundadoras da Ordem. Para os entusiastas do agnosticismo, parece que a Maçonaria nasceu em 1877, com a tal “reforma”. A falácia de isenção não confundiu os ingleses, hoje chamados de “teístas exacerbados” por “medalhões” de fama, que imediatamente repudiaram esta rebeldia. O período aproveitado pelos revolucionários, que rasgaram a constituição que havia sido, até então, recentemente aprovada em 1786 mantendo a defesa ao teísmo, reproduzido na manutenção da nomenclatura Grande Arquiteto do Universo, foi o conflituoso período de decadência da monarquia de Napoleão III. A derrota para os alemães na guerra de 1870 e desequilíbrios sociais e econômicos deu alento para doutrinas materialistas permearem todos os campos institucionais, inclusive a Maçonaria.

A Grande Loja Nacional francesa, de 1913, foi uma reação tardia da tradicional Maçonaria Regular em território francês. O discurso agnóstico é similar à proposta de Era do Vazio, o individualismo pós-moderno na tradução filosófica de Gilles Lipovetsky, os valores são repensados com base no relativismo, pois não há uma referência estável, de nada. A crítica à maturidade é a base de toda instabilidade, esta é a “virtude” da falta de elementos agregadores.  O consumismo e a “globalização do individualismo”, faz, no caso aplicado à Maçonaria, uma Ordem ao gosto do freguês. Isso é lamentável.

A instrumentalização ideológica da Maçonaria pelos “progressistas” ou pelos “isentões” que não possuem identificação, autodenominados “racionalistas”, utilizam razões desconstrutivistas cujo interesse está na reinterpretação da Maçonaria. Por isso, atacam o que é considerado tradicional. O Rito Escocês Antigo e Aceito, o maior praticado no Brasil, a religiosidade, cimento de inspiração espiritual entre maçons, e qualquer conceituação mística ou teísta, são as mais prediletas vítimas destes calamitosos cavaleiros. Não raramente, os mais afoitos, palestrantes que balançam a bandeira da genuflexão da Maçonaria ao mainstream das causas consumistas identitárias sociais, ameaçam a Maçonaria com sua baioneta de borracha a tornando refém da vontade da moda do momento. A omissão e a desfaçatez, aliada a falta de comprometimento e estudo, estão corroendo as Colunas da Força e Estabilidade. 

À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça
SALUS SAPIENTIA STABILITA

BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANNO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Ivone Castillho Benedetti.4 ed. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

ALENCAR, Renato. Enciclopédia histórica do mundo maçônico Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1979.

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LIPOVESTKY, Gilles. A Era do Vazio. Barueiri: Editora Manole, 2005.

MELLOR, Alec. Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons. Tradução: Sociedade das Ciências Antigas revisado por Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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À.G.D.G.A.D.U
E. L. de Mendonça Jr
SALUS SAPIENTIA STABILITAS

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