A maçonaria reverencia dois personagens bíblicos em suas festividades, os padroeiros São João Batista e São João Evangelista. Estes santos do cristianismo são adotados pela tradição maçônica não apenas pela suas lições morais mas também pelo seu simbolismo esotérico embasando diversos itens ritualísticos e doutrinais. Os santos padroeiros são alusivos aos limiares da Ordem e sua identificação com símbolos e emblemas judaico-cristãos.
Os dois “São João” são reverenciados padroeiros desde a Idade Média pela Maçonaria por ocasião das festas Solsticiais: Solstício de Verão, referendado por São João Batista em 24 de Junho, e o Solstício de Inverno, referendado por São João Evangelista em 27 de Dezembro, no contexto do Hemisfério Norte. No Hemisfério Sul, os Solstícios são invertidos o que causa uma perfeita concomitância entre os símbolos e os santos, sendo o Inverno relacionado ao elemento água alusivo a São João Batista e o Verão, fogo-calor, relacionado a São João Evangelista , profeta que escreveu o Apocalipse com o fogo sendo elemento utilizado como purificador (Ap. 18.8). A Maçonaria saúda a posição da Terra em relação ao Sol e por isso os Solstícios são demarcados.
As festividades solsticiais são heranças dos povos da Antiguidade, especialmente os egípcios, representando transformações na natureza e representados com diversas alegorias. A Loja maçônica, constituída pelo Templo, representa o Universo e por esta razão nela contém elementos astrais como o Sol e a Lua com estrelas no Oriente, a Abóbada Celeste em todo o espaço e a Estrela Flamejante guiando o Ocidente, por exemplo. A “marcha solar” em Loja visita as casas zodiacais (no R.E.A.A), representando os doze meses do ano, sendo avalizadas pelas Colunas B e J, associados aos dois padroeiros solsticiais. A Coluna B, Norte, Aprendiz, relacionada ao primórdio da remissão do elemento Água referendado por São João Batista, e a Coluna J, Sul, Companheiro, relacionado a consumação do Fogo referendado pela Luz e redenção.
A Grande Loja de Londres, primeira Potência Obediencial Regular maçônica, começou seus trabalhos em 24 de Junho de 1717, dia de São João Batista e Solstício de Verão no Norte, e nesta data fazia a eleição de seus Grão Mestres, data modificada em 1725 para o dia 27 de Dezembro, dia de São João Evangelista e Solstício de Inverno. A mudança de datas não modificou a reverência aos padroeiros.
O Rito Escocês Antigo e Aceito, tradicionalmente na Europa, utiliza para o Grau de Aprendiz a leitura ritualística do Evangelho de São João (Jo 1.1-5) e não o Salmo 133, usual no Brasil pelas Grandes Lojas e Grande Oriente do Brasil. De acordo com José Castellani, a decisão de modificar o uso ritualístico da leitura bíblica foi devido a Cisão de 1927, ocasião da fundação das Grandes Lojas, decisão essa acatada pelo G.O.B que também adota o Salmo 133 no decorrer do tempo ( 2006:274).
Autores maçons consagrados como Nicola Aslan e José Castellani aceitam que São João Batista e São João Evangelista sejam legítimos padroeiros da Maçonaria, inclusive Castellani defende que seja São João Batista o “principal” , por anunciar a Luz, e São João Evangelista seja o da leitura ritualística pela tradição do Rito Escocês e por seu “Evangelho do Espírito” (2006:276). Para Francisco Carvalho, no seu livro Descristianização da Maçonaria , o verdadeiro padroeiro seria o São João Evangelista. O indício utilizado por “ Xico Trolha” é exatamente o uso da leitura do Evangelho de São João pela tradição maçônica, no mínimo a partir da “maçonaria especulativa’’ em 1600 e as referências do Manuscrito SLOANE, de 1700 ( “uma capela consagrada a São João”) , e do Manuscrito DUNFRIES DE 1710 ( “numa verdadeira Loja de São João, Justa e Perfeita” ) são entendidas pelo autor como sendo correlacionadas ao Apóstolo de Jesus, pois é este Evangelho o “símbolo máximo do cristianismo dentro da Maçonaria” (1997:38-42).
A reverência aos solstícios , referendados pelo culto solar, está condizente com os símbolos dos padroeiros. No Brasil, apesar de usualmente as comemorações do dia de São João Batista serem populares , é compreensível a aceitação esotérica dos dois padrinhos. Além da relação entre eles e as Colunas que regem o Norte e o Sul da Loja, como já citado, os padroeiro representam a simbólica alquímica dos elementos Água e Fogo e dos símbolos de seres viventes, Galo e Águia.
São João Batista, no Hemisfério Sul, está condizente com o Inverno (Junho a Setembro), período das chuvas. A água lustral de purificação e de anúncio da Luz é correlacionado a figura do profeta São João, que por batizar para remissão dos pecados recebe o nome de Batista. Na Iniciação Maçônica, a Água é o elemento da terceira prova de purificação e o Galo é o símbolo da Vigilância e Perseverança constante na Câmara das Reflexões. Estes símbolos da Água e do Galo são elementos que sintetizam São João Batista.
São João Evangelista, por sua vez, está condizente com o Verão ( Dezembro a Março), período ensolarado. O Fogo também é elemento purificador e testemunho da Luz está correlacionado com a figura do Apóstolo que biografou Jesus Cristo, a Luz (Jo 1.1-5). No ritual da Iniciação, o Fogo é a quarta prova de purificação. A Águia, no Rito Escocês Antigo e Aceito, em sua forma bicéfala, simboliza os Altos Graus. Na tradição cristã, os evangelhos recebem símbolos (tetramorfos) com o evangelista João sendo simbolizado pela Águia por suas visões apocalípticas. Desse modo, temos em João Evangelista a síntese do simbolismo do Fogo redentor e da Águia mensageira divina.
No Templo, em Loja, a Coluna B está referida a São João Batista pela purificação dos Aprendizes à Pedra Bruta ou ao seu desbaste. A Coluna J, a São João Evangelista, no Sul, à luz do Sol, pela purificação da Pedra Cúbica, burilada. São as duas Colunas da Maçonaria prefiguradas como usualmente são representadas no símbolo das Paralelas do Painel Alegórico do Aprendiz Maçom.
O precursor de jesus e profeta João Batista era filho de Zacarias e Isabel, descendentes de Arão ( Lc 1.5), sendo que sua mãe era prima da Virgem Maria, da tribo de Judá. O anjo Gabriel anunciou a Zacarias o nascimento do profeta, que nasceu em 5 a.C na região serrana de Judá. No ano 28 d.C , João estava pregando no deserto e batizava às margens do Rio Jordão. O batismo de João era para remissão dos pecados e por sua popularidade recebeu a alcunha de Batista. Seu batismo, afinal, não era completo, pois ele anunciava que o batismo completo seria dado pelo Messias através do elemento fogo. O Batismo de Jesus por João Batista credenciou seu primo a ser chamado de Cristo, ou Messias, o Filho de Deus ( Jo 1.29-34).
O ministério de João Batista foi curto, após batizar Jesus, foi preso por denunciar o adultério de Herodías, casada com Herodes Felipe mas que o traía com seu irmão Herodes Antipas (Lc 3.19-20). A adúltera, enraivecida pelas pregações de João Batista, sabendo que João estava preso, pediu que a filha dançarina, Salomé, fizesse uma performance para Herodes Antipas para que, diante dos convidados e com o rei bêbado, fosse pedido a execução do profeta por meio da decapitação com a entrega de sua cabeça numa bandeja ( Mt 14.8). Jesus Cristo denunciou a violência cometida contra João Batista e o abandono pelos sumo sacerdotes, que eram autoridades subservientes ao Rei e a seus desmandos ( Mt 11.12; Lc 7.28; Jo 5.33).
São João Evangelista, profeta da Nova Dispensação
Filho de Zebedeu e Salomé, irmã da mãe de Jesus. Nasceu em 9 d.C em Betsaida, Galielia. Seu irmão foi Tiago, o Maior, martirizado por Herodes Agripa, sobrinho de Herodes Antipas, em 44 d.C ( At 12.1-2). João testemunhou o primeiro milagre de Jesus Cristo em Caná da Galileia (Jo 2.1-11) e era muito próximo as irmãos e André e Pedro ( Jo 1.40).
O temperamento dos irmãos João e Tiago era forte e Jesus os chamou de “Boanerges” ou “ filhos do trovão” (Mc 3.17). O Apóstolo João não aceitava que expulsassem demônios pelo nome de Cristo sem serem seus fiéis (Lc 9. 49) e até ameaçou chover “fogo” contra os descrentes samaritanos ( Lc 9. 52-54). Estavam prontos para serem martirizados em fidelidade ao Mestre ( Mc 10.38-41).
João foi um dos três apóstolos selecionados por Cristo para testemunhar o milagre da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5.37), testemunhar sua transfiguração (Mt 17.1) e a agonia do Getsemani (Mt 26.37). Na Santa Ceia esteve ao lado da cadeira de Jesus, o acompanhou até o palácio do sumo sacerdote e seguiu para o Calvário. Como prova de sua fidelidade, recebeu de Jesus na cruz os cuidados a sua mãe, Maria (Jo 19.27). Ao lado de Pedro, testemunharam o sepulcro vazio (Jo 20.10) e esteve com Jesus ressuscitado diversas vezes (Lc 24. 33-43; Jo 20.19).
Após o Pentecoste ( At 2.1-47), João pregou com Pedro na Samaria e em Jerusalém. Durante as perseguições, decidiu ficar em Jerusalém. Foi preso e enviado em degredo para a ilha de Patmos, daí seu apelido de “Águia de Patmos” por suas visões do Apocalipse em 95 d.C. No reinado do Imperador Nerva, João foi libertado e morreu, de morte natural, em 103 d.C, na cidade de Éfeso, na Ásia Menor.
Conclusão
A Maçonaria possui dois padroeiros, São João Batista e São João Evangelista, de acordo com sua tradição judaico-cristã teísta. São duas importantes personalidades do Paramento Livro da Lei. Sua relação com a Divindade é de anúncio e testemunho de fé e doutrina a suas acusas. A fidelidade aos princípios maçônicos e sua tradição são mensagens dadas por estes profetas das dispensações, a Maçonaria os aceitam e promovem em sua ritualística, festividade e doutrina, principalmente no que preconiza o Rito Escocês Antigo e Aceito, de cunho judaico-cristão.
À.G.D.G.A.D.U
Emanoel L. de Mendonça Jr ∴
SALUS SAPIENTIA STABILITAS
Referências
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CARVALHO, Francisco. A descristianização da Maçonaria. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 1997.
CASTELLANI, José. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História Doutrina Prática. 3 ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 2006.
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Sites
https://pt.aleteia.org/2019/08/20/touro-aguia-leao-homem-por-que-os-evangelistas-estao-associados-a-essas-criaturas/ acessado em 20-11- 2020
https://padrepauloricardo.org/episodios/de-onde-vieram-os-quatro-simbolos-dos-evangelhos acessado em 20-11- 2020
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